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Amámos sempre a Natureza, como devíamos
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Amámos sempre a Natureza, como devíamos
Não sendo a salvação da minha alma uma preocupação fundamental, a casa de Moledo serviu, ao longo dos anos, como um retiro para os anos da reforma e da velhice, escondido da estrada e recolhido à nobreza antiga dos seus outonos plácidos e teatrais.
O horizonte da Ínsua, diante do areal branco de Moledo, e a floresta de pinhais esplêndidos são o palco dessa grandeza. Eu vim para esse espectáculo. O propósito era honesto e sem subterfúgios; a morte é um obstáculo intransponível e inevitável, e falar dela não me condói nem assusta. Num mundo que se julga destinado a atravessar os umbrais da eternidade, fadado para grandes destinos, a morte é um tabu vergonhoso – eu represento um mundo cheio de mortos, de pessoas que amei e que foram desaparecendo até não restarem senão retratos e eu próprio como testemunha desse tempo. São pessoas amáveis, mas desaparecidas; sou um sobrevivente da minha própria vida.
Os meus sobrinhos, que se tornaram também frequentadores da casa, vêem-na como um albergue. E eu devia considerar-me nessas longas tardes de Outono, como um exemplo da velha fidalguia rural (e parte desse albergue), ignorada e confinada às suas memórias, obstinações e teimosias, um reduto da suavíssima mediocridade das províncias de antanho.
Hoje, a Natureza é uma espécie de obsessão que vejo nos jornais e suspeito pela televisão. Pessoas suspeitas de não conhecerem mais do que as estampas de um jardim botânico invectivam-me a viver de acordo com a Natureza, a consumir produtos biológicos e a respeitar a floração das macieiras. Os conservadores de outrora eram conservadores porque viviam de acordo com a presença da Natureza (que protegiam como uma herança dos antepassados), a consumir os melhores frutos da terra e a respeitar as estações do ano. Um conservador de outrora respeita as árvores e conhece-as; não deixa que o progresso se aproxime, com o seu odor de betão e modernidade, das dunas onde o mar de Moledo foi uma espécie de beleza intacta, perfeita, disponível – uma graça de Deus e do planisfério da Terra. Ruínas que se veneram porque já foram edifícios esplendorosos, e perdas, e sombras de arvoredos, e jardins que servem de consolo à passagem do tempo são o território dessa alma conservadora que não esperou por nutricionistas que me querem obrigar a ingerir quinoa cozida. Amámos sempre estas sombras.
Por António Sousa Homem|23.10.16
Correio da Manhã
O horizonte da Ínsua, diante do areal branco de Moledo, e a floresta de pinhais esplêndidos são o palco dessa grandeza. Eu vim para esse espectáculo. O propósito era honesto e sem subterfúgios; a morte é um obstáculo intransponível e inevitável, e falar dela não me condói nem assusta. Num mundo que se julga destinado a atravessar os umbrais da eternidade, fadado para grandes destinos, a morte é um tabu vergonhoso – eu represento um mundo cheio de mortos, de pessoas que amei e que foram desaparecendo até não restarem senão retratos e eu próprio como testemunha desse tempo. São pessoas amáveis, mas desaparecidas; sou um sobrevivente da minha própria vida.
Os meus sobrinhos, que se tornaram também frequentadores da casa, vêem-na como um albergue. E eu devia considerar-me nessas longas tardes de Outono, como um exemplo da velha fidalguia rural (e parte desse albergue), ignorada e confinada às suas memórias, obstinações e teimosias, um reduto da suavíssima mediocridade das províncias de antanho.
Hoje, a Natureza é uma espécie de obsessão que vejo nos jornais e suspeito pela televisão. Pessoas suspeitas de não conhecerem mais do que as estampas de um jardim botânico invectivam-me a viver de acordo com a Natureza, a consumir produtos biológicos e a respeitar a floração das macieiras. Os conservadores de outrora eram conservadores porque viviam de acordo com a presença da Natureza (que protegiam como uma herança dos antepassados), a consumir os melhores frutos da terra e a respeitar as estações do ano. Um conservador de outrora respeita as árvores e conhece-as; não deixa que o progresso se aproxime, com o seu odor de betão e modernidade, das dunas onde o mar de Moledo foi uma espécie de beleza intacta, perfeita, disponível – uma graça de Deus e do planisfério da Terra. Ruínas que se veneram porque já foram edifícios esplendorosos, e perdas, e sombras de arvoredos, e jardins que servem de consolo à passagem do tempo são o território dessa alma conservadora que não esperou por nutricionistas que me querem obrigar a ingerir quinoa cozida. Amámos sempre estas sombras.
Por António Sousa Homem|23.10.16
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