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VÍCIOS: Fumar e deixar de fumar
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VÍCIOS: Fumar e deixar de fumar
Para os fumadores só há dois medos mortais: ter cancro e parar de fumar! Como têm tanto medo de um como de outro, perpetuam o impasse por não conseguirem decidir qual dos dois travar primeiro.
Eis um dilema pós-moderno para quem de alguma forma construiu a sua identidade, o seu pensamento e até a sua elegância, de cigarro na mão. Para muitas gerações o cigarro foi e continua a ser uma atitude. Um estilo. Os gestos de mão ajustam-se na perfeição a estados tão desencontrados como a nostalgia, a ironia, a sensualidade, a raiva, a contemplação, a angústia, a conquista, o stress, a descontração, a animação e por aí adiante. Nunca fumei mais do que aqueles cigarros da adolescência, para experimentar e, como não adorei, fiquei por aí. Mas fascina-me a intimidade que um fumador tem com o seu cigarro. Acho graça à mímica, ao body language e sinceramente até gosto do cheiro da primeira baforada, aquele primeiro sopro imediatamente a seguir a acender um cigarro. Também me divertem os que por vezes desenham formas, anéis e círculos com o fumo. E sei que para muitos parece impossível existir, pensar, escrever ou articular ideias sem a ajuda de um cigarro. Estou a pensar nas belíssimas mãos de Sophia, nos seus longos silêncios, nas suas horas de escrita demorada, depurada, quase sempre acompanhada de cigarros muito longos e finos que ela segurava com leveza e quase cerimónia na ponta dos dedos. Fumar era, para Sophia, sinónimo de elevação.
Abstracções e memórias aparte, para os que começaram a fumar quando eram muito novos, o cigarro está associado a toda a história da sua vida. O cigarro é-lhes vital porque sempre os ajudou, sempre lhes deu resposta e fez a transição entre momentos de tédio, fases de inquietação, períodos de inspiração e tempos de alegria. Fumar, para estas e estes, tornou-se tão essencial como respirar. Por incrível que pareça aos não fumadores (e até a alguns ex-fumadores, quando mudam de categoria), actualmente o conceito ‘respirar’ em dias muito agitados, vividos em stress devido a agendas sobrecarregadas ou na proximidade exigente de pares e chefes difíceis, pode passar por ir à rua repor a dose de nicotina. Respirar ar e inalar veneno. A terminologia não é minha, note-se. Veneno vem nos manuais, e está contido nas palavras das altas autoridades para a saúde pública, que se preocupam seriamente com as doenças individuais que gostariam de ajudar a prevenir. E, no entanto, a sua aposta em escrever nos maços de tabaco “fumar mata” é nula. O mesmo que nada. A conjugação destes dois verbos feita em modo definitivo, por assim dizer, torna estas duas palavras transparentes, inócuas e inodoras para todo e qualquer fumador. Não há advertência pela negativa que os contagie pela positiva. Dizem os grandes especialistas nacionais e internacionais, que é também aí que reside o problema. Nenhum viciado gosta que lhe falem nos efeitos nefastos do seu vício.
Para os fumadores só há dois medos mortais: ter cancro e parar de fumar! Como têm tanto medo de um como de outro, perpetuam o impasse por não conseguirem decidir qual dos dois travar primeiro. Chaby Langlois, conhecido coach francês fundador do método No Smoking, sabe que o cigarro tem um poder quase mágico, mas consegue taxas de sucesso fantásticas por fazer uma abordagem diferente aos que pretendem deixar de fumar: em vez de sublinhar a possibilidade de cancros e outras doenças terríveis, reforça as extraordinárias conquistas dos que cortam com o tabaco, nomeadamente na relação consigo mesmos, em campos de intimidade e profundidade a que normalmente outros não chegam. Langlois aposta na Psicologia Positiva e tem conseguido resultados incríveis nas últimas décadas. Diz que a terapia passa por acções e dinâmicas eficazes que levam os viciados a fazer uma opção livre e consciente entre continuarem a ‘conversar’ com o cigarro, num eterno diálogo que os enfraquece progressivamente, ou ganhar ‘o tesouro’ (a terminologia é dele) de ter uma conversa cada vez melhor consigo mesmo, fortalecendo-se a muitos níveis ao mesmo tempo: saúde, olfacto, paladar, bem-estar, mais equilíbrio e melhor relação com o mundo à sua volta.
