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Economia para Totós
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Economia para Totós
As eleições europeias do passado Domingo não me deixam muito a dizer. A noite eleitoral foi rápida e sem grande novidade face ao esperado. Tirando Marinho e Pinto (fui ver à CNE, é mesmo com "e") ninguém teve grande vitória e ao mesmo tempo o resultado da coligação não foi tão pesado assim (ainda que eu tenha ficado com muita pena, até pessoal, de não termos eleito a oitava candidata). A noite acabou cedo, fruto do bom trabalho no apuramento dos resultados nacionais, e a reflexão será feita, ou não, por cada força política.
E não há muito mais a dizer porque o caso da noite ficou adiado para terça-feira, com o anúncio de António Costa e tudo o que se lhe está a seguir. Não é que isso não seja relevante, está na cara e nas capas da imprensa que é, mas eu não me vou pôr a comentar a vida interna de outro partido. E portanto fico me por aqui deixando um abraço muito grande a todas as pessoas do CDS, do PSD e de fora dos partidos com quem trabalhei no decorrer desta campanha. Tínhamos merecido mais, mas a luta continua.
E se a actualidade anda presa pela vida interna do PS, deixem-me falar dum livro que comprei na segunda-feira cuja leitura atenta ajuda a deslindar alguns dos problemas com os quais o país e a Europa se debatem.
Falo de "O Economista Insurgente", do Miguel Botelho Moniz, do Carlos Guimarães Pinto e do Ricardo Gonçalves Francisco. E o primeiro comentário é em jeito de disclaimer: também eu era membro do Colectivo Insurgente apesar de, por vontade própria, mais ou menos desaparecido desde que entrei na vida política mais activa.
Bastiat
Estão (estiveram?) na moda os livros de Economia para leigos, dos quais o representante recente mais conhecido é o Freakonomics de Levitt e Dubner (saíram já três livros na colecção), entre outros. Mas vale a pena recordar uma versão bem mais antiga do tipo "Economia Para o Povo": a do deputado-economista francês Fredéric Bastiat, que certamente inspirou os autores "insurgentes", " Ce qu'on voit et ce qu'on ne voit pas ".
Numa altura em que está na ribalta um tal de Piketty (o novo Krugman), é importante lembrar que houve pensadores franceses que estiveram na origem do pensamento económico liberal moderno. Bastiat, na Assembleia Legislativa francesa do pós-1848, foi um notável pensador que se destacou por explicar duma forma simples alguns fenómenos económicos.
E é também bom lembrar que a Economia não é uma ciência preditiva. É uma ciência social, que procura explicar os fenómenos que governam a utilização, pelo Homem, dos bens (escassos) que o rodeiam. Essas explicações podem ser depois ser aproveitadas para fazer previsões, mas como se tem visto o sucesso nesse campo tem-se mantido modesto.
Bastiat concentrou-se em explicar metaforicamente alguns fenómenos económicos, tendo ficado famosa a sua história sobre a Janela Partida que cabe nesta crónica: um rapazinho parte a janela duma padaria, deixando o padeiro furioso; dos mirones que se juntaram, no entanto, rapidamente uma voz (do pai do rapaz?) se ouve: "bom, nem tudo é mau: sem janelas partidas o vidreiro não tinha negócio e agora vai ter o que fazer e gasta os cinco francos que recebe do padeiro em sapatos e põe a economia a andar"; a multidão dispersa mais satisfeita por ver a economia a avançar.
Bastiat diz que este efeito, aparentemente positivo, duma janela partida é apenas o lado visível do acontecimento. Do lado invisível ficam as despesas com os cinco francos que o padeiro poderia ter feito se a janela não se tivesse partido - nos tais sapatos ou doutra forma que o satisfizesse melhor. Ou por outra: antes do acidente havia uma janela intacta e cinco francos para gastar (pelo padeiro). Após o acidente ficamos apenas com cinco francos (a gastar pelo vidreiro) e um monte de cacos. A economia como um todo perdeu uma janela intacta.
Tendo morrido cedo, Bastiat foi ainda assim um importante pensador, particularmente pela abordagem simples à Economia que hoje é popularizada em best-sellers internacionais. Hoje o seu trabalho está disponível de forma gratuita à distância de um clique .
Hazlitt
Inspirado por Bastiat, quase cem anos depois o jornalista norte-americano Henry Hazlitt publica " Economics in One Lesson ". A dita lição é partilhada logo no início: o economista deve olhar para os efeitos a longo prazo, e não apenas para o imediato. E deve analisar as consequências dos actos ou políticas em toda a população e não apenas para nalguns grupos.
O resto do livro consiste em dar o exemplo de algumas políticas que o autor analisa olhando para os seus efeitos agregados: salário mínimo, controlo de rendas, pleno emprego, tarifas alfandegárias, pouco escapa do olhar atento de Hazlitt. Em todas encontra aparentes efeitos positivos e escondidos efeitos negativos.
Hazlitt partilha e época em que vive com economistas bem mais académicos como o nobelizado Hayek, que desenvolve no "Constitution of Liberty" o verdadeiro programa económico e político da escola liberal. Nem por isso é menos útil o trabalho do norte-americano, que utiliza linguagem simples e exemplos do dia-a-dia para levar água ao seu moinho.
O leitor menos familiarizado com o seu trabalho estará aliás a estranhar: "Que raio há a desmontar no salário mínimo?". Hazlitt desenvolveu bem o tema, mas o livro de que falo também aborda o tema.
O Economista Insurgente
[url=http://www.esferadoslivros.pt/livros.php?id_li= 409]Neste livro[/url] recentemente editado os autores dão uma visão portuguesa sobre a economia e fazem um trabalho muito interessante usando uma espécie de maiêutica - técnica usada por Sócrates, o bom - para lançar alguma reflexão em temas que em Portugal são aparentemente consensuais.
Em 101 perguntas procuram explicar porque é que Portugal (mas na verdade as questões colocam-se em menor ou maior grau em toda a Europa) é como é. Tocando alguns temas enunciados por Bastiat e Hazlitt, o livro é desde logo pertinente ("Porque é que os projectos que se pagam a si mesmo arruínam o país?"), actual ("Porque é que os empresários não gostaram da ideia de pagar menos TSU?"), provocador ("Quem representa os desempregados na Concertação Social?") e, no meu caso, gerador de introspecção ("Porque é que temos políticos tão maus?") - e não se fique o leitor a rir que professores, médicos, banqueiros e os eleitores em geral também levam por tabela.
Um livro assim pode parecer à partida paternalista ou (face ao estado do país) pessimista. Não acho. Lançar este tipo de debates é não só útil como pedagógico. É fácil discordar-se de quem diz que o aumento do Salário Mínimo traz consequências negativas para a Economia, mas os autores justificam o que escrevem e não se saem nada mal a fazê-lo.
A conclusão que se retira não é diferente da de Bastiat, há mais de 150 anos: é preciso olhar para os efeitos visíveis e invisíveis das políticas. Que é o mesmo que dizer que não há almoços grátis. E se os empregos que não são criados por uma acção estatal - geralmente muito bem-intencionada - não têm sindicato nem lóbi que os defenda, então cabe aos economistas apontar esse potencial inibidor da actividade económica. Os autores pretendem alargar os horizontes do debate político e económico fazendo esse papel de advogados do diabo - no sentido em que o diabo está nos detalhes e o bom economista deve estar atento aos ditos.
O livro está nas bancas, os autores escrevem no Insurgente .
Michael Seufert |
7:00 Quinta, 29 de Maio de 2014
Expresso
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