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A Regionalização não está esquecida (para alguns) - Bloco Esquerda
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A Regionalização não está esquecida (para alguns) - Bloco Esquerda
Tema inacabado e mal resolvido, o processo político que visa a descentralização administrativa continua a padecer de uma inércia que atira para as calendas gregas a mudança necessária.
Numa altura em que se comemora os 40 anos do poder local; efetivamente a consagração de uma parte importante da democracia conquistada na Revolução de Abril; é inevitável não se falar de um assunto que continua a ser varrido para debaixo do tapete por algumas estruturas de poder em vários quadrantes políticos — a Regionalização. Tema inacabado e mal resolvido, o processo político que visa a descentralização administrativa e a concretização de jure e de facto de autarquias de nível supramunicipal continua a padecer de uma inércia suspeita que atira para as calendas gregas a mudança necessária.
Sem nunca referir a palavra, o atual Governo apresentou-se ao país, através do seu Programa (link is external), com grandes planos para resolver a questão (pág. 87). No documento lê-se que é pretensão do executivo proceder à eleição direta das Assembleias Metropolitanas de Lisboa e Porto. Mas para quando? vamos ainda a tempo das próximas eleições autárquicas? É que nesta legislatura só acontecem uma vez. Por agora, o poder local está como estava. Se tomarmos como amostra os recuos que temos visto por parte de PS (com PSD e CDS) para “Corrigir os erros da extinção de freguesias a regra e esquadro”, que se propunham a fazer nesse mesmo Programa, é inevitável não pensar que a descentralização está para o dia de S. Nunca-à-Tarde.
Pior ainda, o que o Governo parece estar a fazer, através do Ministro-adjunto Eduardo Cabrita é, basicamente, seguir a cartilha Relvas e apostar na municipalização de tudo e mais alguma coisa. Segundo informações (link is external) vindas a lume, é pretensão deste Governo atribuir aos municípios funções nas áreas da educação, saúde, cultura, acção social e gestão e ordenamento do território, esquecendo-se, como sempre, que um variadíssimo número de problemas e planificações só podem ser tratados ao nível regional. Esquecendo-se também dos riscos de aumento do caciquismo, amiguismo e clientelismo que a municipalização pode trazer. A generalidade das autarquias não tem meios técnicos, humanos e financeiros para poder gerir todas estas competências e tenderá a passá-las a terceiros, como IPSS, associações avulsas, e claro, empresas privadas. Lembremo-nos que o poder central consome cerca de 90% dos recursos financeiros do Estado, continuando a transferir menos de 10% para as autarquias. Tudo ao contrário do que acontece na maioria dos países mais desenvolvidos na Europa, independentemente da sua dimensão. Há aqui qualquer coisa que não está a bater certo…
Ora, o objectivo de criação das regiões administrativas está previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) desde a sua primeira versão. Como é sabido, PSD e CDS sempre se opuseram a este processo, bloqueando-o ativamente, principalmente nas lideranças de Marcelo Rebelo de Sousa e de Paulo Portas. Essa oposição passou pelas alterações introduzidas na CRP, que obrigaram a que a instituição das regiões tenha de passar por referendo. O de 1998, já no contexto constitucional alterado, foi envolto numa enorme cacofonia de opiniões e desinformação, principalmente em relação ao desenho geográfico de cada região. PCP e PS bateram-se pelo SIM, que saiu vencedor em várias áreas do Algarve, no Alentejo e no Porto, mas o NÃO ganhou. No final, e de acordo com os novos preceitos legais, a falta de comparência da maioria dos eleitores, que se contabilizou numa abstenção de quase 52%, não o tornou vinculativo, ou seja, tudo em águas de bacalhau.
