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Não sabem o que dizem
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Não sabem o que dizem
Até há uns meses nunca contemplaria escrever um artigo assim. Em temas financeiros é preciso muito cuidado ao falar em público. Declarações negativas ou só ambíguas podem ter consequências drásticas e inesperadas. A base das finanças é a confiança, que pode ser abalada por frases imprudentes acerca da reputação de uma instituição. Sou apenas um académico sem qualquer influência real, mas mesmo assim a prudência recomenda nunca escrever um artigo destes.
Pior, a situação financeira está ao rubro. Não só o mundo ainda anda combalido, após uma das maiores crises da história, sofrendo já novos choques, não só as taxas de juro estão a níveis impensáveis, como a sucessão de assustadores casos bancários nacionais pôs os aforradores com os nervos em franja. Num clima tão explosivo, nunca escreveria um artigo assim.
Só que hoje parece que entrámos num mundo surrealista, onde os responsáveis fazem as declarações mais inacreditáveis, com ligeireza e insensatez que tocam as raias da loucura. Em particular, depois do passado dia 18, entrámos no reino da imbecilidade institucionalizada. Peço desculpa, mas assim vou escrever um artigo destes.
Tudo começou com uma situação inaudita, ao termos o governo apoiado por forças que há anos pressionam para que se faça uma reestruturação da dívida. E mesmo depois de terem tomado a posição de pseudocoligação, PCP e Bloco de Esquerda mantiveram a proposta. Dizer isso na oposição, como partidos extremistas e irrelevantes, ninguém levava a sério. Mas a histórica opção de António Costa colocou-os a dominar a situação, e tudo mudou de figura.
Como é que uma entidade com responsabilidades políticas pode apregoar que se deve reestruturar a dívida, enquanto o governo que apoia está todos os dias a pedir mais dinheiro emprestado? O problema não é terem ou não razão sobre essa necessidade, mas, precisamente se a tiverem, ser muito estúpido anunciar a urgência. A fazer-se, uma reestruturação deve ser súbita, disfarçada ou diluída num programa europeu. Nunca declarada.
A nossa dívida pública é enorme. Tão grande que não apenas o PCP e o Bloco, mas também os mercados financeiros têm fortes desconfianças de que a possamos sustentar. Apesar disso, os sucessivos governos têm garantido que cumprirão pontualmente todas as suas obrigações creditícias. Porquê? Na visão conspirativa dos esquerdistas isso só pode ser enfeudamento aos interesses do capital. Mas há outro motivo mais simples: uma reestruturação fica sempre horrivelmente cara. E aumenta de custo se for vaticinada.
A atitude é idiota, mas não teve grandes efeitos, provavelmente porque, apesar de tudo, ninguém ainda leva a sério quem tem tanta dificuldade em abandonar os hábitos irresponsáveis de agitador arrivista. Então chegou o dia 10 de Abril de 2016, quando o senhor primeiro-ministro deu uma grande entrevista ao DN e à TSF. Aí afirmou com naturalidade: "Acho que era útil ao país encontrar um veículo de resolução do crédito malparado, de forma a libertar o sistema financeiro de um modo que dificulta uma participação mais ativa nas necessidades de financiamento das empresas portuguesas." No dia seguinte, o The Wall Street Journal punha como título: "O primeiro-ministro português diz que um "banco mau" pode ajudar a economia".
Se fosse uma potência inimiga pretendendo minar a confiança na nossa banca, assustar os depositantes e impedir que investidores estrangeiros cá colocassem as suas poupanças, era compreensível a afirmação. Na boca de um primeiro-ministro atinge o delírio suicida. Isso não se diz, faz-se. Ele não fez, conversou sobre o tema. A partir dessa data toda a gente ficou a saber que a nossa banca está por um fio. A partir dessa data eu podia escrever um artigo destes. Mas não escrevi, até contemplar o que nunca acharia possível: ver um governo encostar uma pistola à cabeça de um banco ferido e serenamente puxar o gatilho.
No relatório que acompanha a carta que Mário Centeno enviou à Comissão Europeia, nas "Alegações fundamentadas de Portugal no âmbito do processo de apuramento de eventuais sanções", está escrito na página 8: "De acordo com a carta e compromisso da República Portuguesa sobre o Novo Banco, o banco será vendido até agosto de 2017; se não for, entrará num processo de liquidação ordeira." Ordeira!? Depois disto, quem quererá ter poupanças nesse banco? Sem as poupanças, quem quererá comprar o banco? Assim tenho de escrever este artigo: por favor, alguém diga a esses senhores para se calarem. Com dirigentes destes, não há sistema que resista.