Robert West, professor de Psicologia no University College of London, outra referência internacional no que toca a consumos de tabaco e a viciados que deixam de o ser, fala em duas castas de pessoas: as que estão a tentar deixar de fumar, e as que se consideram ex-fumadoras. Sim, porque ninguém que já fumou deixa absolutamente de ser fumador. Dizem estes especialistas que nunca se passa a “não-fumador”, mas sim a “ex-fumador”. Qual é a diferença? – perguntarão alguns. A Psicologia responde: quem já fumou e foi viciado não pode ‘destruir arquivos’ e passar ao lado de todos os sentimentos, emoções e estados de alma experimentados quando era adicto à nicotina. Só integrando essa realidade pode desconstrui-la, para a voltar a construir.
É interessante toda esta espécie de ciência que gera estudos mensais e Cimeiras internacionais, como a E- Cigarette Summit de Novembro passado, organizada pela London Royal Society, dedicada aos cigarros electrónicos de substituição, bem como a maneiras inovadoras para deixar de fumar. Pela negativa, pelos vistos, tudo é infinitamente mais difícil e poucos chegam lá. Racionalmente sabem que “me faz mal fumar e tudo melhoraria se eu conseguisse deixar os cigarros”, mas se a decisão não desce da razão ao coração, nada feito. Os especialistas que hoje cito convergem em duas etapas essenciais para deixar de fumar: a primeira passa por reconhecer que o cigarro se tornou mais importante que o amigo mais íntimo ou o familiar mais querido; a segunda por perceber que largar o vício também é respeitar as emoções próprias e voltar a sentir-se mais inteiro.
Na primeira etapa é importante cair na conta de que fumar é uma linguagem, um estilo, uma forma de respirar e uma maneira de nos relacionarmos com o mundo. Na segunda etapa é vital assumir que o respeito próprio passa por não deixar as emoções reféns dos cigarros e, também, por realizar que deixar de fumar não é uma traição a si mesmo, nem à cultura de uma vida inteira. Muito pelo contrário, pode ser sinónimo de liberdade e responsabilidade. Como se a adolescência e a consequente inclinação para a negação ficassem para trás, dando lugar a uma nova energia e um eu renovado. Uma espécie de ‘new me’.
Não sei, porque não experimentei, mas escrevo sobre a ciência dos outros e a partir da experiência de pessoas reais que conheço e nunca imaginaram possível fumar e deixar de fumar.
Laurinda Alves
26/1/2016, 7:15
Observador
Eis um dilema pós-moderno para quem de alguma forma construiu a sua identidade, o seu pensamento e até a sua elegância, de cigarro na mão. Para muitas gerações o cigarro foi e continua a ser uma atitude. Um estilo. Os gestos de mão ajustam-se na perfeição a estados tão desencontrados como a nostalgia, a ironia, a sensualidade, a raiva, a contemplação, a angústia, a conquista, o stress, a descontração, a animação e por aí adiante. Nunca fumei mais do que aqueles cigarros da adolescência, para experimentar e, como não adorei, fiquei por aí. Mas fascina-me a intimidade que um fumador tem com o seu cigarro. Acho graça à mímica, ao body language e sinceramente até gosto do cheiro da primeira baforada, aquele primeiro sopro imediatamente a seguir a acender um cigarro. Também me divertem os que por vezes desenham formas, anéis e círculos com o fumo. E sei que para muitos parece impossível existir, pensar, escrever ou articular ideias sem a ajuda de um cigarro. Estou a pensar nas belíssimas mãos de Sophia, nos seus longos silêncios, nas suas horas de escrita demorada, depurada, quase sempre acompanhada de cigarros muito longos e finos que ela segurava com leveza e quase cerimónia na ponta dos dedos. Fumar era, para Sophia, sinónimo de elevação.
Abstracções e memórias aparte, para os que começaram a fumar quando eram muito novos, o cigarro está associado a toda a história da sua vida. O cigarro é-lhes vital porque sempre os ajudou, sempre lhes deu resposta e fez a transição entre momentos de tédio, fases de inquietação, períodos de inspiração e tempos de alegria. Fumar, para estas e estes, tornou-se tão essencial como respirar. Por incrível que pareça aos não fumadores (e até a alguns ex-fumadores, quando mudam de categoria), actualmente o conceito ‘respirar’ em dias muito agitados, vividos em stress devido a agendas sobrecarregadas ou na proximidade exigente de pares e chefes difíceis, pode passar por ir à rua repor a dose de nicotina. Respirar ar e inalar veneno. A terminologia não é minha, note-se. Veneno vem nos manuais, e está contido nas palavras das altas autoridades para a saúde pública, que se preocupam seriamente com as doenças individuais que gostariam de ajudar a prevenir. E, no entanto, a sua aposta em escrever nos maços de tabaco “fumar mata” é nula. O mesmo que nada. A conjugação destes dois verbos feita em modo definitivo, por assim dizer, torna estas duas palavras transparentes, inócuas e inodoras para todo e qualquer fumador. Não há advertência pela negativa que os contagie pela positiva. Dizem os grandes especialistas nacionais e internacionais, que é também aí que reside o problema. Nenhum viciado gosta que lhe falem nos efeitos nefastos do seu vício.
