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Tempos de incerteza
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Tempos de incerteza
O problema
Em 2017, viveremos, estou certo, um tempo em que a incerteza dominará uma vez mais as nossas vidas. O que aí vem, mais não será, que “sinais inquietantes de um futuro cada vez mais presente”.
A ordem liberal que parecia resultar do pós guerra fria está a desintegrar-se. A Europa politicamente á deriva, amarrada a uma moeda única construída com pés de barro, vive uma anemia económica que desfez o arco da governação. O acentuar de clivagens identitárias e a desconfiança arreigada face às diversas formas de poder leva a que os eleitores votem de acordo com as suas experiências emocionais e não como resposta aos factos propagados pelas elites. Pelo meio, as velhas formações politicas ou se transformaram, fugindo do centro para a direita e para a esquerda, ou se tornaram irrelevantes. Nisto, os líderes políticos revelam incompreensão face aos eleitores que deixaram de confiar neles. Aquilo a que chamamos populismo é, no fundo, um recuo do pluralismo e a realidade pós liberal a galgar terreno nas democracias liberais.
Por mais que nos esforcemos para olhar para Portugal, a verdade é que o nosso país não conta muito para o futuro que se adivinha ou receia. Ainda por cima, endividados como estamos, dependemos dos outros. Isto é: da Europa. E a Europa parece não estar em condições de resolver os seus problemas, o que agrava a percepção de que a União Europeia não existe e a cidadania europeia é uma ficção.
Perante isto, os optimistas acreditam que a esperança é a ultima a morrer, que tudo vai correr bem, que há sempre quem salve os povos das catástrofes e que a razão e o bom senso acabará por imperar. Para eles a Europa vai ressuscitar ainda mais forte. Por sua vez, os pessimistas pensam que vivemos o crepúsculo da grande civilização ocidental, cristã, europeia, industrial, liberal e democrática. O que vier a seguir não será bom. A grande Europa está condenada. A Europa será apenas uma solução de recurso. Ou há uma refundação, como já o disse aqui, ou será o fim.
De facto, o principal problema da política, dos tempos de hoje, é a sua debilidade, convertendo-se assim na culpada perfeita de todos os males e colocando-a na mira de diversos estereótipos e lugares comuns. O problema não é tanto a política mas a má política: o inimigo está dentro de casa.
De facto, a indignação começou a ganhar corpo a partir de 2011, dando uma dimensão política a uma crise que se apresentava estritamente económica, por razões parecidas com as denunciadas por Habermas. Se era apenas económica, a resolução ficava na mão de especialistas e os políticos esquivavam-se á sua responsabilidade amparando-se no discurso obsceno do “não há alternativa”, o qual foi usado até á exaustão por Passos Coelho e é “um insulto à razão”, pois é o mesmo que proibir-nos de pensar. Não é um argumento, é uma capitulação. Os movimentos sociais acabaram com a utopia da invisibilidade que pretendia esconder as vítimas e os destroços da austeridade, ao mesmo tempo que puseram em evidência o carácter politico, social, cultural e moral desta crise. E, neste caso, o que emergiu foi o delírio niilista que conduziu ao estoiro; os anos em que utopia mudou de lado, em que o poder económico chamou a si a fantasia de que não há limites, de que tudo era possível. A política ficou marcada pelo selo da impotência, ao ser incapaz de controlar esta fuga para a frente, baseada num capitalismo financeiro capaz de estar simultaneamente em todos os lugares e em lado nenhum, desenraizado da sociedade, ao contrário do capitalismo industrial. O niilismo é uma categoria bicéfala: a crença de que tudo é possível (a pulsão destrutiva como principal solução) leva à crença de que a acção é aquilo que redime.
Numa época de indignação como esta que questiona e critica muitas coisas que dávamos por adquiridas, devemos avaliar a nossa ideia de política, questionando se não chegou a hora de reequacionar a sua natureza, a quem compete fazê-lo, quais as suas possibilidades e limites, se continuam válidos alguns dos habituais “lugares comuns” e o que podemos esperar dela. Procurar que essa indignação não seja um mero instrumento de consolidação da política e de melhoria da nossa jovem democracia.
