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FILOSOFIA POLÍTICA: O lugar do outro
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FILOSOFIA POLÍTICA: O lugar do outro
O jogador de xadrez deve pensar que o adversário visa a sua destruição no tabuleiro. Uma das glórias maiores de Maquiavel foi precisamente ter levado esse tipo de pensamento às últimas consequências.
A questão do lugar do outro, e a questão das razões pelas quais nos devemos colocar no lugar do outro, são velhas questões da filosofia. Não das mais velhas, certamente, pelo menos se tivermos em conta a sua formulação explícita, mas mesmo assim velhas questões. Em Leibniz e Kant, por exemplo, no seguimento do cristianismo, elas encontram-se claramente formuladas. E, como quase todas as questões filosóficas verdadeiramente substantivas, por mais abstractas que a linguagem filosófica as faça parecer, elas são susceptíveis de serem traduzidas na linguagem da nossa experiência comum que, à superfície e no fundo, é sempre aquilo que interessa mais. O que diz respeito a todos, ou a quase todos, é sempre aquilo que interessa mais.
Leibniz é, como sempre, muito interessante no capítulo. Por exemplo: como se devem ler os filósofos? Adoptando imaginariamente o seu ponto de vista e procurando o que há de verdadeiro, ou nos parece verdadeiro, nas suas doutrinas, concedendo pouca importância ao que é, ou nos parece, falso. O verdadeiro reside sobretudo no que os filósofos afirmam; o falso, no que eles negam, no acto de negarem. Tudo isso pressupõe, é certo, uma espécie de afinidade do espírito humano com a verdade, ideia que está longe de ser absurda e que encontramos já em Aristóteles e, posteriormente, no filósofo americano Charles Sanders Peirce, entre vária outra gente.
O que vale para a leitura dos filósofos vale também, obviamente, para o comércio habitual entre humanos. Não se trata certamente aqui da suposição da verdade das doutrinas (ou de aspectos das doutrinas), mas da simples veracidade. Supomos naturalmente, salvo má-fé, veracidade nos outros, até quando não a desejamos supor (acontece) e mesmo que posteriormente venhamos a rever tal suposição. E com muita razão: sem essa suposição espontânea, por mais mitigada que seja, não havia vida em sociedade.
Há, no entanto, limites. A não ser que pratiquemos o ofício de historiador, não nos pomos facilmente no lugar de Hitler ou de Estaline, para dar exemplos próximos de nós. Um historiador tem de fazer isso, tem de se pôr no lugar do outro nesses casos. Nós não. Por isso, os historiadores adoptam um ponto de vista diferente do comum. Para o comum, e os filósofos fazem aqui integralmente parte do comum, Hitler ou Estaline não se tentam compreender: combatem-se. Hannah Arendt, que no entanto dedicou a sua vida a pensar o mal, ilustra muito bem essa posição, sob a sua forma mais radical: para ela, Hitler e Estaline eram pura e simplesmente pessoas sem biografia. O filósofo não sai da esfera do comum, por exemplo, na apreciação dos feitos do Estado Islâmico: não se consegue pôr no lugar do outro. O historiador sim. O historiador sai da esfera do comum, do habitual recurso ao bem e ao mal, que é o comum do comum.
Quando o lugar do outro nos é literalmente incompreensível, o exercício de o pensar, de tentar descobrir um acordo, uma comunhão, está à partida condenado ao fracasso. Ou melhor: ele só se pode efectuar de uma forma puramente técnica, através do princípio do pior. Leibniz percebeu isso também, embora sem se referir a formas do mal radical. O general que comanda um exército deve pensar o pior: deve pensar que o general que comanda o outro exército vai agir da forma mais competente e eficaz contra ele. O jogador de xadrez deve pensar que o seu adversário, depois dos gestos tipificados das aberturas, visa a sua destruição no tabuleiro. Uma das glórias maiores de Maquiavel foi precisamente ter levado esse tipo de pensamento às últimas consequências.
E isto é válido, é claro, na nossa vida comum, em que os dois sentidos de “pormo-nos no lugar do outro” (o positivo e o negativo, por assim dizer) convivem um com o outro. Quando a compreensão nos é impossível, quando a adopção dos conteúdos do pensamento dos outros se encontra fora das nossas possibilidades, resta-nos raciocinar de acordo com o princípio do pior, presumindo que o outro vai agir do modo mais eficaz para obter os seus fins. Sob formas certamente muito diferentes, Maquiavel e Leibniz estão cá para nos ajudar.
