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Mensagem por Admin Qua Out 05, 2016 11:36 am

Não parece avisado construir um futuro sem conhecer o passado de qualquer Estado, tendo presentes a sua população e mudanças de relação desta com a estrutura política evolutiva, avaliando as instituições que sobreviveram às mudanças, e por isso são elos da identidade que sobrevive, persiste, enriquece-se, perde costumes e práticas, mas não perde memória.

Esta memória, que se chama história, não pode ser submetida ao regime do benefício de inventário que o direito criou para os patrimónios familiares. Não pode o povo apagar a memória das violências da Revolução Francesa, nem os custos humanos da gesta napoleónica, como não pode a cristandade das monarquias europeias esquecer e apagar as testemunhas da Inquisição, como o Ocidente não tentará ignorar o passivo da colonização, porque não existe o benefício de inventário, que permitiria reduzir a ação apenas ao conceito de "Europa luz do mundo", tendo em vista a implantação, onde foi possível, dos valores dos direitos humanos, do mundo único, da terra morada comum de todos os homens, do desenvolvimento sustentado como novo nome da paz.

Este é um ativo, emergência desse complexo passado, que vai acomodando em nossos dias o passivo em relação aos propósitos, as violações em relação aos valores anunciados, uma contabilidade de épocas que a geração a seguir receberá sem benefício de inventário. Mas espera-se que, sem omitir o ativo das emergências, imaginem caminhos para não cometer os erros do passado cuja memória os adverte e ensina, e nisso também prestam um serviço.

Não é uma tarefa sem dificuldades entender, manter e separar a recordação dos erros das emergências honrosas, porque a história é de regra escrita pelos vencedores, com omissão dos custos humanos que não distinguem entre vencidos e ganhadores, mas a dificuldade é agravada quando a destruição dos vestígios, de ambas as correntes, são destruídos, em função de um ocasional projeto de limpeza da memória em nome de uma conceção do mundo e da vida que inventa um regime apenas a benefício de inventário.

Uma atitude que pode ocorrer a quem decide destruir a memória dos campos de concentração, ou das destruições das últimas guerras mundiais, ou dos excessos coloniais, ou que assinalaram os projetos e êxitos da fixação das fronteiras geográficas de uma nação. Nenhum país ou povo, e por isso também Portugal, deixa de se empobrecer quando de qualquer modo apaga os testemunhos da história vivida, com ativo e passivo, e felizmente com emergências notáveis, inscritas no Património Comum da Humanidade, cuidado da UNESCO.

Se a Europa decidisse eliminar os monumentos, incluindo designações de praças, ruas e jardins, dos tempos em que dominou, explorou, e também fez progredir, o euromundo colonial, o deserto da memória substituía séculos de história, incluindo as emergências que lhe devem, com sangue, lágrimas, violência, mas também com devoção, sacrifícios, inteligência, e santidade. Aprendendo a reconhecer que os povos que tratou como "outros", finalmente lhe ensinaram a substituir a tolerância pelo respeito, o combate pelo diálogo, e a cooperação que levou à conceção do património comum da humanidade.

Um património também comum no recurso à violência no passado de todos e cada um, mas igualmente comum nas tentativas específicas de entender os desafios de estar no mundo, com partilha da ignorância das origens, a diversidade de experiências e desilusões. Olhando para o que nos tornou neste mundialismo, e, para não deixar de falar de flores, o Império existiu, Lisboa foi dele capital, os erros ocidentais foram partilhados, mas as flores até nos cemitérios lembram a esperança num futuro melhor, sem benefício de inventário.

É por isso inquietante que, numa época de conflitos armados "em toda a parte", seja no próprio Ocidente que a incapacidade de encontrar conciliação de interesses se manifeste tão frequentemente e que, depois de duas guerras mundiais que consolidaram a articulação atlântica entre a Europa e os EUA, esteja rodeada de dificuldades, que apontam para a impossibilidade, de negociar o Tratado entre a Europa e a América, por até no "credo do mercado" terem diferenças de conceitos que não venceram em três anos de negociações. O que se passa na luta pela presidência dos EUA, ganhe quem ganhar, deixará um país dividido, ao mesmo tempo que a União Europeia enquanto negoceia formalmente unida multiplica as fraturas internas. Qualquer das entidades tem um passado em comum que lhes aconselha a não receber essa experiência a benefício de inventário, mas antes mantendo a memória para construir um futuro solidário capaz de contribuir para finalmente ordenar em paz o turbilhão a que foi conduzida a governança global.

A fixação na indiscutível gravidade da crise económica e financeira, que designadamente incluiu os fatores contrários à consolidação da unidade europeia e ocidental, não pode ser tão absorvente das preocupações dos que ocupam posições de decidir, que descurem as interdependências globalizadas e que por uma vez não estão ausentes da crise económica e financeira. Por importante e essencial para cada governo o interesse do povo que lhe aconteceu dirigir, nenhum pode deixar de meditar seriamente no facto de o globalismo, por muito que ignorem a sua total complexidade, fazer parte da circunstância que afeta toda e qualquer estrutura nacional.

Estamos a celebrar o centenário da Utopia (1516) devida ao T. Morus que João Paulo II proclamou Santo Protetor de governantes e parlamentares. Mas não foi identificada a ilha num tempo em que o globalismo se iniciava, quando o condenaram à morte pela fidelidade à autenticidade. O desafio principal do globalismo é encontrar a ilha, mesmo com a dificuldade de ser indispensável, não apenas recolher os princípios, mas conseguir que vigorem. A SDN, a ONU e a própria União Europeia proclamaram muitos dos princípios. Mas ainda não encontraram a ilha.

05 DE OUTUBRO DE 2016
00:00
Adriano Moreira
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