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25 DE ABRIL: A ideologia das conquistas de Abril
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25 DE ABRIL: A ideologia das conquistas de Abril
Em nome da salvaguarda das conquistas de Abril, pouco ou nada se reforma: o regime e o Estado Social estão cristalizados – para proveito de quem domina o Estado e benefício dos instalados no sistema.
25 de Abril de 2016. Um dia de celebração da liberdade política é, por definição, um dia bom. No entanto, tornou-se extenuante isto de, 42 anos após o “dia inicial inteiro e limpo” que inspirou Sophia, continuar a festejar-se a democracia debaixo do culto do passado. Seja nos termos do PCP e do BE que, com os olhos no PREC, lançam alertas contra a direita via reductio ad salazarum. Seja nos termos do actual PS que, de mão entrelaçada com os comunistas, tem exercido todos os esforços para repor o status quo e reverter reformas de PSD-CDS que o ameaçaram. O país anseia por um horizonte para olhar em frente. Mas, no jogo partidário, o futuro está no passado.
Grande parte desse mal está na “ideologia das conquistas de Abril”: a convicção imobilista segundo a qual tudo o que nos aproxima de 2016 deve ser travado por nos afastar de 1974 – ou seja, quem mexe estraga. É essa a base ideológica que, para cada mudança, logo antevê incómodos corporativos e detecta uma ameaça aos pilares democráticos. De tal modo que, em nome da ilusória salvaguarda das “conquistas de Abril”, tão pouco ou nada se reforma: as regras do regime e do Estado Social estão cristalizadas – para proveito de quem domina a máquina do Estado, para benefício de quem está dentro e instalado no sistema, e para prejuízo para quem está fora. Seja na segurança social, onde sem uma reforma estrutural não será possível manter o sistema sustentável para as actuais gerações. Seja no mercado trabalho, onde a inflexibilidade contratual dificulta, para as empresas, a contratação. Seja na absurda dívida pública gerada em ruinosas decisões políticas, que aos mais novos competirá pagar sob sufoco fiscal. Seja em tudo o resto – na educação, na justiça, na economia.
É fácil, como rotineiramente insistem os porta-vozes dos Capitães de Abril, apontar o dedo ao neoliberalismo dos mercados e à direita, culpando-os de todos os males do país – a começar pelos lamentos dos jovens que não vislumbram futuro na sua pátria. O problema é, contudo, bem mais profundo e antigo: esse futuro não se construiu, nem para jovens nem para velhos. Perdeu-se em cada reforma adiada, em cada debate político infrutífero, em cada bloqueio à mudança, em cada reversão de medidas que desbravaram caminho. Entre dezenas de documentos estratégicos, políticos e académicos, o país soube sempre o que tinha de ser feito, mas quase sempre escolheu apenas fazer o que garantia votos e popularidade – perpetuando a dependência da economia e da sociedade no Estado.
Paralelamente aos Capitães de Abril, seria igualmente fácil responsabilizar em exclusivo a esquerda partidária por este atraso suportado pela “ideologia das conquistas de Abril”. Mas, em 40 anos de democracia, assim governou a esquerda e assim governou a direita – as distinções são pontuais e de grau. De facto, a questão é mesmo de uma simplicidade constrangedora: gerações atrás de gerações, os nossos representantes políticos não se conseguiram libertar de uma mesma forma de fazer política – a de se encostarem ao Estado.
Em 1994, o jornalista Vicente Jorge Silva baptizou a expressão “geração rasca”, a propósito dos protestos estudantis contra as provas globais no secundário. É, claro, sempre injusto avaliar gerações por inteiro. Mas, no que à política diz respeito, a acusação provou-se certeira. Hoje, com 40 (ou mais) anos de idade, essa geração compõe o núcleo da classe partidária e sabemo-la “rasca” porque a vemos retomar os vícios da geração anterior – tão ou mais “rasca” –, que montou no Estado redes de corrupção, que viveu dos facilitismos e dos compadrios que conduziram ao descalabro do BES, que arrumou o mérito em passagens administrativas, ou que converteu a mesa do Orçamento de Estado na base dos seus negócios, através de participações em empresas públicas. E é assim, de geração rasca em geração rasca, que chegámos onde estamos – com os mesmos problemas por resolver desde há 20 anos.
Celebrar “as conquistas de Abril” não deve, pois, ser um mero exercício nostálgico. Deve, sobretudo, ser um manifesto de exigência política: contra o atraso do nosso desenvolvimento e a favor das reformas que as “gerações rasca” nos têm negado.