A Regionalização é necessária. Em primeiro lugar, porque a devolução (e não delegação) do poder para instâncias regionais permite atribuir legitimidade democrática a quem gere e decide (n)esses espaços. A descentralização do poder desburocratiza, facilita e promove o escrutínio e participação activa das populações. Nada disto acontece atualmente. Alguns passos foram dados, mas muitas das funções e verbas dedicadas ao nível regional continuam a ser geridas pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR). Estas Comissões, outrora tecnicamente bem preparadas, mais nada são do que extensões do poder central, dificilmente escrutináveis e até compreendidas pelas populações. Mais, por vezes entram em conflito com os poderes municipais e governos eleitos, o que se compreende. O desejo de uns nem sempre é a ordem de outros.
As Comunidades Intermunicipais são um bom princípio, mas apenas isso. Sem poder financeiro próprio e não sendo eleitas directamente, dificilmente conseguirão ultrapassar em qualidade o que as autarquias municipais possam fazer em acordos bilaterais. Estaremos mais próximos com as Áreas Metropolitanas que o Governo promete fazer eleger? Sim. Porém, são só duas e só servem quem já está melhor servido - Lisboa e Porto. E o resto do país, é paisagem?
Em segundo, pela lógica de escala e evidente necessidade de uma melhor integração de espaços territoriais mais alargados, com base nas suas caraterísticas e problemas comuns. Uma abordagem descentralizada de fenómenos que ultrapassam a fronteira concelhia permite soluções mais eficientes para um vasto conjunto de problemas, cada vez mais emergentes, e que só podem ser bem geridos num escopo regional, em cooperação com freguesias, municípios e a Administração central. Pense-se, por exemplo, nas grandes infraestruturas, portos, ferrovia, vias de comunicação, no ambiente, rios, espaços protegidos da natureza, na mobilidade, nos fundos europeus, no turismo, na economia regional e sua tipologia, etc. Será que cada município é mais eficiente se fizer o trabalho por si só? será que tem meios, massa crítica e verbas para confrontar problemas que passam, mas que ultrapassam as fronteiras do concelho?
Por último, a Regionalização é necessária também para atenuar o centralismo crónico e a preponderância histórica de um espaço em detrimento de outros. O fenómeno é uma braga paralisadora de uma democracia moderna, participativa, equitativa, e sobretudo inclusiva que o país merece. Um resquício de um passado conservador, elitista, provinciano e pouco amigo da mudança que o séc. XXI exige. E é forte, com laivos de corte, a roçar a megalomania e abrangendo várias cores políticas e sociais. Continuamente crescente, faz de conta que não é nada consigo, lesto na centrifugação e nunca esquecendo de alimentar e ser alimentado por uma cumplicidade de amante dos grandes meios de comunicação. Promove uma visão distorcida da realidade do país como um todo. Em modo caleidoscópico, adopta medidas de política pública pela bitola do que se passa na grande urbe, desconhecendo ou ignorando a realidade que existe fora das fronteiras da Grande Lisboa. Políticas para territórios que não têm UBER, Web Summit, Street Markets e gentrificações, mas que também não têm transportes públicos, correios, tribunais, cresces, escolas, esquadras da polícia, médicos, emprego… nada. Ainda por cima, o centralismo é mau para quem vive no “centro”, pois tem como consequência a exacerbação de uma panóplia de problemas intimamente ligados à concentração de milhões de pessoas à volta de um pequeno espaço.
Será normal e inevitável ter metade do território sem gente e sem meios, mas que paga praticamente os mesmos impostos e contribuições? Havendo alternativa, devemos continuar a pagar mais por nascer e viver no local errado? A Regionalização por si só não resolve as assimetrias e desigualdades territoriais que existem no país, mas é um passo na direcção certa e no avanço da democracia local que orgulhosamente comemoramos. No Parlamento de hoje será difícil convencer um número suficiente de deputados para uma alteração constitucional, e mais um Presidente que se opôs a toda e qualquer tentativa de descentralização do poder. Estão confortáveis onde estão. Mas será que devemos desistir? Por cá, não. Não estamos nada confortáveis. E quem está mal, faz por mudar.