Por todo o mundo, os anos de crise têm enchido as ruas de manifestantes revoltados e a agitação social tem gerado movimentos sociais e até novos partidos. Esta poderosa onda de indignação tem também abalado instituições, libertado, um pouco por todo o lado, paixões políticas e gerado desordem, sendo comum a desorientação nesta época perturbadora. Da Grécia à Venezuela, do Brasil à Turquia, um pouco por todo o lado, a indignação questiona a lógica deste período confuso e o que a política nos pode proporcionar, consegue evitar expectativas ilegítimas e, ao mesmo tempo, estimular criticas radicais e construtivas.
Esta falta de alternativa, desanima os votantes e é uma das causas que explica o surgimento dos partidos populistas, os quais (provavelmente porque não sonham com a possibilidade real de governar) não se importam de fazer promessas impossíveis de cumprir. Ou não há alternativa ou a alternativa é tão irracional que é como se ela não existisse. Os cidadãos já se aperceberam disso e, dentro do desconcerto geral, reagem de maneiras distintas mas no mesmo tom de fadiga democrática: votando em quem não gostariam de ver no governo mas expressam o seu mau estar, diminuindo a participação eleitoral, tudo isso no meio de um desinteresse crescente. Aquilo que está no coração do actual mau estar democrático é a diferença entre o que os cidadãos esperam dos governos e o que os governos estão dispostos a fazer ou, se preferirmos, entre a capacidade dos governos explicarem as suas decisões e a capacidade de os cidadãos as entenderem.
Espera-nos mais políticas nacionalistas, mais protecionismo e mais populismo? Este será o ano de eleições decisivas. A incerteza é grande e, neste contexto, pode-nos conduzir a novas catástrofes globais. Perante isto, é preciso, cada um de nós, manter vivo o horizonte emancipador: a política continua a ser o único poder ao alcance dos que não têm poder.
ROQUE MARTINS / 14 JAN 2017 / 02:00 H.
Diário de Notícias da Madeira
Em 2017, viveremos, estou certo, um tempo em que a incerteza dominará uma vez mais as nossas vidas. O que aí vem, mais não será, que “sinais inquietantes de um futuro cada vez mais presente”.
A ordem liberal que parecia resultar do pós guerra fria está a desintegrar-se. A Europa politicamente á deriva, amarrada a uma moeda única construída com pés de barro, vive uma anemia económica que desfez o arco da governação. O acentuar de clivagens identitárias e a desconfiança arreigada face às diversas formas de poder leva a que os eleitores votem de acordo com as suas experiências emocionais e não como resposta aos factos propagados pelas elites. Pelo meio, as velhas formações politicas ou se transformaram, fugindo do centro para a direita e para a esquerda, ou se tornaram irrelevantes. Nisto, os líderes políticos revelam incompreensão face aos eleitores que deixaram de confiar neles. Aquilo a que chamamos populismo é, no fundo, um recuo do pluralismo e a realidade pós liberal a galgar terreno nas democracias liberais.
Por mais que nos esforcemos para olhar para Portugal, a verdade é que o nosso país não conta muito para o futuro que se adivinha ou receia. Ainda por cima, endividados como estamos, dependemos dos outros. Isto é: da Europa. E a Europa parece não estar em condições de resolver os seus problemas, o que agrava a percepção de que a União Europeia não existe e a cidadania europeia é uma ficção.
Perante isto, os optimistas acreditam que a esperança é a ultima a morrer, que tudo vai correr bem, que há sempre quem salve os povos das catástrofes e que a razão e o bom senso acabará por imperar. Para eles a Europa vai ressuscitar ainda mais forte. Por sua vez, os pessimistas pensam que vivemos o crepúsculo da grande civilização ocidental, cristã, europeia, industrial, liberal e democrática. O que vier a seguir não será bom. A grande Europa está condenada. A Europa será apenas uma solução de recurso. Ou há uma refundação, como já o disse aqui, ou será o fim.
