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PSEUDOCIÊNCIA: Virus-fakis: A pandemia do sec. XXI
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PSEUDOCIÊNCIA: Virus-fakis: A pandemia do sec. XXI
Na próxima vez que andar de avião, proteste com a companhia. Não quer um avião construído com as regras da ciência capitalista e colonialista, mas um que voe com uma cosmovisão não eurocêntrica.
Quando começaram a chegar notícias de movimentos anti-vacinas dos países mais desenvolvidos do mundo, nomeadamente dos EUA e da Austrália, a minha reação foi de espanto. Eu sou velho o suficiente para ter tido colegas de escola que faleceram por doenças perfeitamente evitáveis devido a um fluxo não planeado de refugiados das ex-colónias. Por isso, ver em países ricos, comv todos os recursos possíveis e imaginários, pessoas que de forma voluntária querem colocar os filhos na situação em que vivem aqueles que sonham com esses recursos, é chocante. E mais chocante por essa opção ter, aparentemente, um suporte “intelectual” em “estudos” de gente com assento em universidades prestigiadas, que pretende deitar abaixo mais de um século de esforços de cientistas sérios. Aqueles que só tiram conclusões baseados em factos enquadrados em experiências perfeitamente controladas.
A verdade é que o tempo dos astrólogos nas revistas femininas já lá vai. Hoje uma nova forma de astrólogo passou a enxamear as universidades do mundo ocidental, o pseudocientista encartado com doutoramentos e posições de investigadores. Académicos de pleno direito que atingiram um estatuto equivalente aos cientistas sérios. Boaventura Santos, o académico português que lidera o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e que tem a duvidosa honra de ter a obra citada na conhecida obra de Alan Sokal “Imposturas intelectuais” e de ser o objeto da obra do saudoso António Manuel Batista “Discurso Pós-Moderno – Obscurantismo e Irresponsabilidade Intelectuais”, reclama-se da construção de uma nova forma de aquisição de conhecimento onde, para ser simpático, enquadra todo o tipo de disparate intelectualoide.
O CES recebeu na última ronda de financiamentos da FCT, a tal que trouxe a tragédia a inúmeros centros de investigação, 1.330.000 euros. Sim, caro leitor, em tempo de cortes nos centros de investigação sobre o cancro, sobre física da matéria condensada ou sobre biologia molecular, fique feliz. Porque pelo menos investiu mais de um milhão de euros “noutras cosmovisões e universos simbólicos” e em formas de conhecimento “não sujeitas às ditaduras do colonialismo, capitalismo e patriarcado”. Na próxima vez que andar de avião, proteste com a companhia. Não quer um avião construído com as regras da ciência capitalista e colonialista, mas um que voe com uma cosmovisão não eurocêntrica!
Mas o CES é só um exemplo. Centenas de pseudocientistas andam por esse mundo fora citando-se uns aos outros e baseando as suas “descobertas” nas “descobertas” dos seus prestigiados colegas cujo prestígio saiu do facto de terem escrito alguma coisa a que dão muita importância, mas cuja fundamentação científica nunca existiu. É todo um edifício de “conhecimento” que se sustenta em pilares de igual valia científica e que se reclama de modernidade e originalidade ao ponto de designarem a ciência clássica como “mainstream” ou “ortodoxa” (acreditem, já ouvi…). Usam o termo “ciências sociais” para poderem usufruir de regras paralelas à ciência e não, como seria de esperar, ciência dedicada a fenómenos sociais. Isto com a ressalva de que há cientistas sociais sérios, pessoas que se dedicam ao estudo dos fenómenos sociais que sabendo que há problemas na aplicação das regras da ciência a certos fenómenos sociais e sabem limitar o âmbito das suas afirmações.
O pseudocientista académico usa o truque “a resposta àquilo que não se sabe pode ser qualquer disparate, desde que pareça ‘académico’”. Usa dados empíricos tirados em circunstâncias que os próprios não controlam para desenvolverem teorias que “corroboram” “descobertas” anteriores, como a “luta de classes” ou o “primado do capital sobre o trabalho” e outros disparates sem sentido nenhum. Tornam-se especialistas em “Feminismo Pós-Bélico do Índico” como eu me poderia tornar especialista de “Microbiologia do Algodão em Capitais Lusófonas” só porque meti os lençóis da minha cama num microscópio.
Há, no youtube, uma peça admirável em vários episódios chamada “Hjernevask” (traduzido dá qualquer coisa como “lavagem ao cérebro”) onde se comparam as abordagens de cientistas sérios com “cientistas sociais” nórdicos que o leitor não deve perder para entender a extensão da praga. Num dos episódios, os pseudocientistas insistem que não existem diferenças de género no comportamento das pessoas, apenas condicionalismos sociais de uma sociedade patriarcal. Enquanto os cientistas sérios apresentam provas em experiências controladas, os pseudocientistas avançam com argumentos de autoridade, chamando “ortodoxos” aos outros e citando-se uns aos outros sem qualquer prova científica de algo que qualquer comum mortal poderia dizer.
