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"Servem-se do ambiente para o negócio. É tudo a pensar no dinheiro"
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"Servem-se do ambiente para o negócio. É tudo a pensar no dinheiro"
Heloísa Apolónia é a entrevistada desta semana do Vozes ao Minuto.
Entrou no Parlamento, eleita pela primeira vez, em 1995, tinha apenas 26 anos. Volvidos mais de 20 anos, não há quem não associe Heloísa Apolónia ao partido ecologista Os Verdes, que desde 1987 vai a votos coligado com o PCP, formando a CDU. Na primeira parte da entrevista ao Notícias ao Minuto, a líder d'Os Verdes destacou que sem a união à Esquerda que sustenta o Governo, o Partido Socialista estaria "sozinho" e "igual a si próprio", tendendo sempre para a Direita. Nesta segunda parte, centra o seu discurso no ambiente, lamentando que no centro de tudo esteja a finança e que esta se aproveite, não raras vezes, de causas ambientais para gerar negócios.
Recuando um pouco no tempo, para muita gente, a Heloísa é a cara dos Verdes, já passou um terço da vida no Parlamento. Precisamente 21 anos. Lembra-se de quando começou a ter consciência ambiental?
A consciência ambiental ganhei-a depois de entrar para os Verdes, curiosamente. E a causa que me chama para os Verdes é a causa em particular anti-nuclear que vejo numa iniciativa do partido na Baixa de Lisboa, tinha 17, 18 anos.
Despertou-me muito a atenção. E é já dentro dos Verdes que se espalha a consciência ambiental para outras áreas, incluindo a perceção de que a nossa lógica de desenvolvimento e construção de uma sociedade implica vários pilares - o social, o económico e o ambiental - e a inteligência de integrar todos esses pilares e de os interrelacionar com a consciência de que os recursos naturais são finitos e de que há outras gerações que aí vêm que precisam também de os usar. E portanto, usar a natureza em função da própria capacidade da natureza e da sua capacidade de regeneração, essa aprendizagem fi-la nos Verdes.
Então, poder-se-á dizer que a consciência ambiental surgiu depois da política?
Sim, posso dizer isso. Tinha já participado muito no movimento estudantil antes de ter entrado nos Verdes.
Na altura que entrou para os Verdes, tinha aquela ideia de 'querer mudar o mundo' como é próprio da idade?
Não eu sozinha. Mas sabia que poderia ser um elo de transformação dentro dos próprios Verdes. Foi também uma aprendizagem que fiz durante o movimento estudantil. A ideia de que um elo pode ajudar um coletivo a fazer a mudanças.
E tem-se dececionado ao longo destes anos?
Tenho-me dececionado com políticas, isso sim. Mas considero que os Verdes são um projeto extraordinamente importante para promover essa transformação a partir também de uma ação e de uma formação. Nós fazemos muito trabalho de rua, promovemos um grande trabalho de sensibilização de pessoas que esperamos que, depois, se transporte também numa exigência para os decisores políticos.
Em relação à consciência ambiental dos deputados da Assembleia? Não há um certo menosprezo das questões ligadas ao ambiente e à natureza?
Quando falamos de consciência ambiental, não podemos desintegrar isso da nossa componente ideológica. Quando há deputados que pertencem a determinados partidos políticos que têm um determinado pensamento ideológico da sociedade em que há certos interesses tão centrais, tão centrais, que tudo o resto tem de se subordinar a eles. E claramente, os partidos que se têm alternado no governo, a Direita em particular, tem muito a noção de que o centro do universo das sociedades é o sistema financeiro e que tudo o resto gira em torno do sistema financeiro. E nós não temos essa perspetiva, por isso é que chocamos muito aqui ideologicamente. O sistema financeiro deveria ser um meio para ajudar ao desenvolvimento de tudo o resto. E tudo o resto é que deveria ser o centro. As condições sociais da vida das pessoas e a sustentabilidade do ambiente, isso é que devia ser o centro e depois a economia e a finança é que deveria trabalhar para servir esse centro.