28 DE JULHO DE 2016
00:00
João César das Neves
Diário de Notícias
Pior, a situação financeira está ao rubro. Não só o mundo ainda anda combalido, após uma das maiores crises da história, sofrendo já novos choques, não só as taxas de juro estão a níveis impensáveis, como a sucessão de assustadores casos bancários nacionais pôs os aforradores com os nervos em franja. Num clima tão explosivo, nunca escreveria um artigo assim.
Só que hoje parece que entrámos num mundo surrealista, onde os responsáveis fazem as declarações mais inacreditáveis, com ligeireza e insensatez que tocam as raias da loucura. Em particular, depois do passado dia 18, entrámos no reino da imbecilidade institucionalizada. Peço desculpa, mas assim vou escrever um artigo destes.
Tudo começou com uma situação inaudita, ao termos o governo apoiado por forças que há anos pressionam para que se faça uma reestruturação da dívida. E mesmo depois de terem tomado a posição de pseudocoligação, PCP e Bloco de Esquerda mantiveram a proposta. Dizer isso na oposição, como partidos extremistas e irrelevantes, ninguém levava a sério. Mas a histórica opção de António Costa colocou-os a dominar a situação, e tudo mudou de figura.
Como é que uma entidade com responsabilidades políticas pode apregoar que se deve reestruturar a dívida, enquanto o governo que apoia está todos os dias a pedir mais dinheiro emprestado? O problema não é terem ou não razão sobre essa necessidade, mas, precisamente se a tiverem, ser muito estúpido anunciar a urgência. A fazer-se, uma reestruturação deve ser súbita, disfarçada ou diluída num programa europeu. Nunca declarada.
A nossa dívida pública é enorme. Tão grande que não apenas o PCP e o Bloco, mas também os mercados financeiros têm fortes desconfianças de que a possamos sustentar. Apesar disso, os sucessivos governos têm garantido que cumprirão pontualmente todas as suas obrigações creditícias. Porquê? Na visão conspirativa dos esquerdistas isso só pode ser enfeudamento aos interesses do capital. Mas há outro motivo mais simples: uma reestruturação fica sempre horrivelmente cara. E aumenta de custo se for vaticinada.
A atitude é idiota, mas não teve grandes efeitos, provavelmente porque, apesar de tudo, ninguém ainda leva a sério quem tem tanta dificuldade em abandonar os hábitos irresponsáveis de agitador arrivista. Então chegou o dia 10 de Abril de 2016, quando o senhor primeiro-ministro deu uma grande entrevista ao DN e à TSF. Aí afirmou com naturalidade: "Acho que era útil ao país encontrar um veículo de resolução do crédito malparado, de forma a libertar o sistema financeiro de um modo que dificulta uma participação mais ativa nas necessidades de financiamento das empresas portuguesas." No dia seguinte, o The Wall Street Journal punha como título: "O primeiro-ministro português diz que um "banco mau" pode ajudar a economia".
Se fosse uma potência inimiga pretendendo minar a confiança na nossa banca, assustar os depositantes e impedir que investidores estrangeiros cá colocassem as suas poupanças, era compreensível a afirmação. Na boca de um primeiro-ministro atinge o delírio suicida. Isso não se diz, faz-se. Ele não fez, conversou sobre o tema. A partir dessa data toda a gente ficou a saber que a nossa banca está por um fio. A partir dessa data eu podia escrever um artigo destes. Mas não escrevi, até contemplar o que nunca acharia possível: ver um governo encostar uma pistola à cabeça de um banco ferido e serenamente puxar o gatilho.
No relatório que acompanha a carta que Mário Centeno enviou à Comissão Europeia, nas "Alegações fundamentadas de Portugal no âmbito do processo de apuramento de eventuais sanções", está escrito na página 8: "De acordo com a carta e compromisso da República Portuguesa sobre o Novo Banco, o banco será vendido até agosto de 2017; se não for, entrará num processo de liquidação ordeira." Ordeira!? Depois disto, quem quererá ter poupanças nesse banco? Sem as poupanças, quem quererá comprar o banco? Assim tenho de escrever este artigo: por favor, alguém diga a esses senhores para se calarem. Com dirigentes destes, não há sistema que resista.
28 DE JULHO DE 2016
00:00
João César das Neves
Diário de Notícias
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