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Separação das Águas
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Separação das Águas
Sim, Portugal sempre foi uma nação profundamente dividida entre uma visão Atlântica e uma visão Continental, por muito que hoje tal seja esquecido, ignorado ou propositadamente silenciado. Uma das virtudes da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar foi voltar a tornar isso bem patente. A bem do futuro.
José Marinho, segundo rezam as crónicas, parece que gostava de afirmar que Portugal subsistiria enquanto houvesse, pelo menos, 500 pessoas que soubessem pensá-lo. Não se sabe exactamente o porquê de tal número mas, curiosamente, se não nos falha a memória e muito não erramos, terá sido António Marques Bessa quem, muitos anos mais tarde, na sua tese, «Quem Governa?», resolvendo a célebre equação de Ray S. Cline para Portugal, chegou ao mesmo número para o núcleo decisivo de personalidades necessárias à defesa e continuação de Portugal.
Simples coincidência sem nada de científico, com certeza, mas sugestivo _ e tão mais sugestivo quanto, tendo passado ao longo dos dois dias de realização da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, mais de 500 pessoas, nessa mesma ordem de ideias, podemos ser levados a afirmar também que, tendo estado mais de 500 pessoas na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, o futuro de Portugal como Nação Atlântica ou Marítima está, de algum modo, assegurado.
Sim, bem sabemos como não deixarão de logo sublinhar os mais cépticos nada estar nunca verdadeiramente assegurado neste mundo. Bem o sabemos mas se nada está verdadeiramente assegurado de uma vez por todas neste mundo, o que também ficou bem patente ao longo da realização da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, foi uma clara separação de águas, se assim podemos dizer, ou seja, uma clara separação entre quem defende a afirmação de Portugal como Nação Marítima e quem tal não defende. E isso mesmo é, neste momento, por si só, de facto, decisivo.
Todos sabemos e devemos ter bem consciência de como estes próximos anos, mais exactamente, até 2020, irão ser determinantes para o futuro de Portugal e para o enquadramento da nossa posição na Europa, não só porque podemos estar a assistir ao último Quadro Comunitário de Apoio (2014-2020) com valores verdadeiramente significativos nas várias áreas, como basta olhar para o que as principais restantes nações europeias com interesses no mar estão a fazer para percebermos que todo o atraso neste domínio será crucial, dramático, senão mesmo trágico, para o nosso futuro como nação realmente independente, livre, autónoma.
No primeiro caso, independentemente do que podemos ou não considerar como mais provável no que respeita ao Brexit, tal decisão, por si só, não deixará de ter as suas mais vastas consequências político-económicas, bem como a atitude das principais nações contribuintes para tais Fundos, tampouco tem vindo a revelar um particular entusiasmo e disposição para aprovação de um novo «pacote» da actual dimensão.
Ou seja, só por isso, num momento de dramática falta de investimento nacional e internacional na nossa economia, seja por falta de capacidade, no primeiro caso, seja por falta de confiança, na segunda situação, seja pelo que for, a boa aplicação e completo aproveitamento do actuais fundos, afigura-se, de modo evidente, decisivo.
Para além disso, mesmo que após 2020 venha a ser possível voltar a haver um tão generoso Quadro Comunitário de Apoio, não menos evidente é que, por todos os investimentos, investigação e desenvolvimento que estamos a ver serem realizados por nações como uma Noruega, um Reino Unido, uma Alemanha, França, Espanha e mesmo uma Holanda, uma Bélgica, uma Dinamarca, uma Suécia e até uma Itália, preservando, entre outros aspectos, uma notável resiliência e capacidade de inovação em sectores como o da construção naval, a par de um interesse cada vez mais evidente da própria Comissão Europeia em vir a decidir, dominar e determinar tudo quanto aos assuntos do mar respeita, sabendo nós todos igualmente bem o que tal significa, das duas uma, ou temos e demonstramos, de facto, a capacidade e o engenho necessários para nos afirmarmos nesse domínio até 2020, ou a nossa irrelevância será, a partir desse momento, inexorável, arrastando consigo uma mesma decadência em termos de peso político e geoestratégico, como a pouco e pouco já vai sucedendo.
