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Levar avante
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Levar avante
Já não sei onde, nem quando, nem quem foi que um dia me disse que aceitava todos os convites que dessem muito dinheiro ou fossem dali a muito tempo, e foi isso, o tempo, que me levou à Lúcio de Azevedo, uma rua naquele estilo arquitetónico tão português, para o qual só falta inventar o nome, mas cujo efeito é não percebermos se estamos num bairro social bom ou num bairro de luxo mau, prédios altos rosa-salmão, alumínios vermelhos, lojas fechadas, canteiros assimétricos, uma palmeira anã, o Eixo Norte-Sul por cima.
Quando aceitei um simpático convite para escrever sobre a Fiscalidade na Adesão de Portugal à CEE, tudo parecia uma boa ideia, o prazo calhava dali a muitos meses, numa altura em que ia levar aquilo avante, porque a minha vida me ia permitir dedicar o tempo merecido ao tema, como a vida sempre nos permite, daqui a muitos meses, organizada, tranquila, geométrica. O problema é que isto do tempo livre para aquilo que queremos fazer apenas nos surpreende na medida em que é sempre possível haver menos tempo, e nunca mais. E, por isso, numa tarde quente de agosto lá fui enganar o tempo para a Lúcio de Azevedo, à Estrada de Benfica. O senhor do Uber, com pronúncia mineira, bem dizia João o GPS diz que é aqui. E era. Lá estava a Hemeroteca Municipal, triste, escondida, envergonhada por ter sido expulsa do Palácio dos Condes de Tomar, onde habitava desde 1973. Ser despejado da beira do Miradouro de São Pedro de Alcântara para o logradouro do Eixo Norte-Sul não faz bem a ninguém, mas a Hemeroteca sentiu especialmente esta deslocalização. É preciso primeiro entender o horário, porque há o do inverno e o do verão, e no de verão é de "2.ª a 6.ª-feira: 11.00 às 18.00 (entrada dos utilizadores até às 17.30); requisição de documentos (depósito), pedidos de fotocópias e de digitalização de documentos: 11.00 às 17.00. Consulta de documentos em acesso livre: 11.00 às 17.30; encerra: sábados, domingos, feriados e na última 4.ª-feira de cada mês (das 11.00 às 14.00)." Há a questão dos feriados, que não se sabe quais é que ainda são e quais é que já são outra vez, e depois há aquela roletazinha russa da última quarta-feira de cada mês (ponto positivo, não há interrupção para almoço). Entendido o horário, é entrar.
A atitude dos funcionários não é diferente de outras bibliotecas, aquela cordialidade desconfiada perante o inimigo que ousa pedir livros. Acho que é o Umberto Eco que conta de um bibliotecário que gosta muito de um determinado professor, precisamente daquele que quase nunca usa a biblioteca.
Mas lá consegui o que queria, adaptando-me ao que havia em sala, no depósito, por requisição de 72 horas, e ao que não havia. A sala é deprimente, sem o charme do antigo palácio, o que não deve alegrar a vida de quem lá trabalha todos os dias.
Mas o que lá me levava era a negociação da adesão à CEE e perceber o que diziam os jornais do dia da assinatura, sobretudo sobre impostos. Pouca coisa, quase nada sobre impostos, mas muito sobre a cerimónia nos Jerónimos num clima de euforia. Duas exceções, o PCP que proclamava a capitulação do país e do mundo. E um político que três semanas antes tinha conquistado a liderança de um partido, Aníbal Cavaco Silva. Cavaco, um europeísta, aquele cujo consulado político mais beneficiou com o dinheiro da integração europeia, estava ali, nos Jerónimos, com o seu sorriso típico, vestindo o fato de eurocético, preocupado com o significado de tudo aquilo para Portugal, num misto de uma estratégia de afirmação interna e de tática para as eleições que ali vinham, com alguma irritação à mistura por não estar na fotografia.
Nas páginas do DN de 1985, um país igual em muita coisa (muitos daqueles nomes dominaram a política e as instituições por três décadas), mas também muito diferente, com pérolas como o anúncio de um concurso de motolavoura nos Açores, e o anúncio da missa de aniversário da morte de António Variações, na Basílica da Estrela, colocado pela defunta Agência Salgado a pedido da família. Por falar em tratores, uma das melhores histórias das negociações da adesão fui encontrá-la num livro recentemente organizado por João Rosa Lã e Alice Cunha (Memórias da Adesão - À Mesa das Negociações, Book Builders, 2016): os relatos da pressão de Salvador Caetano para o protocolo automóvel, por causa da fábrica da Toyota, que, entre cunhas a Mário Soares e ameaças de encerramento de estradas numa entrevista ao DN, conseguiu levar a sua avante. Por falar em avante, já alguém sabe se Marcelo neste ano vai à festa?
