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Mensagem por Admin Ter Dez 20, 2016 11:55 am

Um dos grandes problemas com que nos confrontamos como povo reside no facto de nos entusiasmarmos com grandes eventos, grandes projetos, dos quais nos esquecemos de seguida sem o devido acompanhamento

Alguém ainda se lembra da célebre Web Summit? Afinal de contas, foi há pouco mais de um mês!

Ora, um dos grandes problemas com que nos confrontamos como povo reside no facto de nos entusiasmarmos com grandes eventos, grandes projetos, dos quais nos esquecemos de seguida sem o devido acompanhamento e avaliação.

Isto é, vivemos intensamente a ideia, o conceito, fazemos a festa, mas preocupamo-nos pouco em assegurar a boa execução, descuramos muitas vezes os resultados. Falta-nos, como se diz agora na novilíngua, o foco, o rigor, a organização e a disciplina do tempo.

Será também da qualidade e sustentabilidade dos passos seguintes que poderá resultar o sucesso que tantos lhe alvitraram, quer para a imagem do país quer, mais importante ainda, para a criação de investimento qualificado na nossa economia.

Em causa está o aproveitamento da terceira vaga da sociedade da informação. E para tal aqui ficam algumas sugestões, tanto sobre as áreas estratégicas que parecem despertar mais oportunidades no curto e médio prazo, como sobre o caminho a percorrer para lá chegar. Trilho esse, sempre cheio de incerteza mas, ainda assim, com hipóteses de razoável sucesso.

Refira-se, antes de mais, que nesta nova área estratégica, a União Europeia também anda a tentar construir um caminho através do que designa de Mercado Único Digital. Este visa eliminar as barreiras que impedem o crescimento das empresas, limitando-as na sua capacidade de aproveitar todo o potencial do atual mercado único em domínios já consolidados.

A União quer apostar, fundamentalmente, na harmonização e modernização da estrutura regulatória de setores como: as telecomunicações, o comércio eletrónico, a cibersegurança, os novos media em rede, os direitos de autor e de propriedade industrial.

No fundo, trata-se de estimular um ecossistema empreendedor em torno da inovação tecnológica, desmaterialização dos processos e da logística digital. É mesmo anunciado um fundo pan-europeu de capital de risco para apoiar as famosas startups de base europeia.

Infelizmente, ao contrário do ambiente norte-americano de Silicon Valley, onde tudo se foi construindo espontaneamente através do mercado, na Europa é sempre o dinheiro dos contribuintes, dos impostos, que acaba a ser “orientado” para “dinamizar” a economia, mesmo aquela que se apelida de nova economia, seja ela digital, verde ou mais recentemente, circular.

Mas voltemos então a Portugal, a Lisboa e à sua Web Summit.

Portugal supera a média europeia no Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (e, já agora, na área do egovernement). O país, apesar de tudo, com as suas falhas e exageros, tem uma ampla cobertura de rede de fibra ótica, base essencial para o crescimento e sustentabilidade dos novos ambientes de negócio ou serviços públicos digitais. Lisboa, Porto, Aveiro ou Braga, encontram-se no radar dos circuitos internacionais de redes de empresas de base tecnológica.

Também por isso, não podemos de fazer como habitualmente: deixar arrefecer o entusiasmo, ou confiná-lo apenas ao show off dos workshops e conferências especializadas.

A pretensão não é nova, nem substituirá qualquer preocupação oficial. Neste megaevento, como em tantos outros realizados nos últimos anos em Portugal, é preciso ir além do efémero, além da espuma dos holofotes, dos títulos ou hastags, como agora se diz.

Não sendo eu um especialista em tecnologia ou negócios em ambiente digital, ainda assim, quer pela análise de exemplos internacionais, quer pelo acompanhamento da literatura mais recente, vou arriscar algumas sugestões para os nossos empreendedores em permanente disrupção criativa, como agora diz.

A primeira sugestão assenta na ideia de que só existirá empreendedorismo de sucesso, nesta nova vaga tecnológica, se existirem parcerias fortes, perseverança estável e ligação às políticas públicas sectoriais mais carenciadas de eficiência (os três P).

A segunda sugestão implica assumir a auto-disrupção ou dilema do inovador. Isso significa aceitar como normal a própria competitividade dentro das empresas ou organizações públicas, ao ponto de admitir a canibalização de ideias, marcas ou produtos.

A terceira sugestão e última sugestão passa por reconhecer que os talentos, os bons conceitos, não conhecem geografias ou fronteiras. A globalização do conhecimento significa ter capacidade para sair de Portugal e trabalhar para o mundo, mas também atrair os melhores para criar a partir de Portugal. Como exemplo recente o Canadá que sendo já um híper-globalizado, criou um visto para empreendedores em starsups de base tecnológica, como instrumento da sus política de estímulo ao negócio e inovação dos serviços digitais.

Por fim, uma palavra sobre as novas necessidades, sobre a procura, pois sem ela não haverá oferta, nem crescimento económico.

O caminho do sucesso, com toda a natural incerteza destas coisas, poderá estar em setores de atividade tradicionais onde a inovação tarda em chegar ou onde a gestão pública tem impedido a mudança para um ambiente digital.

Nestes casos, todavia, qualquer aumento de eficiência ou qualidade não pode descurar o lado humano do desenvolvimento económico nem a dimensão das pessoas concretas, os seus hábitos, tradições ou respetivas identidades.

Introduzir o digital na saúde, na assistência social a carenciados ou idosos, na produção e controlo da qualidade alimentar, na proteção do ambiente, nas novas formas de produção e distribuição de energia, no acesso ao sistema bancário, não pode esquecer o grau de literacia, a idade das populações, os acessos territoriais.

Afinal, as perguntas com que nos defrontamos, a propósito de mais esta vaga tecnológica, se não for uma mera moda, são as de sempre: no novo ambiente digital, quem será mais poderoso, o Estado ou o cidadão? A tecnologia será uma alavanca ou um entrave à liberdade? Qual a nova relação entre privacidade e segurança? De que teremos de abdicar para não ficarmos desfasados da nova era digital (para usar a expressão de Eric Schmidt e Jared Cohen)?

Em suma, transformar a Web Summit em algo mais palpável e duradoiro, onde a economia portuguesa saia a ganhar no longo prazo e de forma sustentada é o desafio. Para isso não basta, de facto, dizer que para o ano teremos mais um evento do género, uma nova sessão Web, um renovado happening de empreendedores digitais ou techies. É preciso apostar forte no dia seguinte.

Professor universitário

José Conde Rodrigues
09:54
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