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CONTRATOS DE ASSOCIAÇÃO: No princípio era o Estado
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CONTRATOS DE ASSOCIAÇÃO: No princípio era o Estado
O Estado não é uma realidade anterior às famílias. O Estado só existe porque primeiro existem famílias. São as famílias que têm os filhos e são as famílias quem paga impostos.
O recente debate sobre os contratos de associação celebrados entre o Estado e os colégios privados é profundamente ideológico, ainda que muitas vezes se disperse por questões técnicas, como a validade ou invalidade desta ou daquela norma jurídica, ou a quantidade de alunos neste ou naqueloutro concelho.
Um argumento muitas vezes utilizado nos recentes debates ilustra este ponto: “Não se está a restringir a liberdade de escolha! Quando alguém fica doente, também não pode escolher um hospital privado e tem que utilizar o SNS”. A lógica interna é irrepreensível: perante duas circunstâncias em que alguém precisa de uma prestação pública (serviços de educação/serviços de saúde), um cidadão deve conformar-se com o serviço disponibilizado pelo Estado. Aceitar a possibilidade de escolha – dispondo-se o Estado a suportar o respetivo custo – seria aqui “pagar duas vezes” pelo mesmo serviço.
Mas o argumento prova demais. Se um desempregado se encontrar numa situação de carência económica, porque é que o Estado não lhe atribui diretamente um cabaz de compras, composto por bens produzidos pelo próprio Estado? Porque é que o Estado admite que o desempregado escolha os bens e serviços em que pretende gastar o dinheiro? Porque é que o Estado não aproveita esta oportunidade para criar mais postos de trabalho, assegurando o fornecimento dos bens e serviços que o desempregado presumivelmente desejará?
A resposta é simples: porque não é preciso. Porque se o Estado respeitar o princípio da subsidiariedade, não irá intervir numa área onde as famílias se conseguem organizar: a família do desempregado decide quais os produtos e serviços onde pretende gastar o subsídio, e as famílias do merceeiro e do sapateiro decidem quais os produtos e serviços que pretendem oferecer.
O Estado não é uma realidade anterior às famílias. O Estado só existe porque primeiro existem famílias. São as famílias que têm os filhos e são as famílias quem paga impostos (e com esses impostos o Estado pode contratar os funcionários do Ministério da Educação que decidem depois o que é melhor para as famílias e os seus filhos: que alívio!).
As famílias conseguem organizar-se para montar um hospital? Provavelmente não (ainda que se possa discutir se não conseguiriam assegurar organicamente, através de associações, cooperativas, misericórdias e outras entidades não-estatais, muitos dos cuidados primários de saúde que o Estado assegura).
E conseguem organizar-se para montar uma escola? Claro que sim, através de cooperativas de pais, de cooperativas de professores, ou simplesmente escolhendo uma escola privada e intervindo mais ou menos, consoante os gostos, na sua gestão. A prova disso mesmo é que o debate actual não tem sido centrado na qualidade do ensino das escolas com contratos de associação mas na justiça da possibilidade de escolha. E isso é que é surpreendente. Os pais exerceram a sua liberdade de escolha, como o fazem muitos outros que não têm a sorte de ter colégios com contratos de associação perto de casa, e ainda assim fazem um esforço suplementar para poder escolher onde estudam os seus filhos. E o debate desenrola-se tendo como protagonistas os sindicatos de professores, a equipa do Ministério da Educação, os donos dos colégios…
Cumpre então perguntar: porque é que qualquer medida de apoio a iniciativas não-estatais de ensino é vista como “um ataque à escola pública”. As duas principais razões não são boas: a primeira prende-se com a defesa dos interesses de quem lá trabalha. Compreende-se o interesse de assegurar o emprego dos professores das escolas públicas que protestam contra os contratos de associação. Mas não podemos esquecer-nos que o orçamento do Ministério da Educação é suportado com os impostos de todas as famílias deste país, e que elas é que são as titulares da escolha.
A outra razão é ainda pior. Prende-se com a pretensão totalitária e paternalista do Estado: retirar na maior medida possível as crianças das garras incompetentes das famílias. Muitos dos discursos que ouvimos partem deste princípio: as crianças só terão uma educação de excelência se forem educadas segundo os mais finos padrões, desenhados ao nível ministerial. E nas escolas não-estatais o Estado não conseguiria assegurar que os conteúdos são transmitidos e assimilados. A matemática e o português? Não: todas as escolas querem ensinar matemática e português. A educação para a cidadania? A educação sexual? Claro! E nós não podemos correr o risco de deixar as famílias escolherem como educam os filhos. Afinal, se os filhos são do Estado…
Advogado, Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membro das Catholic Voices
Francisco Mendes Correia
30/5/2016, 12:30
Observador
O recente debate sobre os contratos de associação celebrados entre o Estado e os colégios privados é profundamente ideológico, ainda que muitas vezes se disperse por questões técnicas, como a validade ou invalidade desta ou daquela norma jurídica, ou a quantidade de alunos neste ou naqueloutro concelho.