21 DE AGOSTO DE 2016
00:00
João Taborda da Gama
Diário de Notícias
Quando aceitei um simpático convite para escrever sobre a Fiscalidade na Adesão de Portugal à CEE, tudo parecia uma boa ideia, o prazo calhava dali a muitos meses, numa altura em que ia levar aquilo avante, porque a minha vida me ia permitir dedicar o tempo merecido ao tema, como a vida sempre nos permite, daqui a muitos meses, organizada, tranquila, geométrica. O problema é que isto do tempo livre para aquilo que queremos fazer apenas nos surpreende na medida em que é sempre possível haver menos tempo, e nunca mais. E, por isso, numa tarde quente de agosto lá fui enganar o tempo para a Lúcio de Azevedo, à Estrada de Benfica. O senhor do Uber, com pronúncia mineira, bem dizia João o GPS diz que é aqui. E era. Lá estava a Hemeroteca Municipal, triste, escondida, envergonhada por ter sido expulsa do Palácio dos Condes de Tomar, onde habitava desde 1973. Ser despejado da beira do Miradouro de São Pedro de Alcântara para o logradouro do Eixo Norte-Sul não faz bem a ninguém, mas a Hemeroteca sentiu especialmente esta deslocalização. É preciso primeiro entender o horário, porque há o do inverno e o do verão, e no de verão é de "2.ª a 6.ª-feira: 11.00 às 18.00 (entrada dos utilizadores até às 17.30); requisição de documentos (depósito), pedidos de fotocópias e de digitalização de documentos: 11.00 às 17.00. Consulta de documentos em acesso livre: 11.00 às 17.30; encerra: sábados, domingos, feriados e na última 4.ª-feira de cada mês (das 11.00 às 14.00)." Há a questão dos feriados, que não se sabe quais é que ainda são e quais é que já são outra vez, e depois há aquela roletazinha russa da última quarta-feira de cada mês (ponto positivo, não há interrupção para almoço). Entendido o horário, é entrar.
A atitude dos funcionários não é diferente de outras bibliotecas, aquela cordialidade desconfiada perante o inimigo que ousa pedir livros. Acho que é o Umberto Eco que conta de um bibliotecário que gosta muito de um determinado professor, precisamente daquele que quase nunca usa a biblioteca.
Mas lá consegui o que queria, adaptando-me ao que havia em sala, no depósito, por requisição de 72 horas, e ao que não havia. A sala é deprimente, sem o charme do antigo palácio, o que não deve alegrar a vida de quem lá trabalha todos os dias.
Mas o que lá me levava era a negociação da adesão à CEE e perceber o que diziam os jornais do dia da assinatura, sobretudo sobre impostos. Pouca coisa, quase nada sobre impostos, mas muito sobre a cerimónia nos Jerónimos num clima de euforia. Duas exceções, o PCP que proclamava a capitulação do país e do mundo. E um político que três semanas antes tinha conquistado a liderança de um partido, Aníbal Cavaco Silva. Cavaco, um europeísta, aquele cujo consulado político mais beneficiou com o dinheiro da integração europeia, estava ali, nos Jerónimos, com o seu sorriso típico, vestindo o fato de eurocético, preocupado com o significado de tudo aquilo para Portugal, num misto de uma estratégia de afirmação interna e de tática para as eleições que ali vinham, com alguma irritação à mistura por não estar na fotografia.
Nas páginas do DN de 1985, um país igual em muita coisa (muitos daqueles nomes dominaram a política e as instituições por três décadas), mas também muito diferente, com pérolas como o anúncio de um concurso de motolavoura nos Açores, e o anúncio da missa de aniversário da morte de António Variações, na Basílica da Estrela, colocado pela defunta Agência Salgado a pedido da família. Por falar em tratores, uma das melhores histórias das negociações da adesão fui encontrá-la num livro recentemente organizado por João Rosa Lã e Alice Cunha (Memórias da Adesão - À Mesa das Negociações, Book Builders, 2016): os relatos da pressão de Salvador Caetano para o protocolo automóvel, por causa da fábrica da Toyota, que, entre cunhas a Mário Soares e ameaças de encerramento de estradas numa entrevista ao DN, conseguiu levar a sua avante. Por falar em avante, já alguém sabe se Marcelo neste ano vai à festa?
21 DE AGOSTO DE 2016
00:00
João Taborda da Gama
Diário de Notícias
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