É também por tudo isso que foi particularmente significativo ver a congregação de quase todas as mais importantes figuras que actualmente determinam o que será a economia do mar em Portugal no futuro reunidas na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, discutindo aberta e francamente, sem «lábia nem fátuos salamaleques», como pedido, quanto a todos e a cada um mais preocupa.
E tão mais importante e significativo quanto, tratando-se de uma iniciativa levada a efeito, com grande «independência de alma», por uma entidade sem peso nem quaisquer ligações político-institucionais, ou económico-empresariais, toda a adesão, sendo primordialmente de carácter individual, como deve ser, mesmo quando posteriormente transpostas em termos institucionais e empresariais, não deixa de significar senão uma mesma real, genuína e comum preocupação pela defesa do nosso mar, do mar sob jurisdição nacional, o que vale também por dizer, acima de tudo, preocupação com o futuro de Portugal.
A par disso, embora ainda seja difícil conseguir chegar de forma mais alargada à população em geral, havendo ainda o estigma de os assuntos do mar serem questões algo esotéricas que interessam, eventualmente, a meia dúzia ou, no máximo, a dúzia e meia de especialistas, o facto é que a Conferência já contou não só com assistentes fora do estrito âmbito dos sectores específicos da economia do mar, como também com estudantes tanto de uma Escola Náutica como alunos de um Mestrado como o Mestrado em Direito e Economia do Mar da Universidade Nova de Lisboa, dando assim indício de um crescente alargamento, ainda algo tímido, é certo, mas efectivo do crescente interesse dos assuntos do mar.
Entretanto, nos próximos dias iremos publicar uma breve síntese de quanto se passou ao longo dos dois dias da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, mesmo sabendo o risco de tais sínteses sempre tenderem a distorcer quanto verdadeiramente ocorreu ao separar, inevitavelmente, a letra do respectivo espírito que, ao vivo, as soprou. Um risco que se entende, apesar de tudo, valer a pena correr tanto pela relevância dos assuntos tratados como por quanto ficou dito, mesmo quanto muitas das questões exigiriam, como exigem, mais largo desenvolvimento e profunda discussão, tal como a seu tempo, esperamos, irá ser realizado.
Em simultâneo, importa igualmente compreender a importância da Conferência não apenas pela abrangência pouco habitual dos temas tratados, mas também pelo que se poderá entender como a emergência de uma nova consciência de os assuntos do mar, bem como a correspondente economia, exigirem uma visão de conjunto, a ser atendido como um todo e não como algo dividido e espartilhado nas suas várias áreas ou sectores, obrigando consequentemente também uma mais ampla interrelacção e cooperação entre todos, até para se poder ganhar escala e uma consequente capacidade de projecção sem as quais não será fácil, senão mesmo impossível, o determinante passo para a internacionalização.
Se mais virtudes não tivera a II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, na medida em que possa ter ajudado, por um lado, a tornar isso mais evidente, e, por outro, a facilitar a sua consequente realização, por si só, teria sido já um êxito mais do que suficiente.
Não mesmo importante e de assinalar é igualmente o tom geral de assunção de responsabilidade individual dos diversos intervenientes pelo sucesso futuro, não se escudando em questões político-administrativas nem exigindo do Governo subsídios ou especial apoio mas, acima de tudo, apenas que cumpra aquilo que lhe cumpre, ou seja, promover uma garantia de estabilidade e segurança ao planeamento, libertando a mercado de entraves esdrúxulos que só têm atrapalhado o normal desenvolvimento dos negócios e da correspondente economia como processo de mediação entre uma ideia e a sua correspondente realização.
Um aspecto, aliás, do qual o Ministério do Mar se afigura ter plena consciência e manifesta mesmo intenção de ser exactamente o sentido em que pretende avançar, embora aqui se sobreponham também algumas questões de mais vasta de orientação política do Governo, nem sempre exacta e perfeitamente coincidentes com as mesmas manifestações de intenção do respectivo Ministério.
Um tema ou situação a seguir com a maior atenção, sem dúvida nenhuma.