Artigo publicado no blogue onaviodeespelhos.wordpress.com
3 de Janeiro, 2017 - 13:31h
Victor Pinto
Esquerda.net - Bloco Esquerda
Numa altura em que se comemora os 40 anos do poder local; efetivamente a consagração de uma parte importante da democracia conquistada na Revolução de Abril; é inevitável não se falar de um assunto que continua a ser varrido para debaixo do tapete por algumas estruturas de poder em vários quadrantes políticos — a Regionalização. Tema inacabado e mal resolvido, o processo político que visa a descentralização administrativa e a concretização de jure e de facto de autarquias de nível supramunicipal continua a padecer de uma inércia suspeita que atira para as calendas gregas a mudança necessária.
Sem nunca referir a palavra, o atual Governo apresentou-se ao país, através do seu Programa (link is external), com grandes planos para resolver a questão (pág. 87). No documento lê-se que é pretensão do executivo proceder à eleição direta das Assembleias Metropolitanas de Lisboa e Porto. Mas para quando? vamos ainda a tempo das próximas eleições autárquicas? É que nesta legislatura só acontecem uma vez. Por agora, o poder local está como estava. Se tomarmos como amostra os recuos que temos visto por parte de PS (com PSD e CDS) para “Corrigir os erros da extinção de freguesias a regra e esquadro”, que se propunham a fazer nesse mesmo Programa, é inevitável não pensar que a descentralização está para o dia de S. Nunca-à-Tarde.
Pior ainda, o que o Governo parece estar a fazer, através do Ministro-adjunto Eduardo Cabrita é, basicamente, seguir a cartilha Relvas e apostar na municipalização de tudo e mais alguma coisa. Segundo informações (link is external) vindas a lume, é pretensão deste Governo atribuir aos municípios funções nas áreas da educação, saúde, cultura, acção social e gestão e ordenamento do território, esquecendo-se, como sempre, que um variadíssimo número de problemas e planificações só podem ser tratados ao nível regional. Esquecendo-se também dos riscos de aumento do caciquismo, amiguismo e clientelismo que a municipalização pode trazer. A generalidade das autarquias não tem meios técnicos, humanos e financeiros para poder gerir todas estas competências e tenderá a passá-las a terceiros, como IPSS, associações avulsas, e claro, empresas privadas. Lembremo-nos que o poder central consome cerca de 90% dos recursos financeiros do Estado, continuando a transferir menos de 10% para as autarquias. Tudo ao contrário do que acontece na maioria dos países mais desenvolvidos na Europa, independentemente da sua dimensão. Há aqui qualquer coisa que não está a bater certo…
Ora, o objectivo de criação das regiões administrativas está previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) desde a sua primeira versão. Como é sabido, PSD e CDS sempre se opuseram a este processo, bloqueando-o ativamente, principalmente nas lideranças de Marcelo Rebelo de Sousa e de Paulo Portas. Essa oposição passou pelas alterações introduzidas na CRP, que obrigaram a que a instituição das regiões tenha de passar por referendo. O de 1998, já no contexto constitucional alterado, foi envolto numa enorme cacofonia de opiniões e desinformação, principalmente em relação ao desenho geográfico de cada região. PCP e PS bateram-se pelo SIM, que saiu vencedor em várias áreas do Algarve, no Alentejo e no Porto, mas o NÃO ganhou. No final, e de acordo com os novos preceitos legais, a falta de comparência da maioria dos eleitores, que se contabilizou numa abstenção de quase 52%, não o tornou vinculativo, ou seja, tudo em águas de bacalhau.
A Regionalização é necessária. Em primeiro lugar, porque a devolução (e não delegação) do poder para instâncias regionais permite atribuir legitimidade democrática a quem gere e decide (n)esses espaços. A descentralização do poder desburocratiza, facilita e promove o escrutínio e participação activa das populações. Nada disto acontece atualmente. Alguns passos foram dados, mas muitas das funções e verbas dedicadas ao nível regional continuam a ser geridas pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR). Estas Comissões, outrora tecnicamente bem preparadas, mais nada são do que extensões do poder central, dificilmente escrutináveis e até compreendidas pelas populações. Mais, por vezes entram em conflito com os poderes municipais e governos eleitos, o que se compreende. O desejo de uns nem sempre é a ordem de outros.
