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Costa e castigo
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Costa e castigo
Não era difícil prever o desastre que é António Costa. Os primeiros indícios chegaram com o culto da "inteligência" caseira, que se destaca pela portentosa falta da dita e atabalhoadamente tentou converter um amorfo funcionário do PS no D. Sebastião de 2014. Os sinais acentuaram-se durante o combate contra Seguro, raro momento em que, por comparação, este se assemelhou a um estadista promissor ou, vá lá, a um ser vivo. Chegado à liderança do partido, o dr. Costa continuou a provar com espantosa frequência que a inabilidade na gestão de uma autarquia não basta para governar um país. Não era difícil prever o desastre: difícil era adivinhar a respectiva dimensão.
Comentadores magnânimos atribuem o fiasco a factores externos, da prisão de Sócrates ao advento do Syriza. Na sua generosidade, esquecem-se de acrescentar que, sozinha, a brutal inépcia do dr. Costa, que possui a firmeza da esparguete cozida, transformou cada eventual obstáculo numa cordilheira inultrapassável.
Sobre Sócrates, o dr. Costa começou tipicamente por avaliar mal o "sentimento" popular e defender com tremeliques de orgulho as proezas do preso 44 enquanto primeiro-ministro. Uma bela manhã até desceu a Évora. Meses depois, numa exibição de objectividade sem precedentes, o dr. Costa criticou um governo de que ele próprio fez parte e jurou, sem jurar, não repetir a excursão alentejana.
Sobre o Syriza, o dr. Costa já disse tudo e o seu oposto, de acordo com o que tomou pelo clima do momento. Qualquer hipotético avanço dos maluquinhos que fingem mandar na Grécia tinha o dr. Costa, dez minutos decorridos, a erguê-los ao estatuto de farol da Europa. Em vinte minutos, os avanços recuavam estrategicamente e a apreciação do dr. Costa também: uma ocasião, apelidou o Syriza de "tonto". Mas isso foi antes do referendo, em que o Syriza voltou a ser sublime. E o referendo foi antes do acordo, em que o glamour do Syriza regressou a níveis da peste bubónica.
Nos intervalos dos Grandes Temas, o dr. Costa desdobrou-se a opinar acerca de temas minúsculos, naquele português de causar inveja a Jorge Jesus e sempre no lado errado do discernimento: o "investimento" público (promete muito), a austeridade (é uma péssima opção), a autonomia dos autarcas (quer reforçá-la), a "lusofonia" (acha-a linda). Nos intervalos dos intervalos, passeou o currículo democrático e arranjou uma guerra interna com as "bases" do PS, que consultaram as sondagens e desataram a questionar a infalibilidade do chefe. As cambalhotas em volta dos (inacreditáveis) candidatos presidenciais não ajudaram. Nem os abraços aos socialistas franceses que, afinal, conspiram para varrer Portugal do euro. Nem nada.
Resta apurar se a tendência para a calamidade é involuntária ou propositada. A verdade é que o dr. Costa conseguiu, em pouco tempo, renovar as esperanças eleitorais da coligação no poder. Um tiro no pé do Governo é invariavelmente seguido por uma explosão auto-infligida no porta-aviões do PS. Se o PS perder as eleições, o mérito será inteirinho do dr. Costa. Se ganhar, é Portugal que não merece melhor. E pior parece impossível.
Terça-feira, 21 de Julho
Portugueses desde pequeninos
Permitam-me uma declaração de interesses ou, melhor dizendo, de completo desinteresse: não consigo imaginar porque é que alguém publica fotografias dos filhos no Facebook. Nenhuma criatura razoavelmente saudável está interessada na fisionomia dos rebentos alheios. Ninguém, salvo eventuais maluquinhos, sente curiosidade por retratos de crianças a tentarem uma pose "gira" ou a enfardarem um Cornetto. E só um caso perdido apreciaria acompanhar reportagens informais e ilustradas sobre as aulas de bailado de petizes que mal conhece ou desconhece de todo. Quem disser o contrário é mentiroso e, até pelos padrões do Facebook, falso amigo.
Dito isto, custa perceber a recente decisão dos tribunais de Setúbal e Évora, que proibiram um casal de exibir a filha nas "redes sociais". As razões avançadas foram sobretudo duas. A primeira prende-se com a ameaça de "predadores e pedófilos", os quais pelos vistos usam as ditas "redes" para descobrir que uma criança existe e espantosamente possui um par de olhos e um nariz.
A segunda razão é um primor: "os filhos não são coisas ou objetos pertencentes aos pais e de que estes podem dispor a seu belo [sic] prazer". No acórdão, fica lindo. No mundo real, fica a dúvida: os pais mandam ou não mandam nos filhos? Têm ou não têm legitimidade para obrigá-los a estudar ou a comer a sopa? Falta muito para as autoridades reservarem para si os encantos da amamentação? Goste-se ou não, a verdade é que nada prepara para a vida adulta tanto quanto a nacionalização precoce: tornar as crianças dependentes do Estado por lei é apenas antecipar aquilo que, crescidas, farão por vocação. Tudo está mal quando começa mal.
