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Esquerda querida

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Mensagem por Admin Sex Fev 05, 2016 11:51 am

Escrevo-te, esquerda, para dizer que estou um pouco desiludida contigo. Não me interpretes mal: estou muito contente por ver, pela primeira vez na minha vida (e esperando não seja a última), um governo com o apoio de todos os partidos que se afirmam de esquerda e têm assento parlamentar; estou mesmo, confesso - repara, tinha 10 anos no 25 de abril, e possuo ótima memória -, maravilhada por ver o PCP a debater um Orçamento do Estado de um governo PS na perspetiva de o aprovar. E mais feliz fico por ver que é possível terem chegado a acordo em relação a um OE que está longe de "dar tudo a toda a gente".

Claro que maturidade a sério era estarem todos no governo, uma verdadeira aliança, e não esta coisa meio trangalhadanças que não chega a negar a velha teoria do "arco da governabilidade". Mas ainda assim não tem corrido mal. Isto, chegar a um Orçamento, e um Orçamento compatível com a maldita redução do défice, era a primeira prova de fogo, e, esquerda, passaste-a. Parabéns. Sucede que sou ambiciosa, esquerda, e gostava que também fosses. E seres ambiciosa era deixares cair mais umas tantas das tuas anquilosadas manias, arregaçares esses dogmas de uma vez e pores mesmo as mãos na massa.

Queres exemplos? Eu dou. Não compreendo, por exemplo, que em parte (BE, PCP e Verdes) tenhas feito finca-pé em acabar já com a Contribuição Especial de Solidariedade, que já só se aplica nas pensões acima de 4611 euros/mês e que corresponde a 10% entre este valor e 7127 (a partir do qual se aplica um corte de 40%). Como explicas, esquerda, quereres acabar com isto quando manténs a sobretaxa, ainda que reduzida, para pessoas com ordenados de mil euros e aceitas que a reposição integral dos salários da função pública só ocorra em outubro? Bem sei: vais dizer que é uma questão de princípio, que "não se cortam pensões". O tal princípio que te leva à histeria quando se fala em aplicar condição de recursos às pensões mínimas - ou seja, a querer certificar que as pessoas precisam mesmo da ajuda que o Estado (os nossos impostos, portanto) lhes dá por não terem descontado o suficiente durante a vida ativa. Explica-me, esquerda: a ideia não devia ser dar mais a quem precisa e menos ou nada a quem tem rendimentos suficientes? Qual o sentido de esbanjar dinheiro - e gasta-se por ano em pensões mínimas, sociais e rurais uns três mil milhões de euros - com quem não tem necessidade?

É o mesmo tipo de princípio sem pés nem cabeça, esquerda, que te levou a ser contra o aumento da idade da reforma, a ser contra a convergência nisso entre o setor público e o privado, a ser contra o fim dos regimes excecionais. Afinal, de que lado estás? Não é suposto defenderes a igualdade? Não é suposto defenderes a sustentabilidade das políticas sociais e da segurança social, não é suposto defenderes o bem comum e, já agora, a independência do Estado português? Então? Pensa nisso, por favor. E vê se resistes a chamar-me nomes.

05 DE FEVEREIRO DE 2016
00:02
Fernanda Câncio
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