Alexandre Homem Cristo
25/4/2016, 6:53
Observador
25 de Abril de 2016. Um dia de celebração da liberdade política é, por definição, um dia bom. No entanto, tornou-se extenuante isto de, 42 anos após o “dia inicial inteiro e limpo” que inspirou Sophia, continuar a festejar-se a democracia debaixo do culto do passado. Seja nos termos do PCP e do BE que, com os olhos no PREC, lançam alertas contra a direita via reductio ad salazarum. Seja nos termos do actual PS que, de mão entrelaçada com os comunistas, tem exercido todos os esforços para repor o status quo e reverter reformas de PSD-CDS que o ameaçaram. O país anseia por um horizonte para olhar em frente. Mas, no jogo partidário, o futuro está no passado.
Grande parte desse mal está na “ideologia das conquistas de Abril”: a convicção imobilista segundo a qual tudo o que nos aproxima de 2016 deve ser travado por nos afastar de 1974 – ou seja, quem mexe estraga. É essa a base ideológica que, para cada mudança, logo antevê incómodos corporativos e detecta uma ameaça aos pilares democráticos. De tal modo que, em nome da ilusória salvaguarda das “conquistas de Abril”, tão pouco ou nada se reforma: as regras do regime e do Estado Social estão cristalizadas – para proveito de quem domina a máquina do Estado, para benefício de quem está dentro e instalado no sistema, e para prejuízo para quem está fora. Seja na segurança social, onde sem uma reforma estrutural não será possível manter o sistema sustentável para as actuais gerações. Seja no mercado trabalho, onde a inflexibilidade contratual dificulta, para as empresas, a contratação. Seja na absurda dívida pública gerada em ruinosas decisões políticas, que aos mais novos competirá pagar sob sufoco fiscal. Seja em tudo o resto – na educação, na justiça, na economia.
É fácil, como rotineiramente insistem os porta-vozes dos Capitães de Abril, apontar o dedo ao neoliberalismo dos mercados e à direita, culpando-os de todos os males do país – a começar pelos lamentos dos jovens que não vislumbram futuro na sua pátria. O problema é, contudo, bem mais profundo e antigo: esse futuro não se construiu, nem para jovens nem para velhos. Perdeu-se em cada reforma adiada, em cada debate político infrutífero, em cada bloqueio à mudança, em cada reversão de medidas que desbravaram caminho. Entre dezenas de documentos estratégicos, políticos e académicos, o país soube sempre o que tinha de ser feito, mas quase sempre escolheu apenas fazer o que garantia votos e popularidade – perpetuando a dependência da economia e da sociedade no Estado.
Paralelamente aos Capitães de Abril, seria igualmente fácil responsabilizar em exclusivo a esquerda partidária por este atraso suportado pela “ideologia das conquistas de Abril”. Mas, em 40 anos de democracia, assim governou a esquerda e assim governou a direita – as distinções são pontuais e de grau. De facto, a questão é mesmo de uma simplicidade constrangedora: gerações atrás de gerações, os nossos representantes políticos não se conseguiram libertar de uma mesma forma de fazer política – a de se encostarem ao Estado.
Em 1994, o jornalista Vicente Jorge Silva baptizou a expressão “geração rasca”, a propósito dos protestos estudantis contra as provas globais no secundário. É, claro, sempre injusto avaliar gerações por inteiro. Mas, no que à política diz respeito, a acusação provou-se certeira. Hoje, com 40 (ou mais) anos de idade, essa geração compõe o núcleo da classe partidária e sabemo-la “rasca” porque a vemos retomar os vícios da geração anterior – tão ou mais “rasca” –, que montou no Estado redes de corrupção, que viveu dos facilitismos e dos compadrios que conduziram ao descalabro do BES, que arrumou o mérito em passagens administrativas, ou que converteu a mesa do Orçamento de Estado na base dos seus negócios, através de participações em empresas públicas. E é assim, de geração rasca em geração rasca, que chegámos onde estamos – com os mesmos problemas por resolver desde há 20 anos.
Celebrar “as conquistas de Abril” não deve, pois, ser um mero exercício nostálgico. Deve, sobretudo, ser um manifesto de exigência política: contra o atraso do nosso desenvolvimento e a favor das reformas que as “gerações rasca” nos têm negado.
Alexandre Homem Cristo
25/4/2016, 6:53
Observador
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