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O intelectual e o académico
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O intelectual e o académico
Há em Portugal, quiçá fruto de uma democratização tardia que tocou fortemente as áreas educativas e culturais, uma grande confusão entre um intelectual e um académico.
Em boa verdade, nem todos os académicos são intelectuais e nem todos os intelectuais são académicos. Esta confusão verifica-se dentro e fora das fronteiras da Universidade e deve ser tida em conta. Claro está que a posição de cada um de nós a este respeito varia pela sua “melhor ou pior” educação, pelo seu sentido do que é a Cultura e por aquilo a que muitos chamam de “berço”; ou, trocando isto por miúdos, varia de acordo com a nossa perspectiva, como tudo, aliás.
Esta confusão é ainda maior, mais premente e mais delicada nas Ciências Sociais a nas Humanidades. Não vou aqui repetir discussões que tive com colegas ao longo dos anos sobre a diferença entre o método científico e o resto. Mas não posso deixar de reflectir como estas realidades são diferentes e tal deve ser assumido. E mais, não vale a pena tentarem alterar o sentido das minhas palavras com avaliações pejorativas de como eu defendo a “desumanização” e/ou a “tecnificação” da Sociedade porque não é o que penso. Há espaço, ou deve haver, para tudo isto, e ainda bem.
Não, conhecimentos de cultura clássica ou debitar Platão em toda a sua extensão não fará de mim uma cientista social. Claro está, ajudar-me-á a ter conversas mais interessantes, a ter um maior enquadramento do mundo e das coisas, mas não, não será por isso e disso que farei uma análise científica de eventos políticos. Posso até produzir um daqueles magníficos escritos com ideias importantes para operacionalizar, mas conhecê-los por si só, não me transformarão numa académica.
Mas também não penso que só é cientista quem faz modelos que prevêem o futuro ou disseca comportamentos humanos ao pormenor, por exemplo. Falo, isso sim, em tendências, padrões, mecanismos e causas e, quem sabe, melhores explicações do que aquelas que nos habituaram os típicos “conhecedores de tudo”, cujo sumo das palavras se revela em complexidades inexplicáveis e nevoeiro onde tudo e nada são verdade ao mesmo tempo. Esses conhecedores de generalidades são importantes e necessários, e muitas vezes leccionam nas universidades, mas não podem ser confundidos com cientistas, para seu bem maior e para o nosso.
Em ambas as situações sabemos que um académico demorará anos a formar-se e um intelectual idem, a diferença terá mais a ver com a estrutura do conhecimento que se adquire. Se, por um lado, o primeiro tem que seguir rigorosas e disciplinadas estruturas de estudo, o segundo parece fazer o oposto. A produção de conhecimento está, por norma, nas mãos dos académicos, a propagação de ideias, não raramente, está nas mãos dos intelectuais.
Fazer pontes entre estes dois estados é tão importante como diferenciá-los, pois apesar de termos ao nosso dispor cada vez mais instrumentos científicos, continuamos, ainda hoje, a ser ignorantes, como Alexander von Humboldt escrevia há mais de um século.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.
Patrícia Calca, Politóloga
00:07
Jornal Económico
Em boa verdade, nem todos os académicos são intelectuais e nem todos os intelectuais são académicos. Esta confusão verifica-se dentro e fora das fronteiras da Universidade e deve ser tida em conta. Claro está que a posição de cada um de nós a este respeito varia pela sua “melhor ou pior” educação, pelo seu sentido do que é a Cultura e por aquilo a que muitos chamam de “berço”; ou, trocando isto por miúdos, varia de acordo com a nossa perspectiva, como tudo, aliás.
Esta confusão é ainda maior, mais premente e mais delicada nas Ciências Sociais a nas Humanidades. Não vou aqui repetir discussões que tive com colegas ao longo dos anos sobre a diferença entre o método científico e o resto. Mas não posso deixar de reflectir como estas realidades são diferentes e tal deve ser assumido. E mais, não vale a pena tentarem alterar o sentido das minhas palavras com avaliações pejorativas de como eu defendo a “desumanização” e/ou a “tecnificação” da Sociedade porque não é o que penso. Há espaço, ou deve haver, para tudo isto, e ainda bem.
Não, conhecimentos de cultura clássica ou debitar Platão em toda a sua extensão não fará de mim uma cientista social. Claro está, ajudar-me-á a ter conversas mais interessantes, a ter um maior enquadramento do mundo e das coisas, mas não, não será por isso e disso que farei uma análise científica de eventos políticos. Posso até produzir um daqueles magníficos escritos com ideias importantes para operacionalizar, mas conhecê-los por si só, não me transformarão numa académica.
Mas também não penso que só é cientista quem faz modelos que prevêem o futuro ou disseca comportamentos humanos ao pormenor, por exemplo. Falo, isso sim, em tendências, padrões, mecanismos e causas e, quem sabe, melhores explicações do que aquelas que nos habituaram os típicos “conhecedores de tudo”, cujo sumo das palavras se revela em complexidades inexplicáveis e nevoeiro onde tudo e nada são verdade ao mesmo tempo. Esses conhecedores de generalidades são importantes e necessários, e muitas vezes leccionam nas universidades, mas não podem ser confundidos com cientistas, para seu bem maior e para o nosso.
Em ambas as situações sabemos que um académico demorará anos a formar-se e um intelectual idem, a diferença terá mais a ver com a estrutura do conhecimento que se adquire. Se, por um lado, o primeiro tem que seguir rigorosas e disciplinadas estruturas de estudo, o segundo parece fazer o oposto. A produção de conhecimento está, por norma, nas mãos dos académicos, a propagação de ideias, não raramente, está nas mãos dos intelectuais.
Fazer pontes entre estes dois estados é tão importante como diferenciá-los, pois apesar de termos ao nosso dispor cada vez mais instrumentos científicos, continuamos, ainda hoje, a ser ignorantes, como Alexander von Humboldt escrevia há mais de um século.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.
Patrícia Calca, Politóloga
00:07
Jornal Económico
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