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Um país, dois destinos
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Um país, dois destinos
Em Portugal a boa governação terá de interromper um longo ciclo de má governação, seja através de um acidente político virtuoso, seja pela vontade popular
Jorge Sampaio publicou recentemente um longo texto onde faz um diagnóstico lúcido da situação política no nosso tempo, mas que deixa de fora a questão do que fazer. Ora os diferentes problemas e contradições descritos por Jorge Sampaio, nomeadamente naquilo que têm a ver com a governação de Portugal e da União Europeia, não se resolvem através da sua mera descrição, por mais verdadeira e bem intencionada que seja. É mais importante, no actual contexto, colocar na agenda política e comunicacional o tema da boa governação, por oposição ao mau governo do planeta. Isto é, uma governação democrática, sem a obsessão da manutenção do poder a qualquer preço e que integre pessoas honradas e com a experiência humana e política capaz de vencer os desafios que se apresentam no futuro dos povos. Boa governação que dependerá sempre de governantes com motivações transcendentes e qualidades profissionais, intelectuais e culturais demonstradas no seu passado, além de serem, idealmente, portadores de um projecto de futuro tão conhecido e divulgado quanto possível. Dou um exemplo: quando Winston Churchill chegou a primeiro- ministro, não haveria ninguém que não conhecesse ao que vinha e poucos duvidariam das suas qualificações para a tarefa.
A causa para a existência de tantos problemas e de tantas crises que os portugueses sofrem, bem como os europeus, resulta de um claro défice de boa governação e o empobrecimento que a maioria dos cidadãos nacionais e europeus enfrentam tem a ver com uma governação mal preparada para a dimensão dos desafios existentes e incapaz de compreender o fenómeno da aceleração da mudança nas sociedades modernas. Uma governação que, por isso, deixou acumular demasiados problemas sem resposta e durante demasiado tempo, o que em grande parte é o resultado do controlo exercido pelos partidos políticos sobre a sociedade e que esvaziou o processo democrático.
É claro que estando as democracias capturadas de forma crescente pelos interesses e em particular pelo capitalismo financeiro globalizado, a boa governação do povo e para o povo tem de levar em conta este facto e de agir em conformidade, com inteligência e sem demagogia. Nomeadamente em Portugal, a boa governação terá de interromper um longo ciclo de má governação, seja através de um qualquer acidente político virtuoso, seja pela vontade popular devidamente expressa, mas que conduza à democratização do regime e à reforma das leis eleitorais no sentido de tornar os eleitos do povo verdadeiramente representativos, como proposto pelo Manifesto para uma Democracia de Qualidade.
Boa governação que saiba lidar com os problemas herdados do passado, nomeadamente a pobreza, a dívida e a estagnação económica, fazendo-o com racionalidade e sensibilidade social. Trata-se de enfrentar a realidade e de não a iludir como tem sido feito, o que será muito facilitado pela definição e consensualização de uma visão estratégica nacional para o desenvolvimento e de um modelo económico claro e sem compromissos. Pela minha parte, escolheria a estratégia Euro Atlântica proposta em 2003 pela Associação Industrial Portuguesa, que aposta no papel global de Portugal, nos bens transaccionáveis e nas exportações, com base na valorização dos recursos nacionais da diversidade, da ciência e da logística. Estratégia que passa pela formação exigente dos portugueses e por factores que facilitem e atraiam o investimento, nomeadamente estrangeiro de empresas integradoras desses mesmos recursos nacionais, nomeadamente a centralidade histórica e geográfica de Portugal nas rotas do Atlântico. Uma visão de um país e dois destinos, a Europa e o Atlântico.
Neste contexto, há vários modelos a que a boa governação pode recorrer de acordo com a nossa realidade e as oportunidades existentes, em que a pertença à União Europeia não impede o desenvolvimento de uma estratégia própria de defesa do interesse nacional.