Um argumento muitas vezes utilizado nos recentes debates ilustra este ponto: “Não se está a restringir a liberdade de escolha! Quando alguém fica doente, também não pode escolher um hospital privado e tem que utilizar o SNS”. A lógica interna é irrepreensível: perante duas circunstâncias em que alguém precisa de uma prestação pública (serviços de educação/serviços de saúde), um cidadão deve conformar-se com o serviço disponibilizado pelo Estado. Aceitar a possibilidade de escolha – dispondo-se o Estado a suportar o respetivo custo – seria aqui “pagar duas vezes” pelo mesmo serviço.
Mas o argumento prova demais. Se um desempregado se encontrar numa situação de carência económica, porque é que o Estado não lhe atribui diretamente um cabaz de compras, composto por bens produzidos pelo próprio Estado? Porque é que o Estado admite que o desempregado escolha os bens e serviços em que pretende gastar o dinheiro? Porque é que o Estado não aproveita esta oportunidade para criar mais postos de trabalho, assegurando o fornecimento dos bens e serviços que o desempregado presumivelmente desejará?
A resposta é simples: porque não é preciso. Porque se o Estado respeitar o princípio da subsidiariedade, não irá intervir numa área onde as famílias se conseguem organizar: a família do desempregado decide quais os produtos e serviços onde pretende gastar o subsídio, e as famílias do merceeiro e do sapateiro decidem quais os produtos e serviços que pretendem oferecer.
O Estado não é uma realidade anterior às famílias. O Estado só existe porque primeiro existem famílias. São as famílias que têm os filhos e são as famílias quem paga impostos (e com esses impostos o Estado pode contratar os funcionários do Ministério da Educação que decidem depois o que é melhor para as famílias e os seus filhos: que alívio!).
As famílias conseguem organizar-se para montar um hospital? Provavelmente não (ainda que se possa discutir se não conseguiriam assegurar organicamente, através de associações, cooperativas, misericórdias e outras entidades não-estatais, muitos dos cuidados primários de saúde que o Estado assegura).
E conseguem organizar-se para montar uma escola? Claro que sim, através de cooperativas de pais, de cooperativas de professores, ou simplesmente escolhendo uma escola privada e intervindo mais ou menos, consoante os gostos, na sua gestão. A prova disso mesmo é que o debate actual não tem sido centrado na qualidade do ensino das escolas com contratos de associação mas na justiça da possibilidade de escolha. E isso é que é surpreendente. Os pais exerceram a sua liberdade de escolha, como o fazem muitos outros que não têm a sorte de ter colégios com contratos de associação perto de casa, e ainda assim fazem um esforço suplementar para poder escolher onde estudam os seus filhos. E o debate desenrola-se tendo como protagonistas os sindicatos de professores, a equipa do Ministério da Educação, os donos dos colégios…
Cumpre então perguntar: porque é que qualquer medida de apoio a iniciativas não-estatais de ensino é vista como “um ataque à escola pública”. As duas principais razões não são boas: a primeira prende-se com a defesa dos interesses de quem lá trabalha. Compreende-se o interesse de assegurar o emprego dos professores das escolas públicas que protestam contra os contratos de associação. Mas não podemos esquecer-nos que o orçamento do Ministério da Educação é suportado com os impostos de todas as famílias deste país, e que elas é que são as titulares da escolha.
A outra razão é ainda pior. Prende-se com a pretensão totalitária e paternalista do Estado: retirar na maior medida possível as crianças das garras incompetentes das famílias. Muitos dos discursos que ouvimos partem deste princípio: as crianças só terão uma educação de excelência se forem educadas segundo os mais finos padrões, desenhados ao nível ministerial. E nas escolas não-estatais o Estado não conseguiria assegurar que os conteúdos são transmitidos e assimilados. A matemática e o português? Não: todas as escolas querem ensinar matemática e português. A educação para a cidadania? A educação sexual? Claro! E nós não podemos correr o risco de deixar as famílias escolherem como educam os filhos. Afinal, se os filhos são do Estado…
Advogado, Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membro das Catholic Voices
Francisco Mendes Correia
30/5/2016, 12:30
Observador
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