Quanto ao mais, ou seja, quanto aos temas tratados mais concretamente ao longo dos dois dias da Conferência, a cuja sínteses iremos proceder nos próximos dias, não valerá muito a pena estarmos aqui a destacá-los, bastando talvez lembrar o que foi dito sobre o risco do investimento de 125 milhões de euros no novo WindFloat poder estar em causa devido `falta do cabo de ligação de passagem de energia até à costa, um investimento na casa dos 30 milhões de euros, da responsabilidade do Governo, algo semelhante acontecendo em relação ao projecto do WaveRoller em Peniche, bem como a revelação da existência de um poderoso lobby a actuar em Portugal a favor dos interesses de Madrid que tem conduzido, entre outros aspectos, ao permanente adiamento da conclusão da auto-estrada de ligação do Porto de Sines à rede nacional e internacional de auto-estradas, para logo se perceber a frontalidade e relevância dos temas abordados, sem necessidade de outros exemplos acrescentar.
Por fim, uma pequena questão, relativamente lateral, mas que não deixa de ser lamentável, foi a ausência do Senhor Presidente da República na Sessão de Boas-Vindas da Conferência.
Convidado em devido tempo, os Serviços da Presidência logo fizeram saber que o Senhor Presidente não tinha agenda disponível para a manhã do dia 9, embora, oficialmente, para a manhã de Quarta-feira do dia 9 de Novembro de 2016, nada viesse a constar, de facto, na respectiva agenda do Senhor Presidente da República.
Não temos, evidentemente, de estar informados da agenda pessoal e particular do Senhor Presidente da República e tendo os respectivos Serviços referido que o Senhor Presidente não tinha agenda, não temos senão que aceitar que, fosse pelo que fosse, o impedimento era real.
Não obstante, da agenda oficial do Senhor Presidente da República constava todavia uma ida, no final da tarde do mesmo dia 9 de Novembro, ao Casino do Estoril, a cinquenta passos do Centro de Congressos do Estoril, local da Conferência, para uma cerimónia de entrega de uns Prémios Literários Fernando Namora e Agustina Bessa Luiz.
Um acto cultural da maior relevância, com certeza, mas, se foi o próprio Senhor Presidente da República a afirmar, no seu discurso de tomada de posse, o mar como uma prioridade para Portugal, considerando realmente o mar como uma prioridade para Portugal, não teria sido possível tentar conciliar a sua deslocação ao Casino do Estoril com uma presença na Conferência, quem sabe, para encerrar, por exemplo, os trabalhos do primeiro dia?
Não é o Presidente da República eleito exactamente para velar, zelar e cuidar da Coisa Pública? E há Coisa mais Pública do que o Mar? E não é o Senhor Presidente da República, por inerência de funções, o Supremo Comandante das Forças Armadas, a quem cumpre, em primeira instância, a defesa do território nacional, onde se inclui, naturalmente, através da Marinha, o mar? E não é tido como o Mais Alto Magistrado da Nação? E se assim é, nada pensa e nada tem o Senhor Presidente da República a dizer a quem diariamente dedica toda a sua existência, todo o seu esforço e empenho, intelectual, mental e físico, não raras vezes, por certo, não até sem sacrifício pessoal e familiar, na defesa, por todos os meios, do mar e de Portugal?
Para nós, para quem, no discurso de tomada de posse, tanto acentuou ser o mar uma prioridade para Portugal, afigura-se, no mínimo, estranho _ e tanto mais quanto, no dia seguinte, a 10, disponibilidade teve igualmente para não deixar de ir até à Web Summit tirar umas muito modernas «Selfies» com jovens empreendedores e empreendedoras, ou candidatos e candidatas a empreendedores e empreendedoras, nacionais e estrangeiros ou estrangeiras.
Não lhe merecem, ao Senhor Presidente da República, os empresários, políticos, administradores e dirigentes de algumas das mais determinantes empresas e instituições nacionais ligadas ao mar, incluindo instituições e empresas públicas, ou de capitais públicos, presentes na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, o mesmo respeito, consideração e atenção?
