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Economia e castigo
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Economia e castigo
Entre 1986 e 2016 vai muito tempo. Num país em que o comentário a quente prolifera mas a análise a frio escasseia, numa sociedade em que as discussões em cima do assunto são a norma mas o debate racional a exceção contributos como os do livro “Crise e Castigo: Os Desequilíbrios e o Resgate da Economia Portuguesa” (recentemente publicado pela FMS) são muito bem-vindos.
Trata-se aqui de um trabalho desenvolvido por três professores de economia da Universidade do Minho, uma equipa com diversidade de perspetivas políticas, experiência governativa e internacional: Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação.
E, então, que nos dizem estes observadores privilegiados da realidade económica portuguesa?
Gostaria de destacar alguns traços desta obra, que é de grande qualidade, apresentando também sempre que oportuno algumas qualificações ou interpretações alternativas.
E A FINANÇA-LEVIATÃ?
Começam os autores por notar que a primeira fase da integração de Portugal na UE foi um aparente sucesso. Dois sectores cresceram até ao virar do século: “O Estado tornou-se omnipresente, chamamos-lhe por isso Estado Leviatã, tendo sido o principal motor da mudança da economia e da sociedade.”; Mas, acrescentam, “Com o Estado cresceu também o sector financeiro… o crédito bancário concentrou-se nos sectores não transacionáveis”. (página 26 da edição eletrónica do livro)
Assim, Portugal entrou nos anos 2000 com uma economia com um “monstro insaciável” chamado Estado, com um consumo alimentado a endividamento, e com um peso desmesurado de um sector empresarial dedicado à extração de valor no mercado interno.
Citando um artigo de 1988 de Vasco Pulido Valente assinalam que “o Estado preenche, ou tenta preencher, a diferença entre as expectativas dos portugueses e a pobreza do país” (pg. 46). O resultado é a acumulação de défices e o engrossar da dívida.
Por meu lado, embora os factos avançados pelos autores sigam uma cadeia lógica, limitar-me-ia neste momento a fazer notar alguma discrepância de ênfase.
Em primeiro lugar, numa “sociedade aberta” nem todas as expectativas têm origem no tal Estado (ou nos políticos, nos governos, nas agências públicas). Também Bruxelas vendeu o sonho europeu e também a sofisticação da gestão empresarial em Portugal acicatou o consumismo num país de baixa literacia financeira.
Em segundo lugar, se também houve uma modernização (Europeização?) do país, certamente que o papel do Estado teve aspetos positivos (até mesmo muito positivos: “importantes progressos”, pg. 46). Os próprios autores consideram que o Estado terá sido uma alavanca de transformação socioeconómica.
Em terceiro lugar, e objeção talvez mais importante à apreciação das causas da crise, seria preciso também não desviar as atenções da “Finança Leviatã” (a expressão é minha). Ou seja, onde há procura de crédito há o fornecimento do mesmo, recorrendo cada vez a importações da dita matéria-prima. Endividamento excessivo corresponde a empréstimos feitos acima da racionalidade económica dos próprios bancos comerciais assentes em Portugal (cada vez mais privados, desregulados e de livre iniciativa como recomendariam os manuais). Seria interessante, por exemplo, ver os autores a dedicarem tanto espaço ao sector financeiro como deram sector público
A INSUSTENTABILIDADE DA DÍVIDA
O livro de Fernando Alexandre e seus colegas assinala, e com razão, os elevados cargos financeiros com a carteira empresarial do Estado. Este tem sido um tema muito pouco escrutinado (pg. 60). O livro também refere as excessivas rendibilidades, algumas acima de 15%, das PPP (pg. 62). E põe na mira o desequilíbrio externo do país, que acelerou a partir da viragem do século (menos poupança, menos sucesso comercial).
As políticas do Estado, a atrofia da economia transacionável e o endividamento foram, para os autores, a causa do resgate (pg. 79). Aqui estes economistas distinguem-se de outros que têm colocado a principal causa na arquitetura do euro, argumentando que similares debilidades teriam persistido com moeda própria.
As causas da “longa estagnação” (“a mais longa paragem dos últimos 100 anos”, pg. 82) da economia portuguesa após o ano 2000 não sejam óbvias (pg. 81). Contudo, este é um importante debate para o futuro e este contributo é importante.
DURÃO CHAMADO À RECEÇÃO
O prefácio cabe a José Manuel (Durão) Barroso, que sobretudo escreve na perspetiva de ex-decisor da Comissão Europeia. E Barroso agarra a oportunidade, assinando quase 10% do total de páginas do conteúdo do presente volume. Diz ainda que fará a sua própria interpretação do caminho de Portugal até ao resgate. Faz questão de dizer que nem sempre entende os economistas (dando exemplos interessantes da sua vivência em Bruxelas) e também que nem sempre concorda com a visão constante deste livro (embora não especifique).
