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CRÓNICA: Conselhos e opiniões
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CRÓNICA: Conselhos e opiniões
Dar conselhos requer essencialmente vontade de pôr o próximo no seu lugar; para quem os dá, o lugar natural do próximo é o lugar de quem não sabe que nada sabe.
Como se não fosse suficiente todos termos opiniões, a maioria de nós ainda dá conselhos. Antigos futebolistas dão conselhos a futebolistas; antigas mães dão conselhos a filhos; antigos políticos dão conselhos a futebolistas; os portugueses dão conselhos ao mundo. Um conselho pressupõe o benefício da nossa opinião, a ser ministrado a quem imaginamos que dela precise. Será que os damos simplesmente porque temos opiniões? É pouco provável, porque quase todos temos opiniões.
Quem dá conselhos admira a sua experiência; mas sobretudo acredita que tal experiência falta aos outros. Termos sido qualquer coisa, mãe, futebolista, ou ministro, convence-nos de deficiências alheias: mesmo que não tenhamos sido bem essa coisa, ou sido essa coisa bem. Mas a admiração que eu tenho pela minha experiência também não é suficiente para explicar que eu dê tantos conselhos; podia perfeitamente ser saciada a falar de mim próprio, sobretudo se o fizesse de modo favorável. Apesar de quem dá conselhos falar com frequência de si próprio de modo favorável, dar conselhos é uma actividade de tipo diferente; requer a existência de outras pessoas.
O autor da letra do hino “A Treze de Maio” explicou num outro poema infeliz que, entre várias coisas, gostava de dar conselhos a rapazes novos. A existência de rapazes mais novos era-lhe imprescindível à actividade de aconselhamento. É uma tradição antiga: os conselhos que os mais velhos dão fazem-nos sentir mais importantes; ou fazem-nos pelo menos esquecer de que são mais velhos. Isto explica talvez que pessoas que já foram várias coisas gostem tanto de dar conselhos: e que os conselhos mais característicos venham de pessoas que já foram outras coisas.
O que é, no entanto, característico num conselho? Alguns autores chamaram a atenção para o tom de ameaça velada que se nota tantas vezes na voz e nos gestos. Não é prático para transmitir motivações altruístas; e não pode concebivelmente ser usado para causar boa impressão nos mais novos. É pelo contrário um tom de quem depois de ter detectado problemas, e na sua qualidade de pessoa que foi anteriormente qualquer coisa, expõe agora as soluções: é o tom de quem sabe como se fazem as coisas, e sobretudo o de quem não imagina que mais alguém as saiba fazer.
Dar conselhos requer essencialmente vontade de pôr o próximo no seu lugar; para quem os dá, o lugar natural do próximo é o lugar de quem não sabe que nada sabe; e dar conselhos requer ainda que aquela vontade se exprima com desembaraço. É por isso talvez que o próximo retribui os conselhos que recebe com ingratidão; que os futebolistas não ouvem os antigos ministros; que os filhos não ouvem as antigas mães; e que o mundo não ouve os portugueses. Para os outros, de facto, os nossos conselhos tendem a ser tendenciosos; a nossa tendência principal, queixam-se eles, são as nossas próprias opiniões.
Miguel Tamen
2/9/2016, 0:31
Observador
Como se não fosse suficiente todos termos opiniões, a maioria de nós ainda dá conselhos. Antigos futebolistas dão conselhos a futebolistas; antigas mães dão conselhos a filhos; antigos políticos dão conselhos a futebolistas; os portugueses dão conselhos ao mundo. Um conselho pressupõe o benefício da nossa opinião, a ser ministrado a quem imaginamos que dela precise. Será que os damos simplesmente porque temos opiniões? É pouco provável, porque quase todos temos opiniões.
Quem dá conselhos admira a sua experiência; mas sobretudo acredita que tal experiência falta aos outros. Termos sido qualquer coisa, mãe, futebolista, ou ministro, convence-nos de deficiências alheias: mesmo que não tenhamos sido bem essa coisa, ou sido essa coisa bem. Mas a admiração que eu tenho pela minha experiência também não é suficiente para explicar que eu dê tantos conselhos; podia perfeitamente ser saciada a falar de mim próprio, sobretudo se o fizesse de modo favorável. Apesar de quem dá conselhos falar com frequência de si próprio de modo favorável, dar conselhos é uma actividade de tipo diferente; requer a existência de outras pessoas.
O autor da letra do hino “A Treze de Maio” explicou num outro poema infeliz que, entre várias coisas, gostava de dar conselhos a rapazes novos. A existência de rapazes mais novos era-lhe imprescindível à actividade de aconselhamento. É uma tradição antiga: os conselhos que os mais velhos dão fazem-nos sentir mais importantes; ou fazem-nos pelo menos esquecer de que são mais velhos. Isto explica talvez que pessoas que já foram várias coisas gostem tanto de dar conselhos: e que os conselhos mais característicos venham de pessoas que já foram outras coisas.
O que é, no entanto, característico num conselho? Alguns autores chamaram a atenção para o tom de ameaça velada que se nota tantas vezes na voz e nos gestos. Não é prático para transmitir motivações altruístas; e não pode concebivelmente ser usado para causar boa impressão nos mais novos. É pelo contrário um tom de quem depois de ter detectado problemas, e na sua qualidade de pessoa que foi anteriormente qualquer coisa, expõe agora as soluções: é o tom de quem sabe como se fazem as coisas, e sobretudo o de quem não imagina que mais alguém as saiba fazer.
Dar conselhos requer essencialmente vontade de pôr o próximo no seu lugar; para quem os dá, o lugar natural do próximo é o lugar de quem não sabe que nada sabe; e dar conselhos requer ainda que aquela vontade se exprima com desembaraço. É por isso talvez que o próximo retribui os conselhos que recebe com ingratidão; que os futebolistas não ouvem os antigos ministros; que os filhos não ouvem as antigas mães; e que o mundo não ouve os portugueses. Para os outros, de facto, os nossos conselhos tendem a ser tendenciosos; a nossa tendência principal, queixam-se eles, são as nossas próprias opiniões.
Miguel Tamen
2/9/2016, 0:31
Observador
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