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Nem CIA, nem KGB
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Nem CIA, nem KGB
A primeira vez que ouvi falar no Bairro Azul foi em Moscovo. [Em Lisboa] conhecia o Jardim Zoológico, o Cristo-Rei e pouco mais. Sabia que havia um Fórum Picoas e a Avenida da Liberdade, mas até essa era mais pequena do que a Avenida da Boavista.
A primeira vez que ouvi falar no Bairro Azul foi em Moscovo. Para uma pessoa como eu, que nascera no Porto e aí crescera, estudara e começara a trabalhar como jornalista no diário portuense O Primeiro de Janeiro, os conhecimentos da toponímia lisboeta eram mínimos. Conhecia o Jardim Zoológico, o Cristo-Rei e pouco mais. Sabia que havia um Fórum Picoas e a Avenida da Liberdade, mas até essa era mais pequena do que a Avenida da Boavista.
Por isso, quando o jornalista russo Oleg Ignatiev me disse que viveu no Bairro Azul, perguntei-lhe se ele tinha dito o nome de forma correta. Havia mesmo um bairro com esse nome?
Estávamos no ano de 1995 e eu encontrava-me em Moscovo para entrevistar ex-agentes do KGB e depois, quem sabe, vender isso a uma estação de televisão. Comigo estava um amigo operador de câmara, o Adérito. Eramos jovens e loucos. Um ano antes, em Cannes, durante o festival de televisão, conheci Igor Prelin, um verdadeiro agente do KGB, com missões em Angola – era o guarda-redes da equipa soviética que costumava jogar contra o presidente José Eduardo dos Santos.
Graças a ele entrevistei agentes que tinham estado em Luanda e Maputo. Falhei, contudo, a entrevista ao agente que, em Lisboa, teria sido responsável pela transferência dos arquivos da PIDE para Moscovo. Igor, por sua vez, confirmou-me que lera documentos com o carimbo da polícia política do Estado Novo antes de partir para a antiga África portuguesa.
Foi em Moscovo, em 1995, que percebi que os EUA e a ex-União Soviética tinham um objetivo comum em 1974: a saída de Portugal de África. No regresso a Lisboa, não consegui vender nenhuma daquelas entrevistas. Estive na SIC a tentar. Um jornalista independente do Porto, com 20 e poucos anos, tinha entrevistas com agentes do KGB feitas em Moscovo e o que ouviu? Isto: “O PCP não interessa a ninguém. Tem apenas 9% dos votos”, disse-me um alto responsável do canal altura. Não foi o Rangel. Esse vi-o à saída.
Regressei ao Porto e continuei a fazer jornalismo. No ano seguinte estive em Cuba a trabalhar num documentário apresentado pelo embaixador Fernandes Fafe, o primeiro embaixador de Portugal em Cuba após o 25 de Abril. A seguir, mudei-me para Lisboa, para o Tal&Qual, e, dois anos depois, em 1999, questionei Álvaro Cunhal sobre a colaboração entre o PCP e o KGB. Foi numa palestra na Cooperativa Árvore, no Porto, na mesma altura em que era publicado em Inglaterra um livro intitulado “O Arquivo Mitrokhin”. Nessa mesma sessão estava um outro jovem que queria fazer uma pergunta a Cunhal. Era o Tino, o de Rans, aquele que há uns meses foi candidato a Presidente da República. À saída, Tino deu-me boleia. Cunhal, esse, respondeu-me. Disse que não sabia se este ou aquele dos muitos soviéticos com quem falara era ou não agente do KGB.
No fundo, num regime onde o que impera é o interesse do coletivo, qualquer pessoa com o passaporte soviético era, na prática, um agente do KGB. Da mesma forma que qualquer americano tem a obrigação de ser um agente da CIA.
No fundo, agem de acordo com os interesses dos seus países. Nós é que nos esquecemos de agir de acordo com os nossos interesses. Por fim, por acaso do destino, houve uma altura da minha vida em que acabei por ir morar durante uns anos no Bairro Azul. E muitas vezes me lembrava que a primeira vez que ouvira o nome daquele local fora em Moscovo, quando andava a falar com agentes do KGB.
Frederico Duarte Carvalho,
Jornalista e escritor
Publicado em: 16/03/2016 - 13:38:05
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