Afinal, é ou não é o mar uma prioridade para Portugal?…
E logo por coincidência, ocorrendo a 8 e 9, em La Rochelle, os XII Assises de La Economie da La Mer, ou seja, exactamente na véspera da ausência do Presidente da República de Portugal na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, o Prediente da República Francesa não deixou de aí se deslocar, percorrendo uma distância um pouco mais longa do Eliseu que percorreria o Senhor Presidente da República de Portugal de Belém ao Estoril, para já não referirmos Cascais, para dizer, ipsis verbis, num evento igualmente promovido por um Grupo Editorial: «La mer est notre avenir, c’est aussi notre patrimoine. Il faut se rassembler, se regrouper, faire un ensemble, une famille, une cohésion, c’est le sens de ma présence. La mer sera toujours là, elle est aussi ce que l’on peut donner aux générations futures. Nous devons faire de la France le premier port de l’Europe à l’horizon 2030», para se lhe seguir o Presidente do Cluster Maritime Français, figura que não temos em Portugal, a concluir, «Cette œuvre commune que nous, acteurs de l’économie maritime nous avons construite depuis 10 ans que le Cluster existe, nous devons la doter d’une dimension nouvelle grâce à une alliance étroite et active entre les acteurs publics et les acteurs privés. J’appelle aujourd’hui solennellement à la mobilisation d’une véritable «task force» pour gagner la guerre économique qui se profile sur l’horizon marin, pour lever les freins, pour libérer les énergies et créer l’économie de demain.Ne nous leurrons pas. Nous avons rendez-vous avec l’histoire. Demain 9 milliards d’êtres humains vivront sur la planète. Or il nous faudra faire mieux avec moins de ressources et plus d’intelligence. Demain, la France peut devenir le leader européen pour la croissance bleue».
Sim, é muito irritante estar a citar exemplos estrangeiros mas, neste particular, por mais irritante que seja, justifica-se porque explica muito também porque estamos como estamos e os franceses, apesar de tudo, estão como estão e evoluem como evoluem.
Não se aceita hoje que a suposta tranquilidade e dita paz social, como a suposta «descrispação», em que vivemos se deve em grande medida à capacidade de influência, persuasão e acção do Senhor Presidente da República?…
Se assim é, como podemos admitir que seja, porque não usa o Senhor Presidente da república os seus dotes, como Mais Alto Magistrado da Nação, considerando o mar como uma prioridade para Portugal, para conduzir igualmente os Portugueses a olharem para o seu mar com novos olhos, como importa que suceda, conferindo-lhe a importância decisiva que, de facto, tem?…
É ou não é o mar uma prioridade para Portugal?…
Ignorará olimpicamente o Senhor Presidente da República quanto aqui dito?…
Muito provavelmente, sim, mas fica dito.
E que sabemos do futuro?…
Se não nos falha a memória, terá sido Duarte Galvão que relatando a aclamação de D. Afonso Henriques como Rei de Portugal, após a Batalha de Ourique, escreveu também que partiram «todos em um coração».
«Coração», na época, tinha um significado mais vasto do que simples sede de «afectos», como agora se diria.
Parafraseando Teixeira de Pacoaes, talvez possamos mesmo dizer que, à época, tinha o significado de quanto os Portugueses sempre souberam e alguns modernos estão agora a descobrir, ou seja, que «pensar é sempre pensar com a alma inteira».
Que saibamos «pensar com a alma inteira», como Pascoaes soube pensar e que possa o Senhor Presidente da República, indo além dos «afectos», pensar também como Pascoaes pensou, compreendendo como é importante, decisivo mesmo, ser capaz levar «todos (os Portugueses, no que ao mar respeita) em um coração».
De qualquer modo, o que tudo isto também nos diz e, por isso mesmo, mais reforça inclusive a singular importância da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, é que, independentemente dos políticos, Governo, Presidência da República, Assembleia da República, ou seja lá o que for, o futuro de Portugal depende acima de tudo dos Portugueses e, provado tendo ficado na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, haver ainda Portugueses, verdadeiros Portugueses de sangue salgado nas veias, esperança há ainda, igual e concomitantemente, no futuro de Portugal.
Não se pode querer nem pedir mais, por agora, do que isto.
A todos quantos, de um modo ou outro, contribuíram para o êxito da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, e diariamente continuam a lutar, por todos os meios, pelo mar e pelo futuro de Portugal, a nossa mais pronunciada vénia de admiração e reconhecido agradecimento.
Jornal da Economia do Mar
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