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Legitimidade e bom senso
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Legitimidade e bom senso
Numa primeira análise, a atribuição à Assembleia da República do poder de designação dos juízes do Tribunal Constitucional parece inadequada ou até logicamente indefensável: se a função do TC é fiscalizar a AR, como admitir que seja esta a nomear o fiscal? Para mais, esse modo de designação partidarizaria um órgão jurisdicional sobre o qual recairia permanentemente, fruto desse pecado original, a suspeita de condicionamento partidário das suas futuras decisões. Porém, uma reflexão mais cuidada levará a concluir que a atual forma de designação é ajustada, tem provado bem e, por isso, deve manter-se.
Em democracia, as leis aprovadas por um parlamento escolhido segundo as opções e preferências livremente expressas pelo povo só devem poder ser eventualmente afastadas por quem tenha uma legitimidade democrática indiscutível. A designação dos juízes por uma maioria de dois terços dos deputados garante essa legitimidade. Quando nos últimos anos o TC se opôs a decisões governamentais importantes e, por esse facto, foi alvo de campanhas, pressões e ameaças da parte do PM em funções, de deputados, do presidente da Comissão Europeia, como poderia o TC ter resistido se não fosse titular de uma legitimidade democrática incontestável? Num ambiente político em que essas pressões espúrias eram apoiadas por parte da população e pela generalidade dos comentadores e mereciam até a surpreendente aquiescência de professores de Direito, pura e simplesmente, um TC sem legitimidade democrática teria capitulado.
Porém, os juízes que assim afrontavam o poder instituído não estavam no TC por um qualquer acidente ou acaso. Faziam-no porque tinham sido escolhidos e democraticamente eleitos para o exercício das funções constitucionais precisamente por quem agora tanto os criticava. Tinham, por isso, a legitimidade, mas também, e não menos importante, a independência e, por isso mesmo, a autoridade moral que faltava a quem gostaria de os manipular como simples comissários do governo, da maioria ou dos interesses que animavam uns e outros.
Por natureza, o TC exerce funções contra maioritárias, defende os direitos fundamentais das pessoas contra as decisões do governo, guarda os princípios constitucionais das decisões da maioria política conjuntural e, para tanto, carece de legitimidade democrática. Daí que a designação dos juízes do TC por parte de órgãos políticos não seja uma singularidade portuguesa. Ao invés, tal forma de designação é própria de qualquer Estado de direito democrático: em todo o mundo, os membros do órgão responsável pela justiça constitucional, seja ele um Tribunal Constitucional ou um Supremo Tribunal, são sempre de designação política.
Aquilo que pode variar é a entidade que designa: o Parlamento, o Presidente ou ambos. Entre nós é o Parlamento, mas com essa particularidade dos dois terços que acaba por ser decisiva. É que, sendo assim, não é apenas uma maioria conjuntural ou um bloco partidário a fazer a escolha; no nosso sistema político, em termos práticos, os dois terços exigidos significam que tem de haver na AR um acordo entre esquerda e direita. Daí resulta uma composição equilibrada do TC que corresponde, grosso modo, ao sentir e à cultura da comunidade.
A alternativa ao atual método de designação seria fazer intervir o PR na escolha de parte dos juízes do TC. Os riscos seriam enormes. Um Presidente com uma visão partidarizada do exercício dos seus poderes teria a possibilidade de desequilibrar radicalmente a composição do TC em favor de um dos lados. Se há dúvidas, basta imaginar qual seria no auge da crise a composição do TC se ao longo dos últimos dez anos tivesse sido o PR a nomear uma parte dos seus juízes.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
23 DE JULHO DE 2016
00:01
Jorge Reis Novais
Diário de Notícias
Em democracia, as leis aprovadas por um parlamento escolhido segundo as opções e preferências livremente expressas pelo povo só devem poder ser eventualmente afastadas por quem tenha uma legitimidade democrática indiscutível. A designação dos juízes por uma maioria de dois terços dos deputados garante essa legitimidade. Quando nos últimos anos o TC se opôs a decisões governamentais importantes e, por esse facto, foi alvo de campanhas, pressões e ameaças da parte do PM em funções, de deputados, do presidente da Comissão Europeia, como poderia o TC ter resistido se não fosse titular de uma legitimidade democrática incontestável? Num ambiente político em que essas pressões espúrias eram apoiadas por parte da população e pela generalidade dos comentadores e mereciam até a surpreendente aquiescência de professores de Direito, pura e simplesmente, um TC sem legitimidade democrática teria capitulado.
Porém, os juízes que assim afrontavam o poder instituído não estavam no TC por um qualquer acidente ou acaso. Faziam-no porque tinham sido escolhidos e democraticamente eleitos para o exercício das funções constitucionais precisamente por quem agora tanto os criticava. Tinham, por isso, a legitimidade, mas também, e não menos importante, a independência e, por isso mesmo, a autoridade moral que faltava a quem gostaria de os manipular como simples comissários do governo, da maioria ou dos interesses que animavam uns e outros.
Por natureza, o TC exerce funções contra maioritárias, defende os direitos fundamentais das pessoas contra as decisões do governo, guarda os princípios constitucionais das decisões da maioria política conjuntural e, para tanto, carece de legitimidade democrática. Daí que a designação dos juízes do TC por parte de órgãos políticos não seja uma singularidade portuguesa. Ao invés, tal forma de designação é própria de qualquer Estado de direito democrático: em todo o mundo, os membros do órgão responsável pela justiça constitucional, seja ele um Tribunal Constitucional ou um Supremo Tribunal, são sempre de designação política.
Aquilo que pode variar é a entidade que designa: o Parlamento, o Presidente ou ambos. Entre nós é o Parlamento, mas com essa particularidade dos dois terços que acaba por ser decisiva. É que, sendo assim, não é apenas uma maioria conjuntural ou um bloco partidário a fazer a escolha; no nosso sistema político, em termos práticos, os dois terços exigidos significam que tem de haver na AR um acordo entre esquerda e direita. Daí resulta uma composição equilibrada do TC que corresponde, grosso modo, ao sentir e à cultura da comunidade.
A alternativa ao atual método de designação seria fazer intervir o PR na escolha de parte dos juízes do TC. Os riscos seriam enormes. Um Presidente com uma visão partidarizada do exercício dos seus poderes teria a possibilidade de desequilibrar radicalmente a composição do TC em favor de um dos lados. Se há dúvidas, basta imaginar qual seria no auge da crise a composição do TC se ao longo dos últimos dez anos tivesse sido o PR a nomear uma parte dos seus juízes.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
23 DE JULHO DE 2016
00:01
Jorge Reis Novais
Diário de Notícias
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