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Mensagem por Admin Qui maio 12, 2016 10:23 am

Estive em Guimarães nesta segunda-feira, na Escola Secundária de Caldas das Taipas, a convite do meu amigo Amadeu Faria, professor naquela escola pública, para falar sobre um tema que hoje se tornou particularmente inquietante - "Interculturalidade e mobilidade no espaço europeu". Só me apercebi de que o tema que me foi proposto - e que aceitei prontamente - resultava de velhas cumplicidades com o meu anfitrião, quando o meu amigo me recordou do que eu tinha dito, no mesmo local, em 2012 - numa edição anterior deste ciclo de seminários - acerca da "invenção" perversa das "dívidas soberanas" e da traição assim consumada ao projeto europeu a que aderimos com entusiasmo em 1985, confiantes nos valores da democracia, da liberdade, da justiça, da paz e da solidariedade entre os povos, valores de que a Europa se reclamava, então, supremo garante.

Conheci o Amadeu Faria no MASP - a campanha épica da primeira candidatura de Mário Soares à Presidência da República - nos finais de 1985. Segundo as sondagens, apenas 7% do total dos eleitores acreditavam que Mário Soares podia ganhar as eleições presidenciais. Era, então, o Amadeu Faria um jovem estudante de História (a quem nunca dei aulas) e era eu um jovem assistente de Direito Constitucional, na Universidade do Minho. Aí nasceu uma grande amizade, alimentada não tanto pela frequência do convívio como pela persistente sintonia perante as grandes inquietações do nosso tempo, espectadores e testemunhas atentas - que temos sido! - do desenrolar da história do Mundo, sem nunca admitir, como opção, a renúncia aos deveres da participação cívica.

O auditório que me aguardava na Escola Secundária de Caldas das Taipas era constituído por alunos do 10.º ao 12º anos e dos cursos profissionais, jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 17 anos. Nasceram com o terceiro milénio. Não viveram a opressão da ditadura salazarista nem o entusiasmo da libertação de Abril. Ainda não eram nascidos quando caiu, finalmente, o Muro de Berlim nem acalentaram as esperanças efémeras que irromperam com o fim da Guerra Fria. Não presenciaram os atentados contra as torres gémeas, em Nova Iorque, e até a invasão do Iraque não será para os jovens nascidos no princípio deste século, mais do que uma memória confusa de remotas conversas familiares.

Como explicar à nova geração que esta mesma Europa que agora parece indiferente perante a tragédia dos refugiados, onde a extrema-direita racista e xenófoba explora o medo e a insegurança das populações e condiciona a ação dos governos, procurando transformar o "estado de exceção" em normalidade constitucional, já conheceu melhores tempos? Tempos em que os imigrantes eram vistos como agentes de desenvolvimento e a diversidade étnica e cultural nas cidades europeias era apreciada como um indicador de progresso e cosmopolitismo. Que este afluxo avassalador de populações que fogem à guerra e ficam miseravelmente acantonadas junto às fronteiras externas da União foi, em primeiro lugar, provocado pelas guerras em que os estados europeus se envolveram levados pelas motivações mais espúrias. Mas que, paradoxalmente, se a Europa permanece como um destino de eleição para os refugiados e desvalidos dos outros continentes, isso deve-se ao prestígio adquirido num passado ainda recente, em que orgulhosamente se afirmava perante o Mundo como um espaço de solidariedade, de paz, prosperidade, tolerância e respeito pelos direitos humanos.

E são estes os princípios e os valores que precisamos, absolutamente, de transmitir às próximas gerações, contrariando a incerteza e o ceticismo sufocante que marcam estes tempos ingratos. Pela nossa própria experiência, conhecemos muito bem a sua importância, o seu significado, a sua extrema vulnerabilidade. E sabemos também que estes princípios e valores não irão sobreviver se não soubermos passar testemunho aos filhos do milénio.

PEDRO CARLOS BACELAR DE VASCONCELOS
12 Maio 2016 às 00:00
Jornal de Notícias
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