A Irlanda, por exemplo, escolheu pescar na realidade económica mundial e apostou nos novos sectores da economia, atraindo para o seu território as multinacionais, através da redução dos impostos e das suas relações históricas com os Estados Unidos. Mas não só: pequeno país com um reduzido mercado interno, apostou fortemente nas exportações, no investimento privado e em não exagerar no investimento público, preferindo reabilitar a construir, preferindo a educação ao betão. Não menos importante, soube aprofundar um forte sentimento de nacionalidade, usando algum ressentimento para com a Inglaterra ligado ao processo ainda muito presente das contingências vividas no período da independência. Inteligentemente, fugiram sempre das fracturas que pusessem em causa a unidade de todos os irlandeses.
A boa governação passa ainda por compreendermos que as mudanças necessárias, quer de orientação política, quer económica, quer de organização do Estado, dependem das pessoas que, em democracia, escolhemos pelo voto, sendo que essas pessoas tanto podem governar bem, como mal. Infelizmente, no caso português e ao longo de demasiado tempo, escolhemos pessoas que de uma forma global e independentemente das suas convicções de esquerda ou de direita, governaram mal. E o resultado está à vista. Devemos todos pensar nisso, seriamente.
Uma outra convicção: sem prejuízo de sabermos defender na União Europeia as nossas razões quanto ao futuro do nosso planeta e da União, a responsabilidade principal do bom governo é com o futuro de Portugal, como nação independente de muitos séculos. Para tal, acredito que Portugal pode desenvolver uma estratégia autónoma de progresso e de melhoria da vida dos portugueses e fazê-lo no contexto das regras ainda existentes na União Europeia.
A Irlanda tem-no feito, bem como outros países, pelo que apenas nos podemos responsabilizar a nós próprios pelos resultados, abandonando de vez o propósito de tentar tapar as nossas insuficiências com as causas e os acontecimentos alheios. O que é tão mais importante quando prevejo que nos próximos tempos vamos ter muitas explicações que passarão pela crise internacional, pelo euro e pela má governação da União Europeia, o que, podendo ser parcialmente verdade, não adianta muito à solução dos nossos problemas.
21/12/2016
Henrique Neto
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
Jorge Sampaio publicou recentemente um longo texto onde faz um diagnóstico lúcido da situação política no nosso tempo, mas que deixa de fora a questão do que fazer. Ora os diferentes problemas e contradições descritos por Jorge Sampaio, nomeadamente naquilo que têm a ver com a governação de Portugal e da União Europeia, não se resolvem através da sua mera descrição, por mais verdadeira e bem intencionada que seja. É mais importante, no actual contexto, colocar na agenda política e comunicacional o tema da boa governação, por oposição ao mau governo do planeta. Isto é, uma governação democrática, sem a obsessão da manutenção do poder a qualquer preço e que integre pessoas honradas e com a experiência humana e política capaz de vencer os desafios que se apresentam no futuro dos povos. Boa governação que dependerá sempre de governantes com motivações transcendentes e qualidades profissionais, intelectuais e culturais demonstradas no seu passado, além de serem, idealmente, portadores de um projecto de futuro tão conhecido e divulgado quanto possível. Dou um exemplo: quando Winston Churchill chegou a primeiro- ministro, não haveria ninguém que não conhecesse ao que vinha e poucos duvidariam das suas qualificações para a tarefa.
A causa para a existência de tantos problemas e de tantas crises que os portugueses sofrem, bem como os europeus, resulta de um claro défice de boa governação e o empobrecimento que a maioria dos cidadãos nacionais e europeus enfrentam tem a ver com uma governação mal preparada para a dimensão dos desafios existentes e incapaz de compreender o fenómeno da aceleração da mudança nas sociedades modernas. Uma governação que, por isso, deixou acumular demasiados problemas sem resposta e durante demasiado tempo, o que em grande parte é o resultado do controlo exercido pelos partidos políticos sobre a sociedade e que esvaziou o processo democrático.