Nota: Por férias do autor, esta coluna não se publica na próxima semana. Os "Dias Contados" regressam a 9 de Agosto.
por ALBERTO GONÇALVES
25/07/2015
Diário de Notícias
Comentadores magnânimos atribuem o fiasco a factores externos, da prisão de Sócrates ao advento do Syriza. Na sua generosidade, esquecem-se de acrescentar que, sozinha, a brutal inépcia do dr. Costa, que possui a firmeza da esparguete cozida, transformou cada eventual obstáculo numa cordilheira inultrapassável.
Sobre Sócrates, o dr. Costa começou tipicamente por avaliar mal o "sentimento" popular e defender com tremeliques de orgulho as proezas do preso 44 enquanto primeiro-ministro. Uma bela manhã até desceu a Évora. Meses depois, numa exibição de objectividade sem precedentes, o dr. Costa criticou um governo de que ele próprio fez parte e jurou, sem jurar, não repetir a excursão alentejana.
Sobre o Syriza, o dr. Costa já disse tudo e o seu oposto, de acordo com o que tomou pelo clima do momento. Qualquer hipotético avanço dos maluquinhos que fingem mandar na Grécia tinha o dr. Costa, dez minutos decorridos, a erguê-los ao estatuto de farol da Europa. Em vinte minutos, os avanços recuavam estrategicamente e a apreciação do dr. Costa também: uma ocasião, apelidou o Syriza de "tonto". Mas isso foi antes do referendo, em que o Syriza voltou a ser sublime. E o referendo foi antes do acordo, em que o glamour do Syriza regressou a níveis da peste bubónica.
Nos intervalos dos Grandes Temas, o dr. Costa desdobrou-se a opinar acerca de temas minúsculos, naquele português de causar inveja a Jorge Jesus e sempre no lado errado do discernimento: o "investimento" público (promete muito), a austeridade (é uma péssima opção), a autonomia dos autarcas (quer reforçá-la), a "lusofonia" (acha-a linda). Nos intervalos dos intervalos, passeou o currículo democrático e arranjou uma guerra interna com as "bases" do PS, que consultaram as sondagens e desataram a questionar a infalibilidade do chefe. As cambalhotas em volta dos (inacreditáveis) candidatos presidenciais não ajudaram. Nem os abraços aos socialistas franceses que, afinal, conspiram para varrer Portugal do euro. Nem nada.
Resta apurar se a tendência para a calamidade é involuntária ou propositada. A verdade é que o dr. Costa conseguiu, em pouco tempo, renovar as esperanças eleitorais da coligação no poder. Um tiro no pé do Governo é invariavelmente seguido por uma explosão auto-infligida no porta-aviões do PS. Se o PS perder as eleições, o mérito será inteirinho do dr. Costa. Se ganhar, é Portugal que não merece melhor. E pior parece impossível.
Terça-feira, 21 de Julho
Portugueses desde pequeninos
Permitam-me uma declaração de interesses ou, melhor dizendo, de completo desinteresse: não consigo imaginar porque é que alguém publica fotografias dos filhos no Facebook. Nenhuma criatura razoavelmente saudável está interessada na fisionomia dos rebentos alheios. Ninguém, salvo eventuais maluquinhos, sente curiosidade por retratos de crianças a tentarem uma pose "gira" ou a enfardarem um Cornetto. E só um caso perdido apreciaria acompanhar reportagens informais e ilustradas sobre as aulas de bailado de petizes que mal conhece ou desconhece de todo. Quem disser o contrário é mentiroso e, até pelos padrões do Facebook, falso amigo.
Dito isto, custa perceber a recente decisão dos tribunais de Setúbal e Évora, que proibiram um casal de exibir a filha nas "redes sociais". As razões avançadas foram sobretudo duas. A primeira prende-se com a ameaça de "predadores e pedófilos", os quais pelos vistos usam as ditas "redes" para descobrir que uma criança existe e espantosamente possui um par de olhos e um nariz.
A segunda razão é um primor: "os filhos não são coisas ou objetos pertencentes aos pais e de que estes podem dispor a seu belo [sic] prazer". No acórdão, fica lindo. No mundo real, fica a dúvida: os pais mandam ou não mandam nos filhos? Têm ou não têm legitimidade para obrigá-los a estudar ou a comer a sopa? Falta muito para as autoridades reservarem para si os encantos da amamentação? Goste-se ou não, a verdade é que nada prepara para a vida adulta tanto quanto a nacionalização precoce: tornar as crianças dependentes do Estado por lei é apenas antecipar aquilo que, crescidas, farão por vocação. Tudo está mal quando começa mal.
Nota: Por férias do autor, esta coluna não se publica na próxima semana. Os "Dias Contados" regressam a 9 de Agosto.
por ALBERTO GONÇALVES
25/07/2015
Diário de Notícias
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