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A servidão voluntária
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A servidão voluntária
A verdade passou de valor-padrão de ponderação ética para fator questionável de acordo com os objetivos e as suas circunstâncias
Vivemos tempos difíceis em que todas as verdades que dávamos como absolutas e que estruturavam o nosso modo de vida, o nosso quotidiano e o regime democrático, como sistema político de garantia e salvaguarda das nossas liberdades e padrão de civilização, estão postas em causa.
E, no entanto, são também tempos apaixonantes, pois o desconhecimento do que aí vem, esse desafio, obriga-nos a pensar. Obriga-nos a procurar as soluções adequadas para responder às ameaças e perigos adormecidos ou até agora subestimados.
Aprender e saber pensar cria coragem e as batalhas politicas ganham-se estudando os mapas e pensando como deslizar entre eles.
Tempos de alvoroço e de espírito, onde até a verdade já não é um elemento de referência ou um definidor de personalidade. A verdade passou de valor-padrão de ponderação ética para fator questionável de acordo com os objetivos e as suas circunstâncias.
Tempos em que teremos de decidir se optamos por uma servidão voluntária ou nos elevamos à condição de homens que, apesar de conscientes de não terem todas as respostas para todos os enfrentamentos, se recusam a entregar o seu destino e trajeto da sua única vida nas mãos de um qualquer caudilho ensaiado a populista.
Se não for por uma questão de ética moral, ao menos que seja por vergonha de atraiçoarmos o legado dos que, antes de nós, tudo entregaram na luta pela defesa dos direitos humanos, e por vergonha de entregarmos aos nossos filhos o caos em vez da civilização, a tirania em vez da liberdade.
É por isso que, nestes dias, o congresso dos jornalistas portugueses, o falecimento do filósofo socialista polaco Zygmunt Bauman, a coação do caldo de cultivo da ignorância e do fanatismo das tribos das chamadas redes sociais e da tomada de posse de Donald Trump como presidente dos EUA, e o “discurso sobre a servidão voluntária” de La Boétie são fatores da mesma equação.
Na conferência de imprensa de quarta-feira 11, Trump insultou os jornalistas, humilhou os mexicanos, acusou os chineses de serem vigaristas e ameaçou as empresas que instalaram as suas produções fora dos EUA.
A sua intervenção fez-me recordar o “Discurso sobre a servidão voluntária”, brilhante reflexão de La Boétie escrita em 1548. O autor interroga-se sobre como é possível “que os reis, os demagogos e os caudilhos tiranizem as pessoas ao ponto de estas renunciarem à sua liberdade, não por estabelecerem o seu domínio por medo ou coação, mas sim porque os homens aceitam, de própria vontade, submeter-se ao poder”.
Zygmunt afirmava que as redes sociais eram uma armadilha. Porque o individuo acredita que está em permanente contacto com milhares de pessoas – “amigos”, “seguidores” – e só se dá conta da sua solidão quando apaga o computador em casa: “As relações virtuais estão equipadas com as teclas eliminar e spam, que protegem das consequências de uma interação profunda e real.”
Para o utilizador frequente das redes sociais, o Facebook é a fuga ideal para não se enfrentar qualquer responsabilidade social. As redes sociais abandonam o indivíduo num mundo desestruturado, com ausência de forma, numa “modernidade liquida” onde prevalece a pós-verdade avassaladora, controlada por tribos eletrónicas de serviço aos populismos.
A CNN difundiu um suposto relatório da espionagem dos Estados Unidos em que se acusava Putin de chantagear Donald Trump com vídeos que mostrariam a sua personalidade sexualmente “pervertida”.
Esta informação propagou-se com tal velocidade na internet que a correspondente de uma televisão espanhola nos EUA escreveu no Twitter: “Acabo de ler. Já me perdi. Não sei o que é verdade, o que é falso, o que imaginam...”
Só a mobilização ativa de uma cidadania consciente e esclarecida pode garantir uma democracia forte. E, nisso, a imprensa e os jornalistas têm uma missão insubstituível.
Hitchcock definiu desta forma o suspense no cinema: “Um homem está sentado no seu sofá e ignora que debaixo dele tem uma bomba prestes a explodir. Porém, o público sabe-o.”
No próximo sábado será a bomba que estará sentada na Sala Oval. Preparemo-nos para recusar a servidão.