Mas, enquanto o disparate se mantém confinado aos centros de “investigação” das universidades, nós podemos questionar o dinheiro que colocamos nas universidades ou se estas deviam continuar a usufruir desse estatuto para que os nossos filhos não possam ser levados a tal sítio, mas o problema aí é meramente um problema fechado.
Porém, o problema tornou-se uma pandemia e alastrou para fora das universidades. Movimentos anti-vacinação, a negação das transformações climáticas, a legislação de medicina homeopática e, provavelmente aquela que será a mais mortífera de todas, as teorias igualitárias ou anti-austeritaristas que devastaram a economia da Venezuela e quase fizeram o mesmo à Grécia. Académicos de universidades de prestígio previamente inatacável, como Varoufakis ou Piketty, ou até medalhas Nobel, como Krugman, que fazem “seleção cuidada” de dados empíricos de forma a corroborarem os seus preconceitos ou recuperarem teorias obsoletas. O mesmo que vemos nos cientistas contestatários das alterações climáticas. Assistimos a uma série de truques que dão uma roupagem de sofisticação a argumentos de empresas petrolíferas contra o aquecimento global ou organizações políticas “revolucionárias” como o Podemos ou o Bloco, cheios de doutorados em temas aparentemente respeitáveis, como Sociologia ou Ciência Política. Truques próprios de vendedor de automóvel usado (daqueles que só vendem carros de velhotas que nunca os tiram da garagem), que lançam duas verdades inquestionáveis para passarem uma especulação de seguida como “temos desemprego”, “temos uma crise” e, logo, “austeridade não funciona”, como se isto fosse um encadeamento lógico aceitável em ciência.
Há vacina contra este vírus que ameaça as nossas populações? Há forma de combater aqueles que reclamam uma “nova ciência” só porque a ciência não corrobora as suas crenças? Pois, eu não sou académico. Toda a minha investigação se destina a objetivos económicos concretos à criação de postos de trabalho. Não faço parte do ecossistema científico e a minha contribuição para a economia do paper é muito reduzida, apesar de ser 10(!!!) vezes superior à média do sistema científico nacional. Não me parece que a solução passe por confinar esta gente à academia, pelo que a solução terá que ser encontrada dentro dela. Será talvez altura dos cientistas sérios que combatem as crenças na astrologia ou na cartomancia se deixarem de “sindicalismos” e assumirem as suas responsabilidades: de serem cientistas com tudo o que isso traz de responsabilidade de proteção do conhecimento perante a sociedade e não académicos que protegem os seus coleguinhas. Porque este vírus mata, não tenham disso a menor dúvida.
PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer
João Pires da Cruz
8/2/2016, 7:27
Observador
Quando começaram a chegar notícias de movimentos anti-vacinas dos países mais desenvolvidos do mundo, nomeadamente dos EUA e da Austrália, a minha reação foi de espanto. Eu sou velho o suficiente para ter tido colegas de escola que faleceram por doenças perfeitamente evitáveis devido a um fluxo não planeado de refugiados das ex-colónias. Por isso, ver em países ricos, comv todos os recursos possíveis e imaginários, pessoas que de forma voluntária querem colocar os filhos na situação em que vivem aqueles que sonham com esses recursos, é chocante. E mais chocante por essa opção ter, aparentemente, um suporte “intelectual” em “estudos” de gente com assento em universidades prestigiadas, que pretende deitar abaixo mais de um século de esforços de cientistas sérios. Aqueles que só tiram conclusões baseados em factos enquadrados em experiências perfeitamente controladas.
A verdade é que o tempo dos astrólogos nas revistas femininas já lá vai. Hoje uma nova forma de astrólogo passou a enxamear as universidades do mundo ocidental, o pseudocientista encartado com doutoramentos e posições de investigadores. Académicos de pleno direito que atingiram um estatuto equivalente aos cientistas sérios. Boaventura Santos, o académico português que lidera o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e que tem a duvidosa honra de ter a obra citada na conhecida obra de Alan Sokal “Imposturas intelectuais” e de ser o objeto da obra do saudoso António Manuel Batista “Discurso Pós-Moderno – Obscurantismo e Irresponsabilidade Intelectuais”, reclama-se da construção de uma nova forma de aquisição de conhecimento onde, para ser simpático, enquadra todo o tipo de disparate intelectualoide.
O CES recebeu na última ronda de financiamentos da FCT, a tal que trouxe a tragédia a inúmeros centros de investigação, 1.330.000 euros. Sim, caro leitor, em tempo de cortes nos centros de investigação sobre o cancro, sobre física da matéria condensada ou sobre biologia molecular, fique feliz. Porque pelo menos investiu mais de um milhão de euros “noutras cosmovisões e universos simbólicos” e em formas de conhecimento “não sujeitas às ditaduras do colonialismo, capitalismo e patriarcado”. Na próxima vez que andar de avião, proteste com a companhia. Não quer um avião construído com as regras da ciência capitalista e colonialista, mas um que voe com uma cosmovisão não eurocêntrica!
