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O MAR QUE BATE NA AREIA E DESMAIA
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O MAR QUE BATE NA AREIA E DESMAIA
Precisamos de tempo para compreender a dimensão do que acontece no dia-a-dia. Precisamos de contrariar a ferocidade com que a avalanche de acontecimentos superam a importância das questões em debate. No espaço de uma semana, assistimos ao congresso do maior partido da oposição, sem oposição interna; ficámos a saber, pelo menos oficialmente, da evasão fiscal como prática corrente, levada a cabo por políticos e empresários e com a conivência de parte do mercado financeiro mundial, e alguns estados; derivámos daí para o futebol e as suas polémicas; caímos, com os safanões linguísticos de um ministro da cultura que passou a ex-ministro. E terminámos a semana sem ter uma única reflexão cuidada sobre nada disto, onde pelo meio mais um país, Angola, pediu um resgate ao FMI, e o presidente do Banco Central Europeu (BCE) foi insolitamente convidado do Conselho de Estado Português. O tempo, ou a falta dele, elimina-nos a consciência.
À medida que passam as horas, os dias, as semanas, os meses e os anos, envelhecemos com a nossa passagem por ele, o tempo. E a aceleração mediática que recorrentemente nos impele a uma nova e mais recente discussão, envelhece-lhos ainda mais. Arriscamo-nos a sofrer incondicionalmente do paradoxo moderno de Rei Lear, na peça homónima de William Shakespeare, cujo Bobo da Corte diz “ter ficado velho antes de ter ficado sábio”. Mais do que certezas absolutas, a consciência e a sabedoria ajuda-nos a apalpar e aceitar, quer as nossas limitações, quer as nossas diferenças. Mas isso, exige reflexão e dúvida.
Sobre o Congresso do PSD
Este congresso, que teve início na passada sexta-feira dia 1 de abril, foi marcado pela encenação de uma única personagem, a solo ou com figurantes, que dominou todos os pontos de ordem: Pedro Passos Coelho. Apesar disso, além do tom monocórdico, este voltou a insistir num discurso bipolar e antagónico, onde diz tudo e o seu contrário. Ao mesmo tempo que afirma a solidez da maioria parlamentar de apoio ao governo, afirmando não querer dialogar com a mesma, em qualquer ponto, e justificando todos os pontos do Orçamento de Estado de 2016, apresenta novas e sucessivas propostas de discussão acerca das reformas do estado; ao mesmo tempo que se afirma um partido e um líder social-democrata, parte das suas propostas baseiam-se no esvaziamento e privatização progressiva dos sectores sociais do Estado; apesar de reafirmar que graças à sua governação o país está hoje muitíssimo melhor e com muito boas perspetivas, este caminha para a desgraça inevitável; afirma-se como um polo negativo daquilo que é a atual maioria de Esquerda, mas rejeita qualquer visão ideologia nisso.
Comporta-se, contínua e infelizmente, como um adolescente e com um discurso de infantilidade, talvez a única coisa capaz de galvanizar a sua plateia, também ela, cada vez mais imatura. Um líder, e esta é também uma crítica a todos os outros (talvez com a rara exceção de Marcelo Rebelo de Sousa), deve procurar pontes de entendimento e moderação, e a criação de um discurso alternativo à polarização proposta pelos seus oponentes. Esse deve ser o seu traço diferenciador, a capacidade de ouvir e compreender, em vez de impor e brigar. Quando não ouvimos, e nos dividimos, só há uma hipótese e chama-se guerra civil... O maior líder da oposição não deve galvanizar pelo ódio, mas sim pela alternativa.
Pois, um PSD que não consegue perceber o que está e esteve mal na direção de Passos Coelho, Marco António Costa, Relvas, Rangel, Maria Luís Albuquerque e outros, sem arranjar alternativas internas - e já não falo externas - não é muito diferente, acho eu, de um PS traumatizado e incapaz de reconhecer os erros e méritos (e sim, também os houve) da liderança de José Sócrates. Há um elefante na sala, mas os congressos, em Portugal, não são, ou não costumam ser e servir para partir cristais. Funcionam como um grande espetáculo político (que já foi maior), mesmo quando começam no dia das mentiras, e quando o discurso mais importante é transmitido à hora da goela do Benfica-Braga.
Isto num país que tem a sexta pior qualidade de vida de toda a OCDE. Muito abaixo de Espanha (na média), empatado com a Hungria, e muito próximo do Brasil.
Panama Pappers e a Mossack Fonseca
Este foi o “escândalo” internacional que está, hipoteticamente, a marcar a atualidade. Ou não? Uma história contada através de um vazamento de dados da empresa de advogados Mossack Fonseca, sediada no Panamá, cuja especialidade é a criação de empresas de administração de offshore, em paraísos fiscais. Daí, resultou a investigação a cargo do “International Consortium of Investigative Journalists” (ICIJ), vários jornais e televisões, e um total de 370 jornalistas.