Consultor de comunicação
Escreve às quintas-feiras
19/01/2017
Artur Pereira
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
Vivemos tempos difíceis em que todas as verdades que dávamos como absolutas e que estruturavam o nosso modo de vida, o nosso quotidiano e o regime democrático, como sistema político de garantia e salvaguarda das nossas liberdades e padrão de civilização, estão postas em causa.
E, no entanto, são também tempos apaixonantes, pois o desconhecimento do que aí vem, esse desafio, obriga-nos a pensar. Obriga-nos a procurar as soluções adequadas para responder às ameaças e perigos adormecidos ou até agora subestimados.
Aprender e saber pensar cria coragem e as batalhas politicas ganham-se estudando os mapas e pensando como deslizar entre eles.
Tempos de alvoroço e de espírito, onde até a verdade já não é um elemento de referência ou um definidor de personalidade. A verdade passou de valor-padrão de ponderação ética para fator questionável de acordo com os objetivos e as suas circunstâncias.
Tempos em que teremos de decidir se optamos por uma servidão voluntária ou nos elevamos à condição de homens que, apesar de conscientes de não terem todas as respostas para todos os enfrentamentos, se recusam a entregar o seu destino e trajeto da sua única vida nas mãos de um qualquer caudilho ensaiado a populista.
Se não for por uma questão de ética moral, ao menos que seja por vergonha de atraiçoarmos o legado dos que, antes de nós, tudo entregaram na luta pela defesa dos direitos humanos, e por vergonha de entregarmos aos nossos filhos o caos em vez da civilização, a tirania em vez da liberdade.
É por isso que, nestes dias, o congresso dos jornalistas portugueses, o falecimento do filósofo socialista polaco Zygmunt Bauman, a coação do caldo de cultivo da ignorância e do fanatismo das tribos das chamadas redes sociais e da tomada de posse de Donald Trump como presidente dos EUA, e o “discurso sobre a servidão voluntária” de La Boétie são fatores da mesma equação.
Na conferência de imprensa de quarta-feira 11, Trump insultou os jornalistas, humilhou os mexicanos, acusou os chineses de serem vigaristas e ameaçou as empresas que instalaram as suas produções fora dos EUA.
A sua intervenção fez-me recordar o “Discurso sobre a servidão voluntária”, brilhante reflexão de La Boétie escrita em 1548. O autor interroga-se sobre como é possível “que os reis, os demagogos e os caudilhos tiranizem as pessoas ao ponto de estas renunciarem à sua liberdade, não por estabelecerem o seu domínio por medo ou coação, mas sim porque os homens aceitam, de própria vontade, submeter-se ao poder”.
Zygmunt afirmava que as redes sociais eram uma armadilha. Porque o individuo acredita que está em permanente contacto com milhares de pessoas – “amigos”, “seguidores” – e só se dá conta da sua solidão quando apaga o computador em casa: “As relações virtuais estão equipadas com as teclas eliminar e spam, que protegem das consequências de uma interação profunda e real.”
Para o utilizador frequente das redes sociais, o Facebook é a fuga ideal para não se enfrentar qualquer responsabilidade social. As redes sociais abandonam o indivíduo num mundo desestruturado, com ausência de forma, numa “modernidade liquida” onde prevalece a pós-verdade avassaladora, controlada por tribos eletrónicas de serviço aos populismos.
A CNN difundiu um suposto relatório da espionagem dos Estados Unidos em que se acusava Putin de chantagear Donald Trump com vídeos que mostrariam a sua personalidade sexualmente “pervertida”.
Esta informação propagou-se com tal velocidade na internet que a correspondente de uma televisão espanhola nos EUA escreveu no Twitter: “Acabo de ler. Já me perdi. Não sei o que é verdade, o que é falso, o que imaginam...”
Só a mobilização ativa de uma cidadania consciente e esclarecida pode garantir uma democracia forte. E, nisso, a imprensa e os jornalistas têm uma missão insubstituível.
Hitchcock definiu desta forma o suspense no cinema: “Um homem está sentado no seu sofá e ignora que debaixo dele tem uma bomba prestes a explodir. Porém, o público sabe-o.”
No próximo sábado será a bomba que estará sentada na Sala Oval. Preparemo-nos para recusar a servidão.
Consultor de comunicação
Escreve às quintas-feiras
19/01/2017
Artur Pereira
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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