Paulo Tunhas
31/3/2016, 8:53
Observador
A questão do lugar do outro, e a questão das razões pelas quais nos devemos colocar no lugar do outro, são velhas questões da filosofia. Não das mais velhas, certamente, pelo menos se tivermos em conta a sua formulação explícita, mas mesmo assim velhas questões. Em Leibniz e Kant, por exemplo, no seguimento do cristianismo, elas encontram-se claramente formuladas. E, como quase todas as questões filosóficas verdadeiramente substantivas, por mais abstractas que a linguagem filosófica as faça parecer, elas são susceptíveis de serem traduzidas na linguagem da nossa experiência comum que, à superfície e no fundo, é sempre aquilo que interessa mais. O que diz respeito a todos, ou a quase todos, é sempre aquilo que interessa mais.
Leibniz é, como sempre, muito interessante no capítulo. Por exemplo: como se devem ler os filósofos? Adoptando imaginariamente o seu ponto de vista e procurando o que há de verdadeiro, ou nos parece verdadeiro, nas suas doutrinas, concedendo pouca importância ao que é, ou nos parece, falso. O verdadeiro reside sobretudo no que os filósofos afirmam; o falso, no que eles negam, no acto de negarem. Tudo isso pressupõe, é certo, uma espécie de afinidade do espírito humano com a verdade, ideia que está longe de ser absurda e que encontramos já em Aristóteles e, posteriormente, no filósofo americano Charles Sanders Peirce, entre vária outra gente.
O que vale para a leitura dos filósofos vale também, obviamente, para o comércio habitual entre humanos. Não se trata certamente aqui da suposição da verdade das doutrinas (ou de aspectos das doutrinas), mas da simples veracidade. Supomos naturalmente, salvo má-fé, veracidade nos outros, até quando não a desejamos supor (acontece) e mesmo que posteriormente venhamos a rever tal suposição. E com muita razão: sem essa suposição espontânea, por mais mitigada que seja, não havia vida em sociedade.
Há, no entanto, limites. A não ser que pratiquemos o ofício de historiador, não nos pomos facilmente no lugar de Hitler ou de Estaline, para dar exemplos próximos de nós. Um historiador tem de fazer isso, tem de se pôr no lugar do outro nesses casos. Nós não. Por isso, os historiadores adoptam um ponto de vista diferente do comum. Para o comum, e os filósofos fazem aqui integralmente parte do comum, Hitler ou Estaline não se tentam compreender: combatem-se. Hannah Arendt, que no entanto dedicou a sua vida a pensar o mal, ilustra muito bem essa posição, sob a sua forma mais radical: para ela, Hitler e Estaline eram pura e simplesmente pessoas sem biografia. O filósofo não sai da esfera do comum, por exemplo, na apreciação dos feitos do Estado Islâmico: não se consegue pôr no lugar do outro. O historiador sim. O historiador sai da esfera do comum, do habitual recurso ao bem e ao mal, que é o comum do comum.
Quando o lugar do outro nos é literalmente incompreensível, o exercício de o pensar, de tentar descobrir um acordo, uma comunhão, está à partida condenado ao fracasso. Ou melhor: ele só se pode efectuar de uma forma puramente técnica, através do princípio do pior. Leibniz percebeu isso também, embora sem se referir a formas do mal radical. O general que comanda um exército deve pensar o pior: deve pensar que o general que comanda o outro exército vai agir da forma mais competente e eficaz contra ele. O jogador de xadrez deve pensar que o seu adversário, depois dos gestos tipificados das aberturas, visa a sua destruição no tabuleiro. Uma das glórias maiores de Maquiavel foi precisamente ter levado esse tipo de pensamento às últimas consequências.
E isto é válido, é claro, na nossa vida comum, em que os dois sentidos de “pormo-nos no lugar do outro” (o positivo e o negativo, por assim dizer) convivem um com o outro. Quando a compreensão nos é impossível, quando a adopção dos conteúdos do pensamento dos outros se encontra fora das nossas possibilidades, resta-nos raciocinar de acordo com o princípio do pior, presumindo que o outro vai agir do modo mais eficaz para obter os seus fins. Sob formas certamente muito diferentes, Maquiavel e Leibniz estão cá para nos ajudar.
Paulo Tunhas
31/3/2016, 8:53
Observador
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