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Como pertencemos a um lugar
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Como pertencemos a um lugar
É o próprio Apichatpong Weerasethakul que nos chama a atenção para o facto de cada filme seu começar "com um lugar". Podemos mesmo extrapolar e considerar que este cineasta tailandês de tantas histórias assombradas por fantasmas só o é porque, à sua maneira, nunca deixa de se comportar como um documentarista.
No seu título mais recente, Cemitério do Esplendor, agora estreado entre nós, a sensação do lugar - um hospital que trata de soldados feridos em combates nunca explicitados - é tanto mais importante quanto há nele uma sedução material que nos faz pressentir as memórias de um tempo outro, em que a natureza possuía qualquer coisa de redentor e apaziguador.
Há mesmo em Cemitério do Esplendor uma cena admirável em que somos convidados a partilhar uma invisibilidade que nos permite reconhecer os limites do próprio quotidiano: duas mulheres deambulam pelo meio das árvores, relembrando e, por assim dizer, reconstituindo através da fala o deslumbramento passado (palácios, etc.) do espaço que atravessam. Ironia visceral, sem dúvida, quanto mais não seja porque nos ensinaram a acreditar que o cinema é "apenas" uma arte do visível.
Sublinhar a importância desta teia de muitas ambivalências (figurativas e existenciais) não é uma banal valorização das experiências formais de um autor. Mesmo nos seus momentos mais enigmáticos, porventura indecifráveis para os olhares ocidentais, Weerasethakul é um criador que nos ajuda a resistir ao "naturalismo" de uma cultura televisiva que encara o registo dos lugares como uma mera reprodução - observe-se o simplismo dos repórteres que apontam o dedo para um lugar ou uma imagem, como se "mostrar" nos libertasse de qualquer responsabilidade formal e narrativa.
Descobrir um filme como Cemitério do Esplendor envolve, assim, um paradoxo tão antigo como o próprio cinema: por um lado, somos convocados para um labirinto de factos e referências estranhos à nossa cultura; por outro lado, o reconhecimento dessa estranheza não nos repele, podendo conduzir-nos a sensações e ideias de contagiante universalidade - afinal, todos pertencemos a algum lugar.
Internacionalizado através do filme com que venceu o Festival de Cannes - O Tio Boonmee Que se Lembra das Suas Vidas Anteriores (2012) -, eis um cineasta que, muito para além das singularidades históricas e culturais do seu trabalho, se inscreve numa linha de pensamento hoje em dia transversal ao mundo do cinema.
Desde o iraniano Abbas Kiarostami (que, aliás, Weerasethakul aponta como um dos contemporâneos que mais admira) até ao americano Jeff Nichols (autor de Procurem Abrigo, outro filme sobre a perda de nitidez do mundo material), há muitos realizadores a contar histórias que, afinal, envolvem sempre o retorno a uma interrogação muito básica: o que significa apropriarmo-nos dos sinais do mundo à nossa volta e... contar uma história?
01 DE MAIO DE 2016
00:01
João Lopes
Diário de Notícias
No seu título mais recente, Cemitério do Esplendor, agora estreado entre nós, a sensação do lugar - um hospital que trata de soldados feridos em combates nunca explicitados - é tanto mais importante quanto há nele uma sedução material que nos faz pressentir as memórias de um tempo outro, em que a natureza possuía qualquer coisa de redentor e apaziguador.
Há mesmo em Cemitério do Esplendor uma cena admirável em que somos convidados a partilhar uma invisibilidade que nos permite reconhecer os limites do próprio quotidiano: duas mulheres deambulam pelo meio das árvores, relembrando e, por assim dizer, reconstituindo através da fala o deslumbramento passado (palácios, etc.) do espaço que atravessam. Ironia visceral, sem dúvida, quanto mais não seja porque nos ensinaram a acreditar que o cinema é "apenas" uma arte do visível.
Sublinhar a importância desta teia de muitas ambivalências (figurativas e existenciais) não é uma banal valorização das experiências formais de um autor. Mesmo nos seus momentos mais enigmáticos, porventura indecifráveis para os olhares ocidentais, Weerasethakul é um criador que nos ajuda a resistir ao "naturalismo" de uma cultura televisiva que encara o registo dos lugares como uma mera reprodução - observe-se o simplismo dos repórteres que apontam o dedo para um lugar ou uma imagem, como se "mostrar" nos libertasse de qualquer responsabilidade formal e narrativa.
Descobrir um filme como Cemitério do Esplendor envolve, assim, um paradoxo tão antigo como o próprio cinema: por um lado, somos convocados para um labirinto de factos e referências estranhos à nossa cultura; por outro lado, o reconhecimento dessa estranheza não nos repele, podendo conduzir-nos a sensações e ideias de contagiante universalidade - afinal, todos pertencemos a algum lugar.
Internacionalizado através do filme com que venceu o Festival de Cannes - O Tio Boonmee Que se Lembra das Suas Vidas Anteriores (2012) -, eis um cineasta que, muito para além das singularidades históricas e culturais do seu trabalho, se inscreve numa linha de pensamento hoje em dia transversal ao mundo do cinema.
Desde o iraniano Abbas Kiarostami (que, aliás, Weerasethakul aponta como um dos contemporâneos que mais admira) até ao americano Jeff Nichols (autor de Procurem Abrigo, outro filme sobre a perda de nitidez do mundo material), há muitos realizadores a contar histórias que, afinal, envolvem sempre o retorno a uma interrogação muito básica: o que significa apropriarmo-nos dos sinais do mundo à nossa volta e... contar uma história?
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