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CRÓNICA: Ajuda aos profissionais
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CRÓNICA: Ajuda aos profissionais
A grande dificuldade da ajuda profissional é a de saber quem ajuda os profissionais. Quem serão os carregadores dos nossos carregadores? E os deputados dos nossos deputados? Onde irá o dentista?
Recomendam-nos frequentemente ajuda profissional: carregadores, deputados, terapeutas e informatas. A recomendação está ligada à ideia razoável de que certas pessoas podem fazer por nós aquilo de que nós não somos capazes; e à ideia irrazoável de que há sempre alguém para fazer aquilo de que não somos capazes. Imaginamos um mundo parecido com um jogo infantil: vivemos numa vila onde existe uma frutaria, uma loja de ferragens, e um dentista. Se precisamos de fruta, entramos na frutaria; se de ferragens, na loja respectiva; e no resto, o dentista. No jogo as coisas estão bem combinadas: para todas as nossas necessidades parece haver solução profissional.
Um problema que ocorre a quem pensa sobre este tipo de jogo é o de saber o que faz quem trabalha na loja de ferragens quando precisa de fruta. Irá, como a maior parte das pessoas, à frutaria? A solução pode levantar problemas logísticos, visto que será preciso fechar temporariamente a loja de ferragens. Talvez as lojas de ferragens tenham à disposição pessoas para ir comprar fruta quando é preciso. Onde, porém, estarão elas quando não estão na frutaria ou na loja de ferragens? Não podem estar sempre no dentista. Além do mais pode dar-se o acaso de naqueles momentos de necessidade os donos da loja de fruta terem precisado de ferragens, e terem tido de fechar a frutaria.
Existe ainda um segundo tipo de problema, mais grave, que é o problema de saber o que faz o dono da frutaria quando precisa de fruta; e o funcionário da loja de ferragens quando precisa de ferragens; e o dentista quando precisa de ir ao dentista. O dentista precisa de ir ao dentista porque lhe é difícil enfiar com proveito as mãos na boca. Mas apesar disso é menos difícil a um dentista tratar das suas próprias cáries que ao dono da loja da fruta comprar a fruta que vende. A quem nesse caso a pagaria? E junto de quem reclamaria? A sua satisfação seria o seu prejuízo; e quanto maior, pior.
A grande dificuldade da ajuda profissional é assim a de saber quem ajuda os profissionais. Quem serão os carregadores dos nossos carregadores? E os deputados dos nossos deputados? Onde irá o dentista ao dentista? Talvez numa vila vizinha muito parecida com a primeira exista uma loja da fruta, uma loja de ferragens e um dentista, a que os profissionais da primeira vila possam pedir ajuda sem incorrer em contradição ou impossibilidade. Mas mesmo esta esperança tem inconvenientes que não podem ser completamente eliminados: um bom dentista tem tendência para se sentir mal tratado pelo seu dentista; e o consultório da vila vizinha nem sempre está aberto, visto que o segundo dentista poderá ter precisado de ir comprar fruta, ou ferragens, ou poderá ter ido ao dentista.
Miguel Tamen
3/6/2016, 1:27
Observador
Recomendam-nos frequentemente ajuda profissional: carregadores, deputados, terapeutas e informatas. A recomendação está ligada à ideia razoável de que certas pessoas podem fazer por nós aquilo de que nós não somos capazes; e à ideia irrazoável de que há sempre alguém para fazer aquilo de que não somos capazes. Imaginamos um mundo parecido com um jogo infantil: vivemos numa vila onde existe uma frutaria, uma loja de ferragens, e um dentista. Se precisamos de fruta, entramos na frutaria; se de ferragens, na loja respectiva; e no resto, o dentista. No jogo as coisas estão bem combinadas: para todas as nossas necessidades parece haver solução profissional.
Um problema que ocorre a quem pensa sobre este tipo de jogo é o de saber o que faz quem trabalha na loja de ferragens quando precisa de fruta. Irá, como a maior parte das pessoas, à frutaria? A solução pode levantar problemas logísticos, visto que será preciso fechar temporariamente a loja de ferragens. Talvez as lojas de ferragens tenham à disposição pessoas para ir comprar fruta quando é preciso. Onde, porém, estarão elas quando não estão na frutaria ou na loja de ferragens? Não podem estar sempre no dentista. Além do mais pode dar-se o acaso de naqueles momentos de necessidade os donos da loja de fruta terem precisado de ferragens, e terem tido de fechar a frutaria.
Existe ainda um segundo tipo de problema, mais grave, que é o problema de saber o que faz o dono da frutaria quando precisa de fruta; e o funcionário da loja de ferragens quando precisa de ferragens; e o dentista quando precisa de ir ao dentista. O dentista precisa de ir ao dentista porque lhe é difícil enfiar com proveito as mãos na boca. Mas apesar disso é menos difícil a um dentista tratar das suas próprias cáries que ao dono da loja da fruta comprar a fruta que vende. A quem nesse caso a pagaria? E junto de quem reclamaria? A sua satisfação seria o seu prejuízo; e quanto maior, pior.
A grande dificuldade da ajuda profissional é assim a de saber quem ajuda os profissionais. Quem serão os carregadores dos nossos carregadores? E os deputados dos nossos deputados? Onde irá o dentista ao dentista? Talvez numa vila vizinha muito parecida com a primeira exista uma loja da fruta, uma loja de ferragens e um dentista, a que os profissionais da primeira vila possam pedir ajuda sem incorrer em contradição ou impossibilidade. Mas mesmo esta esperança tem inconvenientes que não podem ser completamente eliminados: um bom dentista tem tendência para se sentir mal tratado pelo seu dentista; e o consultório da vila vizinha nem sempre está aberto, visto que o segundo dentista poderá ter precisado de ir comprar fruta, ou ferragens, ou poderá ter ido ao dentista.
Miguel Tamen
3/6/2016, 1:27
Observador
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