Árvore

OChico telefona-me para Lisboa, a dizer que vamos ter de cortar mais um ramo à tipuana. Falou com o colega das motosserras e o rapaz foi peremptório: fizemos bem em amputar logo a secção partida pelo temporal, mas o modo como esta esgarçou acabou por criar na secção ao lado uma fissura na vertical. A água infiltrar-se-ia, fazendo apodrecer toda a árvore.

- Portanto, vai-se ter de cortar o ramo - diz o Chico.

Eu balbucio:

- Caramba, como é que vamos

fazer?

E não penso na técnica nem na logística, mas na distância. Há sempre uma impotência quando uma pessoa querida adoece e estamos longe. É assim que, de repente, eu olho aquela tipuana também. Ademais, cortando outro ramo, o estreito tronco central ficará desprotegido, o que acabará por forçar-nos a abater a árvore.

- Eu acho que a gente conseguimos - diz o Chico. - Já fizemos coisas mais difíceis.

E eu fico ali a pensar naquela árvore. Em como ela, com o jacarandá e o plátano, marca a história desta mudança, que assinalámos plantando. Nas pessoas que recebemos a almoçar sob a sua pequena copa: os Pereiras, os Capareiras, os Monjardinos, os Leonardos. Nos amigos de Lisboa que nos visitaram e se deixaram ficar a conversar debaixo dela: a Pipa, os Jorges e o Martim, a Yara e o Julien, o Vasquinho e os pais - Milady, os Pombos, o Sérgio e o Marco, a Teresa e as amigas.

Nas vezes que sob ela juntámos

a família dos dois lados do mar e nas vezes que o Melville e a Jasmim escavaram em torno do seu tronco.

Releio no Apicultor:

A tempestade parou. O vento já não sopra. Ou talvez seja eu que me movo por dentro, à velocidade do vento.

É uma árvore tão jovem e já com tanto para contar, aquela. Inclusive desses dias em que ficamos só os dois debaixo dela, num fim de tarde cálido, bebendo vinho.

Este Natal eu perdi uma árvore. Não podia ser um Natal como os outros.

24 DE DEZEMBRO DE 2015
00:01
Joel Neto
Diário da Notícias