Mas o CES é só um exemplo. Centenas de pseudocientistas andam por esse mundo fora citando-se uns aos outros e baseando as suas “descobertas” nas “descobertas” dos seus prestigiados colegas cujo prestígio saiu do facto de terem escrito alguma coisa a que dão muita importância, mas cuja fundamentação científica nunca existiu. É todo um edifício de “conhecimento” que se sustenta em pilares de igual valia científica e que se reclama de modernidade e originalidade ao ponto de designarem a ciência clássica como “mainstream” ou “ortodoxa” (acreditem, já ouvi…). Usam o termo “ciências sociais” para poderem usufruir de regras paralelas à ciência e não, como seria de esperar, ciência dedicada a fenómenos sociais. Isto com a ressalva de que há cientistas sociais sérios, pessoas que se dedicam ao estudo dos fenómenos sociais que sabendo que há problemas na aplicação das regras da ciência a certos fenómenos sociais e sabem limitar o âmbito das suas afirmações.
O pseudocientista académico usa o truque “a resposta àquilo que não se sabe pode ser qualquer disparate, desde que pareça ‘académico’”. Usa dados empíricos tirados em circunstâncias que os próprios não controlam para desenvolverem teorias que “corroboram” “descobertas” anteriores, como a “luta de classes” ou o “primado do capital sobre o trabalho” e outros disparates sem sentido nenhum. Tornam-se especialistas em “Feminismo Pós-Bélico do Índico” como eu me poderia tornar especialista de “Microbiologia do Algodão em Capitais Lusófonas” só porque meti os lençóis da minha cama num microscópio.
Há, no youtube, uma peça admirável em vários episódios chamada “Hjernevask” (traduzido dá qualquer coisa como “lavagem ao cérebro”) onde se comparam as abordagens de cientistas sérios com “cientistas sociais” nórdicos que o leitor não deve perder para entender a extensão da praga. Num dos episódios, os pseudocientistas insistem que não existem diferenças de género no comportamento das pessoas, apenas condicionalismos sociais de uma sociedade patriarcal. Enquanto os cientistas sérios apresentam provas em experiências controladas, os pseudocientistas avançam com argumentos de autoridade, chamando “ortodoxos” aos outros e citando-se uns aos outros sem qualquer prova científica de algo que qualquer comum mortal poderia dizer.
Mas, enquanto o disparate se mantém confinado aos centros de “investigação” das universidades, nós podemos questionar o dinheiro que colocamos nas universidades ou se estas deviam continuar a usufruir desse estatuto para que os nossos filhos não possam ser levados a tal sítio, mas o problema aí é meramente um problema fechado.
Porém, o problema tornou-se uma pandemia e alastrou para fora das universidades. Movimentos anti-vacinação, a negação das transformações climáticas, a legislação de medicina homeopática e, provavelmente aquela que será a mais mortífera de todas, as teorias igualitárias ou anti-austeritaristas que devastaram a economia da Venezuela e quase fizeram o mesmo à Grécia. Académicos de universidades de prestígio previamente inatacável, como Varoufakis ou Piketty, ou até medalhas Nobel, como Krugman, que fazem “seleção cuidada” de dados empíricos de forma a corroborarem os seus preconceitos ou recuperarem teorias obsoletas. O mesmo que vemos nos cientistas contestatários das alterações climáticas. Assistimos a uma série de truques que dão uma roupagem de sofisticação a argumentos de empresas petrolíferas contra o aquecimento global ou organizações políticas “revolucionárias” como o Podemos ou o Bloco, cheios de doutorados em temas aparentemente respeitáveis, como Sociologia ou Ciência Política. Truques próprios de vendedor de automóvel usado (daqueles que só vendem carros de velhotas que nunca os tiram da garagem), que lançam duas verdades inquestionáveis para passarem uma especulação de seguida como “temos desemprego”, “temos uma crise” e, logo, “austeridade não funciona”, como se isto fosse um encadeamento lógico aceitável em ciência.
Há vacina contra este vírus que ameaça as nossas populações? Há forma de combater aqueles que reclamam uma “nova ciência” só porque a ciência não corrobora as suas crenças? Pois, eu não sou académico. Toda a minha investigação se destina a objetivos económicos concretos à criação de postos de trabalho. Não faço parte do ecossistema científico e a minha contribuição para a economia do paper é muito reduzida, apesar de ser 10(!!!) vezes superior à média do sistema científico nacional. Não me parece que a solução passe por confinar esta gente à academia, pelo que a solução terá que ser encontrada dentro dela. Será talvez altura dos cientistas sérios que combatem as crenças na astrologia ou na cartomancia se deixarem de “sindicalismos” e assumirem as suas responsabilidades: de serem cientistas com tudo o que isso traz de responsabilidade de proteção do conhecimento perante a sociedade e não académicos que protegem os seus coleguinhas. Porque este vírus mata, não tenham disso a menor dúvida.
PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer
João Pires da Cruz
8/2/2016, 7:27
Observador
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