De facto, o principal problema da política, dos tempos de hoje, é a sua debilidade, convertendo-se assim na culpada perfeita de todos os males e colocando-a na mira de diversos estereótipos e lugares comuns. O problema não é tanto a política mas a má política: o inimigo está dentro de casa.
De facto, a indignação começou a ganhar corpo a partir de 2011, dando uma dimensão política a uma crise que se apresentava estritamente económica, por razões parecidas com as denunciadas por Habermas. Se era apenas económica, a resolução ficava na mão de especialistas e os políticos esquivavam-se á sua responsabilidade amparando-se no discurso obsceno do “não há alternativa”, o qual foi usado até á exaustão por Passos Coelho e é “um insulto à razão”, pois é o mesmo que proibir-nos de pensar. Não é um argumento, é uma capitulação. Os movimentos sociais acabaram com a utopia da invisibilidade que pretendia esconder as vítimas e os destroços da austeridade, ao mesmo tempo que puseram em evidência o carácter politico, social, cultural e moral desta crise. E, neste caso, o que emergiu foi o delírio niilista que conduziu ao estoiro; os anos em que utopia mudou de lado, em que o poder económico chamou a si a fantasia de que não há limites, de que tudo era possível. A política ficou marcada pelo selo da impotência, ao ser incapaz de controlar esta fuga para a frente, baseada num capitalismo financeiro capaz de estar simultaneamente em todos os lugares e em lado nenhum, desenraizado da sociedade, ao contrário do capitalismo industrial. O niilismo é uma categoria bicéfala: a crença de que tudo é possível (a pulsão destrutiva como principal solução) leva à crença de que a acção é aquilo que redime.
Numa época de indignação como esta que questiona e critica muitas coisas que dávamos por adquiridas, devemos avaliar a nossa ideia de política, questionando se não chegou a hora de reequacionar a sua natureza, a quem compete fazê-lo, quais as suas possibilidades e limites, se continuam válidos alguns dos habituais “lugares comuns” e o que podemos esperar dela. Procurar que essa indignação não seja um mero instrumento de consolidação da política e de melhoria da nossa jovem democracia.
Por todo o mundo, os anos de crise têm enchido as ruas de manifestantes revoltados e a agitação social tem gerado movimentos sociais e até novos partidos. Esta poderosa onda de indignação tem também abalado instituições, libertado, um pouco por todo o lado, paixões políticas e gerado desordem, sendo comum a desorientação nesta época perturbadora. Da Grécia à Venezuela, do Brasil à Turquia, um pouco por todo o lado, a indignação questiona a lógica deste período confuso e o que a política nos pode proporcionar, consegue evitar expectativas ilegítimas e, ao mesmo tempo, estimular criticas radicais e construtivas.
Esta falta de alternativa, desanima os votantes e é uma das causas que explica o surgimento dos partidos populistas, os quais (provavelmente porque não sonham com a possibilidade real de governar) não se importam de fazer promessas impossíveis de cumprir. Ou não há alternativa ou a alternativa é tão irracional que é como se ela não existisse. Os cidadãos já se aperceberam disso e, dentro do desconcerto geral, reagem de maneiras distintas mas no mesmo tom de fadiga democrática: votando em quem não gostariam de ver no governo mas expressam o seu mau estar, diminuindo a participação eleitoral, tudo isso no meio de um desinteresse crescente. Aquilo que está no coração do actual mau estar democrático é a diferença entre o que os cidadãos esperam dos governos e o que os governos estão dispostos a fazer ou, se preferirmos, entre a capacidade dos governos explicarem as suas decisões e a capacidade de os cidadãos as entenderem.
Espera-nos mais políticas nacionalistas, mais protecionismo e mais populismo? Este será o ano de eleições decisivas. A incerteza é grande e, neste contexto, pode-nos conduzir a novas catástrofes globais. Perante isto, é preciso, cada um de nós, manter vivo o horizonte emancipador: a política continua a ser o único poder ao alcance dos que não têm poder.
ROQUE MARTINS / 14 JAN 2017 / 02:00 H.
Diário de Notícias da Madeira
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