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Mudemos de conversa
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Mudemos de conversa
As forças políticas independentistas anunciaram a sua intenção de utilizar as instituições da Generalitat para realizarem um referendo de secessão em setembro de 2017. A proposta é um passo mais no estéril e frustrante caminho iniciado há quatro anos, quando o presidente Mas decidiu, num grave abuso de poder, usar todos os recursos ao seu alcance para forçar a criação de um novo Estado. O empenho sempre foi em vão, mas nenhuma sociedade permanece indemne, e menos em tempos de crise, ao embriagador apelo de começar tudo de novo. Por sorte, a sociedade catalã e a espanhola, no seu conjunto, demonstraram ser maduras, e, em geral, conseguiram resistir à tensão e às políticas divisórias de um poder público, o da Generalitat, que parece ter deixado de servir os interesses do conjunto da população e, sem dúvida, esqueceu o sentido da palavra pluralismo.
É, portanto, evidente, que a soberania porfia. Em vez de se abrir à possibilidade de alcançar acordos justos e sensatos, prefere consumir a energia de todos nós e manter viva a chama de um processo sustido nos ombros de uma minoria - vasta, mas minoria - ativa e persistente. Face a tal insistência, encontro-me no dever e com a responsabilidade de reiterar que a secessão é inviável. É-o, primeiramente, sob um ponto de vista legal. Não há nenhuma Constituição democrática no mundo que reconheça o direito de autodeterminação (exceto a da Etiópia e a de São Cristóvão e Nevis, duas ilhas antilhanas que partilham Estado). A União Europeia, que prevê nos seus Tratados o abandono dos Estados membros, não reconhece, no entanto, a possibilidade de que uma região se possa tornar uma nação soberana e passe a ser automaticamente membro de pleno direito da organização. Com o brexit estamos a descobrir que as normas comunitárias existem para ser cumpridas sem concessões políticas e devaneios jurídicos. Por último, é doutrina assumida e pacífica do direito internacional que a regulamentação da autodeterminação prevista pela ONU está exclusivamente pensada para situações coloniais e de grave violação dos direitos fundamentais, situação que é inaplicável a um país democrático e de traços federais como é Espanha.
As forças independentistas sabem tudo isto, mas fantasiam com provocar cenários irredentos em que a força legislativa dos factos ultrapasse os diques da legalidade constitucional, comunitária e internacional. Sinto desanimá-los também neste empenho. Espanha é uma democracia consolidada, com uma força institucional inegável. Como recordou não há muito tempo um ministro do Interior socialista, quem desafia o Estado, perde. O nosso país também não é uma URSS ou uma moribunda Jugoslávia. Muito pelo contrário: é um destacado membro e contribuinte das Nações Unidas, NATO, OSCE e Conselho da Europa, signatário das mais prestigiosas convenções de direito internacional e em matéria de direitos humanos; em suma, um Estado respeitado e, atrevo-me até a dizer, que estimado em todo o mundo. Nenhum membro grande ou pequeno da comunidade internacional, por si refratária às secessões, se mostrará propenso ao reconhecimento de uma Catalunha independente.
Mas não nos devemos ficar apenas pelos aspetos legais. É também necessário insistir na falta do que poderíamos chamar a moralidade democrática do projeto promovido pelos independentistas. Porque se torna difícil aceitar que tudo consista em repetir consultas ilegais e eleições autonómicas até que o resultado seja o esperado pelos proponentes. E porque não é moralmente aceitável que em pleno século XXI, quando todos os debates democráticos se centram em torno de como garantir a inclusão das diferenças, na Catalunha se esteja a debater como separar politicamente os cidadãos em função da sua cultura, língua ou sentimento nacional. Como tantas vezes referiu o meu colega, ministro dos Negócios Estrangeiros do Canadá, o grande federalista Stéphane Dion, a secessão é um exercício anómalo em democracia, na medida em que nos obriga a decidir quais dos nossos companheiros, amigos e familiares se tornarão estrangeiros e quais continuarão a fazer parte da nossa comunidade política. Nenhuma sociedade merece passar por esse trauma.
Portanto, se algum órgão da Generalitat insistir em optar de novo por esta via, o governo de Espanha atuará sabendo que tem do seu lado não só a legalidade, mas também a moralidade democrática em que esta assenta. Espanha é um pro indiviso, uma comunidade democrática que permite exercer os direitos de forma igualitária e criar as oportunidades necessárias para que todos os cidadãos possam viver com um bem-estar equiparável a qualquer sociedade do nosso contexto. Nenhum partido, nenhuma instituição, nenhum órgão constituído, pode dispor da soberania atribuída ao povo espanhol no artigo 1.2 da Constituição: porque só a este corresponde decretar o seu futuro, de acordo com os meios formalmente previstos. Nenhum espanhol será expropriado dos seus direitos de cidadania na Catalunha, e nenhum catalão deixará de ser cidadão em todo o território espanhol.
Mas não devíamos estar condenados a repetir em 2017 as disputas, tensões e frustrações que temos acumuladas desde 2014. Mudemos para isso de conversa. O governo de Espanha, logo que se constitua e seja qual for, continuará aberto a dialogar sobre as questões para as quais possa haver acordo e resultados práticos para a sociedade catalã e para o conjunto da espanhola. Mas para que esta mudança de conversa se verifique, é imprescindível que o governo da Generalitat se apeie do seu desafio à legalidade democrática e volte à concórdia constitucional de 1978, no âmbito da qual a Catalunha e toda a Espanha prosperaram como nunca na sua história. O que proponho, em síntese, é seguir os versos de Salvador Espriu que apelam a um entendimento cordial, de coração: "Fes que siguin segurs els ponts del diàleg / i mira de comprendre i estimar / les raons i les parles diverses dels teus fills [Faz que sejam seguras as portas do diálogo /Tenta compreender e amar as razões e as diferentes linguagens dos teus filhos]."