As Comunidades Intermunicipais são um bom princípio, mas apenas isso. Sem poder financeiro próprio e não sendo eleitas directamente, dificilmente conseguirão ultrapassar em qualidade o que as autarquias municipais possam fazer em acordos bilaterais. Estaremos mais próximos com as Áreas Metropolitanas que o Governo promete fazer eleger? Sim. Porém, são só duas e só servem quem já está melhor servido - Lisboa e Porto. E o resto do país, é paisagem?
Em segundo, pela lógica de escala e evidente necessidade de uma melhor integração de espaços territoriais mais alargados, com base nas suas caraterísticas e problemas comuns. Uma abordagem descentralizada de fenómenos que ultrapassam a fronteira concelhia permite soluções mais eficientes para um vasto conjunto de problemas, cada vez mais emergentes, e que só podem ser bem geridos num escopo regional, em cooperação com freguesias, municípios e a Administração central. Pense-se, por exemplo, nas grandes infraestruturas, portos, ferrovia, vias de comunicação, no ambiente, rios, espaços protegidos da natureza, na mobilidade, nos fundos europeus, no turismo, na economia regional e sua tipologia, etc. Será que cada município é mais eficiente se fizer o trabalho por si só? será que tem meios, massa crítica e verbas para confrontar problemas que passam, mas que ultrapassam as fronteiras do concelho?
Por último, a Regionalização é necessária também para atenuar o centralismo crónico e a preponderância histórica de um espaço em detrimento de outros. O fenómeno é uma braga paralisadora de uma democracia moderna, participativa, equitativa, e sobretudo inclusiva que o país merece. Um resquício de um passado conservador, elitista, provinciano e pouco amigo da mudança que o séc. XXI exige. E é forte, com laivos de corte, a roçar a megalomania e abrangendo várias cores políticas e sociais. Continuamente crescente, faz de conta que não é nada consigo, lesto na centrifugação e nunca esquecendo de alimentar e ser alimentado por uma cumplicidade de amante dos grandes meios de comunicação. Promove uma visão distorcida da realidade do país como um todo. Em modo caleidoscópico, adopta medidas de política pública pela bitola do que se passa na grande urbe, desconhecendo ou ignorando a realidade que existe fora das fronteiras da Grande Lisboa. Políticas para territórios que não têm UBER, Web Summit, Street Markets e gentrificações, mas que também não têm transportes públicos, correios, tribunais, cresces, escolas, esquadras da polícia, médicos, emprego… nada. Ainda por cima, o centralismo é mau para quem vive no “centro”, pois tem como consequência a exacerbação de uma panóplia de problemas intimamente ligados à concentração de milhões de pessoas à volta de um pequeno espaço.
Será normal e inevitável ter metade do território sem gente e sem meios, mas que paga praticamente os mesmos impostos e contribuições? Havendo alternativa, devemos continuar a pagar mais por nascer e viver no local errado? A Regionalização por si só não resolve as assimetrias e desigualdades territoriais que existem no país, mas é um passo na direcção certa e no avanço da democracia local que orgulhosamente comemoramos. No Parlamento de hoje será difícil convencer um número suficiente de deputados para uma alteração constitucional, e mais um Presidente que se opôs a toda e qualquer tentativa de descentralização do poder. Estão confortáveis onde estão. Mas será que devemos desistir? Por cá, não. Não estamos nada confortáveis. E quem está mal, faz por mudar.
Artigo publicado no blogue onaviodeespelhos.wordpress.com
3 de Janeiro, 2017 - 13:31h
Victor Pinto
Esquerda.net - Bloco Esquerda
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