Esta investigação relata, em diversas plataformas, meios e artigos, como a nível mundial, diversos políticos ou empresários, ocultam fortunas ou as mobilizam e alocam para interesses obscuros ou ilegais: desde o financiamento de armamento, ao tráfico de drogas, à posterior lavagem de dinheiro. Mas será que, apesar da demissão do primeiro ministro da Islândia, e da polémica em torno do primeiro ministro de Inglaterra (cujo pai terá estado envolvido em alguns destes esquemas), será que isto é mesmo novidade? E, além disso, será que terá alguma consequência?
A verdade é que, apesar do volume de informação e documentos, esta não é a primeira vez que algo do género acontece. Já tivemos, recentemente, algumas histórias que revelaram vários abusos de poder económico ou militar como: os crimes de guerra no Iraque e Afeganistão; as divulgações acerca da espionagem massificada levada a cabo pelos EUA, feitas pelo ex-agente norte-americano Edward Snowden; a fuga de impostos e ocultação de fortunas reveladas pelo “Swiss Leaks”, através do banco “HSBC Private Bank”; ainda o caso que envolveu o atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, enquanto agente principal do caso “Luxemburgo Leaks”, onde, enquanto primeiro ministro do Luxemburgo, terá tido um papel ativo no incentivo a que grandes empresas multinacionais deslocassem as suas cedes fiscais para o país. Como resultado de todos os cassos, só temos duas condenações: dos denunciadores.
É de esperar, ainda assim, que este caso possa ter mais desenvolvimentos. Contudo, será difícil que existam grandes consequências que venham a ser retiradas daí. Sobretudo quando na verdade, mais do que os envolvidos neste caso, sabemos que 1/3 de toda a riqueza do mundo permanece “congelada” ou parada, em offshore’s legais. E a larga maioria pertence às maiores empresas do mundo, onde apenas 10 delas controlam a larga maioria de grandes marcas e empresas existentes.
Além disso, os 50 maiores bilionários do mundo são donos e detentores das empresas mais influentes em todos os sectores, cuja fortuna individual consegue superar o PIB de vários países, incluindo os EUA. O poder foi deslocalizado dos Estados, cuja principal função é a cobrança de impostos desde sempre, para quem tem o poder real e efetivo de controlar a ajustar a sua própria regulação.
João Soares e a Internet
Terminamos a semana com a demissão do Ministro da Cultura, cujas declarações no Facebook geraram uma espécie de “escândalo” nacional. A reação mediática ao comentário do ex-ministro João Soares, assemelham-se e muito, na exacerbação, na passionalidade e no tom, das suas próprias declarações. Comentou o próprio, acerca de depois cronistas que alegadamente o criticaram, sobre a hipótese de lhes dar “um par de bofetadas”, prometidas em 1999, umas “salutares bofetadas”. Seria irónico? É institucional? É grave, visto que se trata de um Ministro, e da área da Cultura? Mais do que tudo isso, creio que é cómico e por isso trágico.
Apesar de toda a polémica, as coisas devem ter uma importância relativa. Mas o mediatismo das redes sociais fazem com que, perante a fragilidade de um governo obrigado a manter a pose de estado, os comentários de um Ministro no Fecebook sejam o suficiente para o fazer cair. A formalidade, apesar de preciosa, não pode substituir a substância e o trabalho.
A comunicação mediada por dispositivos leva-nos, por vezes, a descuidar-nos na formalidade/informalidade com que comunicamos. E isto faz com que haja quem não tenha cuidado nenhum, ou quase nenhum, quando redige um e-mail, mensagem ou comentário, ou quando o faz num local de acesso público ou semipúblico, como num blogue ou no Facebook por exemplo. O que leva a muitas gafes, como foi este caso. Assim, precisamos de entender que, tal e qual como estar numa sala de aula é diferente de estar numa esplanada, também há uma diferença entre aquilo que é dito entre amigos num chat e o que é publicado para o mundo num blogue ou no mural do Facebook, por exemplo.
O que torna paradoxal ver como todos consideramos a nossa "mensagem" tão importante, partilhada em "redes sociais", nas quais estamos cada vez mais isolados, e cujos "feeds" são "alimentados"/atualizados a cada segundo, ininterruptamente, num movimento contínuo que potencia a efemeridade dos temas, e atomiza a atualidade das nossas apreensões, eliminando do quotidiano a palavra reflexiva, metafórica, capaz de ultrapassar o tempo... capaz de superar a nossa ontologia, que é condicionada pelo fim que encerra todos os nossos capítulos. Tudo desaparece, no espaço e no tempo, e nós com ele. E também esta mensagem... Tudo se torna concreto, eliminando a metáfora, a ironia, o sarcasmo. E se as “bofetadas” fossem (não são?) meramente metafóricas, como as de luva branca?
Agora, a noção de jornalismo de investigação ou "watchdog" em Portugal, deve ir além de vigiar contas de Facebook de políticos ou dirigentes desportivos, à procura de comentários queirosianos. Visto que já não é possível dizer se é isto que conduz à censura, despedimentos coletivos e à manipulação de informação, ou se é já o resultado disso.
Imagem © Alessandro Puccinelli, Seascapes winter 2015/16
João M. Pereirinha
Fotógrafo, escritor e poeta
8 Abril 2016 19:28
Tribuna Alentejo.pt
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