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Mensagem por Admin Dom Jun 05, 2016 10:40 am

Sem questões de liderança por resolver, e com os temas de governação a médio prazo deixados para as cimeiras à porta fechada com o BE e o PCP, o congresso do PS parece decorrer combinando traços de conferência política e festival de verão. Um dos momentos mais interessantes, em que a gravidade sombria em que nos encontramos se manifestou, foi um debate em que participou Pacheco Pereira. Ele disse o essencial: enquanto reinar o Tratado Orçamental, a ideologia neoliberal continuará a dominar e a asfixiar um projeto onde antes cabiam direitos sociais e alargamento da democracia. A tese de Pacheco Pereira tem alcance universal, mas também aplicação nacional. Querer "virar a página da austeridade" e "respeitar as atuais regras europeias" é uma contradição lógica e material. A ameaça de sanções da Comissão Europeia, brandida, entre outros, pelo ministro alemão Schäuble, mostra que mesmo como manobra retórica é tempo de o governo afinar o discurso. A austeridade só poderá ser combatida à escala europeia, com reformas profundas nas regras orçamentais e medidas de governação económica geral.

Se dúvidas existissem sobre a verdadeira geringonça onde se arrisca o futuro das nossas vidas, a recente polémica lançada por J. Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, contra Juncker, presidente da CE, talvez tenha esclarecido até os mais distraídos. Juncker, com a sua rara tendência para deixar escapar a verdade, afirmou que a tolerância da CE em relação ao ritmo cada vez mais lento com que a França persegue a meta dos -3% do défice (adiada agora para 2017) se deve ao facto de que "se trata da França". O socialista holandês ripostou com toda a artilharia da ortodoxa novilíngua da austeridade, mas Dijsselbloem é o mesmo homem que comandou em março de 2013 o resgate contra Chipre, propondo "soluções" que violariam a própria diretiva europeia que protege os depósitos até cem mil euros! Como a maior parte dos aventureiros que se meteram na política, o presidente do Eurogrupo saiu demasiado cedo da escola para dar lições a quem quer que seja.

Se a França pesa mais do que Portugal ou a Espanha, isso significa que a natureza da União Europeia não é a de uma união baseada no império de uma lei universal de olhos vendados, como impõe a justiça. Na verdade, estamos aprisionados dentro de uma geringonça de muitas cabeças, um sistema internacional fundado na clássica balança da hegemonia de poder (onde os "mais iguais do que os outros" formam um diretório), agravada pelo labirinto da zona euro. Uma explosiva união monetária disfuncional, uma espécie de amálgama viscosa de soberanias monetárias de onde nenhum Estado poderá sair sem pagar um preço demasiado elevado.

Zygmunt Bauman chamou "tempos líquidos" a esta época de incerteza generalizada. A desagregação da Europa intensifica o seu diagnóstico. Não sabemos se o Reino Unido fica na UE nem se a Escócia fica no Reino Unido. Não sabemos quem irá governar a Espanha nem a sua futura geografia política. Sabemos que as incríveis reformas de Manuel Valls (mostrando desconhecer a alma do seu próprio país) ajudarão a que Marine le Pen venha a sentar-se no Conselho Europeu em 2017, com ou sem Merkel a seu lado. Quando a Europa se desagrega importa estar atento para não nos cair algum andaime em cima. A verdadeira geringonça que governará Portugal ainda está por construir. Penso que António Costa já percebeu que os próximos 18 meses serão críticos. Espero que os seus companheiros de estrada também o tenham, ao menos, pressentido. O tempo para cometer erros já passou.

05 DE JUNHO DE 2016
00:01
Viriato Soromenho Marques
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