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O próximo risco moral da Europa
Olhar Sines no Futuro :: Categoria :: Mundo :: Europa
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O próximo risco moral da Europa
HANS-WERNER SINN
Até agora, a crise do euro já passou por seis fases. Vale a pena recordá-las, porque mostram como os decisores políticos foram tropeçando ao longo deste processo, tentando apagar fogos sem saber para onde estavam a caminhar.
Actualmente, os mercados estão calmos mas isto é apenas o início da sétima fase desta crise, durante a qual a Europa vai ficar atolada em dívida. Até agora, a sequência tem sido a seguinte:
1. O colapso, em 2007, da bolha de crédito provocada pela introdução do euro
2. A dependência dos países do sul da Zona Euro das impressoras de moeda como substituto do financiamento privado internacional, uma opção possível devido à queda drástica das exigências de qualidade nos colaterais exigidos para refinanciamento do crédito concedido às instituições financeiras pelos bancos centrais nacionais da Zona Euro.
3. A compra de dívida pública por parte do Banco Central Europeu através do Securities Markets Program, criado, precisamente, para manter o valor destes colaterais.
4. Os mecanismos de resgate orçamental criados para salvar os países em dificuldades e o BCE.
5. A promessa do BCE de comprar quantidades ilimitadas de dívida pública no âmbito do programa de "outright monetary transactions" (OMT), destinado a fomentar a entrada de fluxos de capital no sul da Europa, tendo em conta que as medidas de resgate orçamental eram consideradas insuficientes e demasiado restritivas em termos de políticas.
6. A limitação da responsabilidade dos credores e dos investidores a uns meros 8% do total do balanço dos bancos num contexto de uma nova união bancária na Europa – uma medida que visa assegurar mais financiamento privado internacional aos bancos em dificuldades.
A sétima fase da crise envolve um maior risco moral, devido à acumulação de dívida. Com os riscos de investimento largamente colectivizados pelas medidas de resgate instituídas pelo Banco Central Europeu e pelos governos da Zona Euro, os investidores estão, mais uma vez, a aceitar taxas de juro mais baixas e os detentores de dívida estão a procurar novas oportunidades.
Em 2011, foi aprovado o chamado Tratado Orçamental para evitar, precisamente, este tipo de situações. O tratado, assinado por todos os Estados-membros da União Europeia à excepção do Reino Unido e da República Checa, obriga os Governos a reduzir, anualmente, o seu rácio da dívida ao ritmo de um vigésimo da diferença entre o seu valor actual e o limite de 60% estabelecido no Tratado de Maastricht. No entanto, as excepções previstas no Tratado removem, na prática, esta exigência.
Se o Tratado já estivesse a ser aplicado, Itália teria que ter reduzido o seu rácio da dívida de 121% do PIB em 2011 para 112% em 2014. Em vez disso, o rácio da dívida de Itália disparou, e a Comissão Europeia prevê que este atinja 134% do PIB no final deste ano.
Da mesma forma, o rácio da dívida de Espanha deveria ter caído de 71% para 69% mas vai, provavelmente, aumentar para 99%. O rácio da dívida grego vai subir de 170% para 177%, o de Portugal vai aumentar de 108% para 127% e o de França vai crescer de 86% para 96%. Mas, em vez de admitiram o seu fracasso, estes Governos vão agora passar à ofensiva e rejeitar, categoricamente, a austeridade.
O novo primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, chegou ao poder com este programa. O primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, está a tentar combater o seu rival de esquerda, Alexis Tsipras, com a mesma estratégia. Em Portugal, o Tribunal Constitucional frustrou os esforços de consolidação orçamental. E em França, o novo primeiro-ministro, Manuel Valls, está, também, contra a austeridade. Supostamente, todos querem mais crescimento. Infelizmente, quando os políticos falam de crescimento, querem, na verdade, dizer que deviam poder contrair mais dívida pública.
Um aumento da dívida pública provoca, no curto prazo, uma subida da procura, o que, por sua vez, eleva o nível de utilização da capacidade produtiva e trava o crescimento do desemprego. No entanto, nova dívida não é mais do que uma droga, que reduz a pressão para tomar medidas dolorosas que melhorariam a competitividade e a capacidade de crescimento.
Este novo abandono da disciplina da dívida reflecte a socialização (através da criação de mecanismos de responsabilidade conjunta) de potenciais custos relacionados com a falência de um Estado-membro da Zona Euro. Foi esta mutualização da dívida que levou os credores a aceitarem taxas de juro mais baixas. E são apenas as baixas taxas de juro que permitiram a Renzi, Samaras, Valls e outros dirigentes políticos a distanciarem-se das políticas de austeridade.
Não há nada de surpreendente nesta atitude: quando um decisor político pode reclamar os benefícios de uma política e colectivizar os custos, irá aplicar essa política mais cedo, mais rápido e de forma mais abrangente do que aplicaria se tivesse que suportar todos os custos sozinho. O que é surpreendente é a naturalidade com que os transgressores conseguem envolver-se no manto de um novo avanço social.
Para perceber quão perigoso – e, na verdade, insustentável – se tornou o caminho da Zona Euro basta olhar para os Estados Unidos. Quando um dos Estados acumula demasiada dívida, os credores ficam nervosos e são aplicadas medidas de austeridade para evitar o risco de falência – como aconteceu nos últimos anos na Califórnia, Illinois e Minnesota.
Mas isto ocorre quando o rácio da dívida ainda é mínimo e, claramente, inferior a 10% do PIB, porque os credores sabem que ninguém vai estar lá para os ajudar. A Reserva Federal dos Estados Unidos não vai comprar as suas obrigações e as autoridades federais não vão emitir garantias.
Na Europa, pelo contrário, o acesso fácil às impressoras de moeda antes e depois da fundação do BCE, juntamente com os novos mecanismos de resgates orçamentais, permitem que os investidores só comecem a ficar nervosos quando os rácios de dívida atingem níveis 10 a 20 vezes superiores. Como resultado, os níveis de dívida aumentam até saírem de controlo.
A estrutura de resgate criada nos últimos dois anos aumentou o limite crítico a partir do qual os credores ficam inquietos. Com isto, teremos uns anos de calma enquanto aumentam os níveis de dívida. Depois a tempestade voltará, e afectará os cidadãos comuns, enquanto os líderes de hoje permanecem abrigados e a receber pensões.
Hans-Werner Sinn é professor de Economia e Finanças Públicas na Universidade de Munique e presidente do Instituto Ifo.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
Tradução: Ana Luísa Marques
15 Maio 2014, 20:37 por Hans-Werner Sinn
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