Servem-se muitas vezes do ambiente para, de acordo com o próprio pensamento, formar negócio. Produtos geneticamente modificados, venham, privatização da água, privatização dos resíduos, venham. Fiscalidade ambiental, venha ela. É tudo a pensar na lógica do dinheiro, sempre sempre
A Finança é o grande entrave à aceitação dos projetos-lei de cariz ambiental?
Não é isso. É depois a lógica de como os partidos veem a sociedade. Não quero dizer que os deputados dos outros partidos não achem o ambiente importante. Há outras coisas mais importantes. Não têm é a consciência de que, quando falamos de ambiente, também é da nossa própria sustentabilidade que estamos aqui a falar.
Economicamente, há uma quantidade de serviços de ecossistemas que nos prestam a nós humanidade, como por exemplo, a regulação de cheias, a protecção do território, a consolidação de arribas, que nos prestam serviços em termos de segurança. Se nós degradarmos esses ecossistemas, estamos a diminuir a capacidade do ecossistema prestar esses serviços. Ficamos mal porque precisamos deles. Aquilo que fizemos relativamente ao litoral, para falar da regulação das cheias e da proteção da nossa costa, foi um absoluto desastre.
E mesmo para quem tem a lógica da finança, andamos a gastar milhões e milhões e milhões no litoral, quando a natureza estava preparada para nos salvaguardar e nós destruímos tudo, para construir com betão, porque precisávamos ter acesso às praias mais facilmente, então abrimos as dunas todas. E agora, estamos a pagar, literalmente (300 milhões num ano, 100 noutro), para compor o litoral. E a natureza servia-nos tão bem
Quais são as bandeiras dos Verdes para esta legislatura e aquelas que lhe daria mais prazer ver concluídas?
Impedir a privatização das Águas de Portugal, o processo legislativo está quase concluído. Amianto, continuamos a trabalhar nisso. Existem ainda muitos edíficios com amianto. Estamos também a dar prioridade à matéria da floresta e da garantia da não expansão da área do eucalipto. Na área da conservação da natureza, insistimos muito perante o Governo para a necessidade do reforço dos corpos de fiscalização. Já temos a garantia do Governo de que no Orçamento do Estado haverá um reforço. Não será aquele que nós queremos, mas será um contributo que já é importante. Porque sem meios não há resultados. O governo anterior diminuiu muito os funcionários públicos. Quando se diminuem os funcionários públicos, significa que estamos a afetar a forma de funcionar desses serviços.
E os contratos de exploração de petróleo e gás natural na costa algarvia e alentejana?
Evidentemente. A questão dos contratos de exploração de petróleo no Algarve e no Alentejo continua a ser uma luta nossa. É uma luta profundamente justa. Ainda se se pudesse dizer "o Algarve é afetado mas o Estado ganha muito com isso"... mas o Estado não ganha nada. Mesmo na perspetiva desta gente que só pensa nos números, o Estado não ganha rigorosamente nada. As contrapartidas e os 'royalties' são uma coisa mínima. Quem ganha evidentemente são as empresas, se lá descobrirem alguma coisa. Ora, mas nós temos que pensar que tipo de desenvolvimento queremos: um Algarve com uma série de gruas a puxar petróleo e gás natural ou de facto um Algarve onde se procure promover aos poucos a sustentabilidade de um turismo que está completamente desordenado nalguns espaços, que é preciso que se ordene. A pesca, os mariscadores, os agricultores, mas nós queremos dar cabo disso tudo? Agora eles [Governo] dizem que permitem a pesquisa mas não a exploração. Ou seja, aquilo que o Governo diz é que é importante conhecer os nossos recursos. Com que objetivo? As empresas não são parvas nem altruístas. Não vão pesquisar para depois não explorar.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.
POR NOTÍCIAS AO MINUTO
11:40
Notícias ao Minuto
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