Selva sem ética

1. A "Selva" foi desmantelada com sucesso. Quem acredita nas palavras de François Hollande? Nem o próprio, muito provavelmente. O gigante acampamento de Calais desapareceu, é verdade. O problema, enorme, persiste. Avoluma-se. As imagens divulgadas, durante o fim de semana, não permitem qualquer ilusão. Centenas de tendas de campismo irrompem nas ruas de Paris, nas margens do Sena, sob os viadutos da grande cidade. Milhares, homens sós, famílias inteiras, vivem ali - à espera de uma oportunidade.

Tanto o presidente francês como o ministro do Interior deixaram já claro que os acampamentos não serão tolerados, embora as autoridades municipais tenham instalado duches junto às tendas para dar as mínimas condições de salubridade a quem não tem um teto. Mas as declarações ao mais alto nível demonstram que o jogo do gato e do rato está prestes a começar.

Estes cidadãos sem teto e sem pátria serão empurrados para algures. Ao certo, ninguém sabe para que lugar. Milhares dos que saíram da "Selva" de Calais, o maior bairro de lata da Europa, foram para centros de acolhimento. Até quando? Não é isso que procuram. Outros milhares saíram antes do desmantelamento, para fugir a mais um campo de refugiados. A maioria desta gente, fugida da guerra e da fome, quer atravessar o canal e chegar ao Reino Unido. Saberão eles o que os espera, como as coisas mudaram nos últimos meses: irá Theresa May facilitar-lhes o sonho?

Não sabemos. Os migrantes chegados do Afeganistão, do Sudão, da Somália e da Eritreia, na sua maioria, ameaçam tornar ainda mais tensas as relações entre o Reino Unido e a União Europeia. Podem talvez atravessar a Mancha os que tiverem família do outro lado do canal; os restantes ficam a vaguear, a fintar as autoridades, a iludir o regresso ao local de onde fugiram. As consequências deste jogo, da Europa civilizada, a seu tempo serão conhecidas.

2. Durão Barroso não cometeu qualquer ilegalidade ao sair da presidência da Comissão Europeia diretamente para o Goldman Sachs. A lei nada lhe tem a apontar, pois todos os tratados foram respeitados, considerou o Comité de Ética, num parecer pedido por Jean-Claude Juncker. Isso não minimiza a forma, lamentável, como acaba a carreira. É precisamente um pouco de ética que falta à conduta de Barroso. Ontem, os antigos companheiros da Comissão Europeia trataram Barroso como um catraio, puxaram-lhe as orelhas como se fazia a menino mal comportado. O homem que presidiu aos destinos da Europa sofre de falta de sensatez e, por isso, causou danos na imagem da Comissão. Haverá pior maneira de acabar uma carreira que muitos classificaram como brilhante? Talvez não. E Barroso sai sem qualquer penalização financeira, graças a ter cumprido a lei. O que vale, afinal, a ética na Comissão Europeia de Barroso e Juncker?

Paula Ferreira, Editora-Executiva-Adjunta
Hoje às 00:05
Jornal de Notícias