Para os fumadores só há dois medos mortais: ter cancro e parar de fumar! Como têm tanto medo de um como de outro, perpetuam o impasse por não conseguirem decidir qual dos dois travar primeiro. Chaby Langlois, conhecido coach francês fundador do método No Smoking, sabe que o cigarro tem um poder quase mágico, mas consegue taxas de sucesso fantásticas por fazer uma abordagem diferente aos que pretendem deixar de fumar: em vez de sublinhar a possibilidade de cancros e outras doenças terríveis, reforça as extraordinárias conquistas dos que cortam com o tabaco, nomeadamente na relação consigo mesmos, em campos de intimidade e profundidade a que normalmente outros não chegam. Langlois aposta na Psicologia Positiva e tem conseguido resultados incríveis nas últimas décadas. Diz que a terapia passa por acções e dinâmicas eficazes que levam os viciados a fazer uma opção livre e consciente entre continuarem a ‘conversar’ com o cigarro, num eterno diálogo que os enfraquece progressivamente, ou ganhar ‘o tesouro’ (a terminologia é dele) de ter uma conversa cada vez melhor consigo mesmo, fortalecendo-se a muitos níveis ao mesmo tempo: saúde, olfacto, paladar, bem-estar, mais equilíbrio e melhor relação com o mundo à sua volta.
Robert West, professor de Psicologia no University College of London, outra referência internacional no que toca a consumos de tabaco e a viciados que deixam de o ser, fala em duas castas de pessoas: as que estão a tentar deixar de fumar, e as que se consideram ex-fumadoras. Sim, porque ninguém que já fumou deixa absolutamente de ser fumador. Dizem estes especialistas que nunca se passa a “não-fumador”, mas sim a “ex-fumador”. Qual é a diferença? – perguntarão alguns. A Psicologia responde: quem já fumou e foi viciado não pode ‘destruir arquivos’ e passar ao lado de todos os sentimentos, emoções e estados de alma experimentados quando era adicto à nicotina. Só integrando essa realidade pode desconstrui-la, para a voltar a construir.
É interessante toda esta espécie de ciência que gera estudos mensais e Cimeiras internacionais, como a E- Cigarette Summit de Novembro passado, organizada pela London Royal Society, dedicada aos cigarros electrónicos de substituição, bem como a maneiras inovadoras para deixar de fumar. Pela negativa, pelos vistos, tudo é infinitamente mais difícil e poucos chegam lá. Racionalmente sabem que “me faz mal fumar e tudo melhoraria se eu conseguisse deixar os cigarros”, mas se a decisão não desce da razão ao coração, nada feito. Os especialistas que hoje cito convergem em duas etapas essenciais para deixar de fumar: a primeira passa por reconhecer que o cigarro se tornou mais importante que o amigo mais íntimo ou o familiar mais querido; a segunda por perceber que largar o vício também é respeitar as emoções próprias e voltar a sentir-se mais inteiro.
Na primeira etapa é importante cair na conta de que fumar é uma linguagem, um estilo, uma forma de respirar e uma maneira de nos relacionarmos com o mundo. Na segunda etapa é vital assumir que o respeito próprio passa por não deixar as emoções reféns dos cigarros e, também, por realizar que deixar de fumar não é uma traição a si mesmo, nem à cultura de uma vida inteira. Muito pelo contrário, pode ser sinónimo de liberdade e responsabilidade. Como se a adolescência e a consequente inclinação para a negação ficassem para trás, dando lugar a uma nova energia e um eu renovado. Uma espécie de ‘new me’.
Não sei, porque não experimentei, mas escrevo sobre a ciência dos outros e a partir da experiência de pessoas reais que conheço e nunca imaginaram possível fumar e deixar de fumar.
Laurinda Alves
26/1/2016, 7:15
Observador
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