Nas suas palavras: “Trata-se de uma análise de uma análise fundamentada, …, com equilíbrio e com a distância que o tempo vai permitindo…”. É um convite justo à leitura.
Sandro Mendonça
26.05.2016 às 7h00
Expresso
Trata-se aqui de um trabalho desenvolvido por três professores de economia da Universidade do Minho, uma equipa com diversidade de perspetivas políticas, experiência governativa e internacional: Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação.
E, então, que nos dizem estes observadores privilegiados da realidade económica portuguesa?
Gostaria de destacar alguns traços desta obra, que é de grande qualidade, apresentando também sempre que oportuno algumas qualificações ou interpretações alternativas.
E A FINANÇA-LEVIATÃ?
Começam os autores por notar que a primeira fase da integração de Portugal na UE foi um aparente sucesso. Dois sectores cresceram até ao virar do século: “O Estado tornou-se omnipresente, chamamos-lhe por isso Estado Leviatã, tendo sido o principal motor da mudança da economia e da sociedade.”; Mas, acrescentam, “Com o Estado cresceu também o sector financeiro… o crédito bancário concentrou-se nos sectores não transacionáveis”. (página 26 da edição eletrónica do livro)
Assim, Portugal entrou nos anos 2000 com uma economia com um “monstro insaciável” chamado Estado, com um consumo alimentado a endividamento, e com um peso desmesurado de um sector empresarial dedicado à extração de valor no mercado interno.
Citando um artigo de 1988 de Vasco Pulido Valente assinalam que “o Estado preenche, ou tenta preencher, a diferença entre as expectativas dos portugueses e a pobreza do país” (pg. 46). O resultado é a acumulação de défices e o engrossar da dívida.
Por meu lado, embora os factos avançados pelos autores sigam uma cadeia lógica, limitar-me-ia neste momento a fazer notar alguma discrepância de ênfase.
Em primeiro lugar, numa “sociedade aberta” nem todas as expectativas têm origem no tal Estado (ou nos políticos, nos governos, nas agências públicas). Também Bruxelas vendeu o sonho europeu e também a sofisticação da gestão empresarial em Portugal acicatou o consumismo num país de baixa literacia financeira.
Em segundo lugar, se também houve uma modernização (Europeização?) do país, certamente que o papel do Estado teve aspetos positivos (até mesmo muito positivos: “importantes progressos”, pg. 46). Os próprios autores consideram que o Estado terá sido uma alavanca de transformação socioeconómica.
Em terceiro lugar, e objeção talvez mais importante à apreciação das causas da crise, seria preciso também não desviar as atenções da “Finança Leviatã” (a expressão é minha). Ou seja, onde há procura de crédito há o fornecimento do mesmo, recorrendo cada vez a importações da dita matéria-prima. Endividamento excessivo corresponde a empréstimos feitos acima da racionalidade económica dos próprios bancos comerciais assentes em Portugal (cada vez mais privados, desregulados e de livre iniciativa como recomendariam os manuais). Seria interessante, por exemplo, ver os autores a dedicarem tanto espaço ao sector financeiro como deram sector público
A INSUSTENTABILIDADE DA DÍVIDA
O livro de Fernando Alexandre e seus colegas assinala, e com razão, os elevados cargos financeiros com a carteira empresarial do Estado. Este tem sido um tema muito pouco escrutinado (pg. 60). O livro também refere as excessivas rendibilidades, algumas acima de 15%, das PPP (pg. 62). E põe na mira o desequilíbrio externo do país, que acelerou a partir da viragem do século (menos poupança, menos sucesso comercial).
As políticas do Estado, a atrofia da economia transacionável e o endividamento foram, para os autores, a causa do resgate (pg. 79). Aqui estes economistas distinguem-se de outros que têm colocado a principal causa na arquitetura do euro, argumentando que similares debilidades teriam persistido com moeda própria.
As causas da “longa estagnação” (“a mais longa paragem dos últimos 100 anos”, pg. 82) da economia portuguesa após o ano 2000 não sejam óbvias (pg. 81). Contudo, este é um importante debate para o futuro e este contributo é importante.
DURÃO CHAMADO À RECEÇÃO
O prefácio cabe a José Manuel (Durão) Barroso, que sobretudo escreve na perspetiva de ex-decisor da Comissão Europeia. E Barroso agarra a oportunidade, assinando quase 10% do total de páginas do conteúdo do presente volume. Diz ainda que fará a sua própria interpretação do caminho de Portugal até ao resgate. Faz questão de dizer que nem sempre entende os economistas (dando exemplos interessantes da sua vivência em Bruxelas) e também que nem sempre concorda com a visão constante deste livro (embora não especifique).
Nas suas palavras: “Trata-se de uma análise de uma análise fundamentada, …, com equilíbrio e com a distância que o tempo vai permitindo…”. É um convite justo à leitura.
Sandro Mendonça
26.05.2016 às 7h00
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