Artigo publicado originalmente no jornal ABC e proposto ao DN pela Embaixada de Espanha em Portugal
* Ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol
15 DE OUTUBRO DE 2016
00:01
José Manuel García-Margallo
Diário de Notícias
É, portanto, evidente, que a soberania porfia. Em vez de se abrir à possibilidade de alcançar acordos justos e sensatos, prefere consumir a energia de todos nós e manter viva a chama de um processo sustido nos ombros de uma minoria - vasta, mas minoria - ativa e persistente. Face a tal insistência, encontro-me no dever e com a responsabilidade de reiterar que a secessão é inviável. É-o, primeiramente, sob um ponto de vista legal. Não há nenhuma Constituição democrática no mundo que reconheça o direito de autodeterminação (exceto a da Etiópia e a de São Cristóvão e Nevis, duas ilhas antilhanas que partilham Estado). A União Europeia, que prevê nos seus Tratados o abandono dos Estados membros, não reconhece, no entanto, a possibilidade de que uma região se possa tornar uma nação soberana e passe a ser automaticamente membro de pleno direito da organização. Com o brexit estamos a descobrir que as normas comunitárias existem para ser cumpridas sem concessões políticas e devaneios jurídicos. Por último, é doutrina assumida e pacífica do direito internacional que a regulamentação da autodeterminação prevista pela ONU está exclusivamente pensada para situações coloniais e de grave violação dos direitos fundamentais, situação que é inaplicável a um país democrático e de traços federais como é Espanha.
As forças independentistas sabem tudo isto, mas fantasiam com provocar cenários irredentos em que a força legislativa dos factos ultrapasse os diques da legalidade constitucional, comunitária e internacional. Sinto desanimá-los também neste empenho. Espanha é uma democracia consolidada, com uma força institucional inegável. Como recordou não há muito tempo um ministro do Interior socialista, quem desafia o Estado, perde. O nosso país também não é uma URSS ou uma moribunda Jugoslávia. Muito pelo contrário: é um destacado membro e contribuinte das Nações Unidas, NATO, OSCE e Conselho da Europa, signatário das mais prestigiosas convenções de direito internacional e em matéria de direitos humanos; em suma, um Estado respeitado e, atrevo-me até a dizer, que estimado em todo o mundo. Nenhum membro grande ou pequeno da comunidade internacional, por si refratária às secessões, se mostrará propenso ao reconhecimento de uma Catalunha independente.
Mas não nos devemos ficar apenas pelos aspetos legais. É também necessário insistir na falta do que poderíamos chamar a moralidade democrática do projeto promovido pelos independentistas. Porque se torna difícil aceitar que tudo consista em repetir consultas ilegais e eleições autonómicas até que o resultado seja o esperado pelos proponentes. E porque não é moralmente aceitável que em pleno século XXI, quando todos os debates democráticos se centram em torno de como garantir a inclusão das diferenças, na Catalunha se esteja a debater como separar politicamente os cidadãos em função da sua cultura, língua ou sentimento nacional. Como tantas vezes referiu o meu colega, ministro dos Negócios Estrangeiros do Canadá, o grande federalista Stéphane Dion, a secessão é um exercício anómalo em democracia, na medida em que nos obriga a decidir quais dos nossos companheiros, amigos e familiares se tornarão estrangeiros e quais continuarão a fazer parte da nossa comunidade política. Nenhuma sociedade merece passar por esse trauma.
Portanto, se algum órgão da Generalitat insistir em optar de novo por esta via, o governo de Espanha atuará sabendo que tem do seu lado não só a legalidade, mas também a moralidade democrática em que esta assenta. Espanha é um pro indiviso, uma comunidade democrática que permite exercer os direitos de forma igualitária e criar as oportunidades necessárias para que todos os cidadãos possam viver com um bem-estar equiparável a qualquer sociedade do nosso contexto. Nenhum partido, nenhuma instituição, nenhum órgão constituído, pode dispor da soberania atribuída ao povo espanhol no artigo 1.2 da Constituição: porque só a este corresponde decretar o seu futuro, de acordo com os meios formalmente previstos. Nenhum espanhol será expropriado dos seus direitos de cidadania na Catalunha, e nenhum catalão deixará de ser cidadão em todo o território espanhol.
Mas não devíamos estar condenados a repetir em 2017 as disputas, tensões e frustrações que temos acumuladas desde 2014. Mudemos para isso de conversa. O governo de Espanha, logo que se constitua e seja qual for, continuará aberto a dialogar sobre as questões para as quais possa haver acordo e resultados práticos para a sociedade catalã e para o conjunto da espanhola. Mas para que esta mudança de conversa se verifique, é imprescindível que o governo da Generalitat se apeie do seu desafio à legalidade democrática e volte à concórdia constitucional de 1978, no âmbito da qual a Catalunha e toda a Espanha prosperaram como nunca na sua história. O que proponho, em síntese, é seguir os versos de Salvador Espriu que apelam a um entendimento cordial, de coração: "Fes que siguin segurs els ponts del diàleg / i mira de comprendre i estimar / les raons i les parles diverses dels teus fills [Faz que sejam seguras as portas do diálogo /Tenta compreender e amar as razões e as diferentes linguagens dos teus filhos]."
Artigo publicado originalmente no jornal ABC e proposto ao DN pela Embaixada de Espanha em Portugal
* Ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol
15 DE OUTUBRO DE 2016
00:01
José Manuel García-Margallo
Diário de Notícias
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