É claro que estando as democracias capturadas de forma crescente pelos interesses e em particular pelo capitalismo financeiro globalizado, a boa governação do povo e para o povo tem de levar em conta este facto e de agir em conformidade, com inteligência e sem demagogia. Nomeadamente em Portugal, a boa governação terá de interromper um longo ciclo de má governação, seja através de um qualquer acidente político virtuoso, seja pela vontade popular devidamente expressa, mas que conduza à democratização do regime e à reforma das leis eleitorais no sentido de tornar os eleitos do povo verdadeiramente representativos, como proposto pelo Manifesto para uma Democracia de Qualidade.
Boa governação que saiba lidar com os problemas herdados do passado, nomeadamente a pobreza, a dívida e a estagnação económica, fazendo-o com racionalidade e sensibilidade social. Trata-se de enfrentar a realidade e de não a iludir como tem sido feito, o que será muito facilitado pela definição e consensualização de uma visão estratégica nacional para o desenvolvimento e de um modelo económico claro e sem compromissos. Pela minha parte, escolheria a estratégia Euro Atlântica proposta em 2003 pela Associação Industrial Portuguesa, que aposta no papel global de Portugal, nos bens transaccionáveis e nas exportações, com base na valorização dos recursos nacionais da diversidade, da ciência e da logística. Estratégia que passa pela formação exigente dos portugueses e por factores que facilitem e atraiam o investimento, nomeadamente estrangeiro de empresas integradoras desses mesmos recursos nacionais, nomeadamente a centralidade histórica e geográfica de Portugal nas rotas do Atlântico. Uma visão de um país e dois destinos, a Europa e o Atlântico.
Neste contexto, há vários modelos a que a boa governação pode recorrer de acordo com a nossa realidade e as oportunidades existentes, em que a pertença à União Europeia não impede o desenvolvimento de uma estratégia própria de defesa do interesse nacional.
A Irlanda, por exemplo, escolheu pescar na realidade económica mundial e apostou nos novos sectores da economia, atraindo para o seu território as multinacionais, através da redução dos impostos e das suas relações históricas com os Estados Unidos. Mas não só: pequeno país com um reduzido mercado interno, apostou fortemente nas exportações, no investimento privado e em não exagerar no investimento público, preferindo reabilitar a construir, preferindo a educação ao betão. Não menos importante, soube aprofundar um forte sentimento de nacionalidade, usando algum ressentimento para com a Inglaterra ligado ao processo ainda muito presente das contingências vividas no período da independência. Inteligentemente, fugiram sempre das fracturas que pusessem em causa a unidade de todos os irlandeses.
A boa governação passa ainda por compreendermos que as mudanças necessárias, quer de orientação política, quer económica, quer de organização do Estado, dependem das pessoas que, em democracia, escolhemos pelo voto, sendo que essas pessoas tanto podem governar bem, como mal. Infelizmente, no caso português e ao longo de demasiado tempo, escolhemos pessoas que de uma forma global e independentemente das suas convicções de esquerda ou de direita, governaram mal. E o resultado está à vista. Devemos todos pensar nisso, seriamente.
Uma outra convicção: sem prejuízo de sabermos defender na União Europeia as nossas razões quanto ao futuro do nosso planeta e da União, a responsabilidade principal do bom governo é com o futuro de Portugal, como nação independente de muitos séculos. Para tal, acredito que Portugal pode desenvolver uma estratégia autónoma de progresso e de melhoria da vida dos portugueses e fazê-lo no contexto das regras ainda existentes na União Europeia.
A Irlanda tem-no feito, bem como outros países, pelo que apenas nos podemos responsabilizar a nós próprios pelos resultados, abandonando de vez o propósito de tentar tapar as nossas insuficiências com as causas e os acontecimentos alheios. O que é tão mais importante quando prevejo que nos próximos tempos vamos ter muitas explicações que passarão pela crise internacional, pelo euro e pela má governação da União Europeia, o que, podendo ser parcialmente verdade, não adianta muito à solução dos nossos problemas.
21/12/2016
Henrique Neto
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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