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Mensagem por Admin Dom Jan 22, 2017 12:33 pm

A foto é impressiva. Fez primeira página no DN nesta semana. Uma sala de aula meio cheia, e em primeiro plano dois alunos com ar enregelado e cobertos por uma manta. Estamos em 2017, eu já vou nos 48, lembro-me de ter passado algum frio pelas salas de aula por onde andei, mas não tenho memória de algum dia ter levado mantas ou cobertores para a escola, nem de ter ao lado da carteira um radiador. Sim, é impressionante, mas o improviso contra o frio naquela escola de Serpa e noutras escolas de Lisboa e de Coimbra onde o DN fez reportagem nesta semana é um passo atrás em relação a algumas escolas antiquadas e degradadas por onde passei nos anos 1970 e 1980 do século passado. Entretanto, habituámo-nos.

O Estado em que estamos Ng8180729
A saúde, a educação e outros serviços públicos básicos sofreram com os anos do ajustamento, com o tempo da troika. Em boa verdade, já não estavam bem, mas o forte desinvestimento trouxe problemas que, sobretudo na saúde, só agora começam a revelar-se. A questão é que já lá vai mais de um ano de um governo socialista”, com apoio de Bloco, PCP e Verdes, e pouco ou nada mudou 
GUSTAVO BOM / GLOBAL IMAGENS

Também já estamos habituados aos meses de lista de espera nas consultas de especialidade no Serviço Nacional de Saúde, e aos recorrentes anúncios de programas de combate às ditas, às listas de espera. E que um simples e nada surpreendente surto de gripe, num qualquer dezembro ou janeiro, transforme uma passagem por uma urgência hospitalar numa experiência tântrica, numa espera de 12 ou 14 horas, também já não nos espanta. Olhamos assim a face mais visível do Estado porque sim, porque é assim, sempre foi assim. Sempre?

Já não é notícia, por exemplo, que um recém-desempregado, no seu primeiro contacto com a Segurança Social, chegue às oito da manhã, dê de caras com outros desempregados na fila desde as cinco da madrugada, retire da máquina a senha n.º 200 ou 300, e que a meio da tarde tenha ainda 40 ou 50 pessoas à frente, já sem qualquer esperança de ser atendido. É normal, já não merece um olhar crítico, uma pergunta, uma reclamação, uma notícia. É assim. Habituámo-nos.

A saúde, a educação e outros serviços públicos básicos sofreram com os anos do ajustamento, com o tempo da troika. Em boa verdade, já não estavam bem, mas o forte desinvestimento trouxe problemas que, sobretudo na saúde, só agora começam a revelar-se. A questão é que já lá vai mais de um ano de um governo "socialista", com apoio de Bloco, PCP e Verdes, e pouco ou nada mudou. É a demonstração de que a retórica política, a palavra, tem uma reduzida capacidade de mudança se não for municiada com um bem muito mais escasso: o dinheiro.

Os quatro anos de ajustamento e de opções perfeitamente legítimas por "menos Estado", em conjunto com a igualmente legítima aposta do atual governo num défice historicamente baixo, e com uma margem orçamental ainda muito frágil, são uma mistura explosiva. Afinal, de que serve ter quatro partidos a anunciar a dedicação ao Estado social e aos serviços públicos se a prioridade é, na prática, precisamente a mesma do anterior governo - apresentar contas públicas limpinhas, um deficezinho supimpa, para cumprir compromissos externos e esfregar o número na cara da oposição? (o governo anterior nunca o conseguiu, mas a intenção estava lá). De que servem esses históricos 2,3% aos eleitores representados por esta maioria de "esquerda" - e que a suportam cada vez mais em sondagens -, se depois qualquer encontro com a máquina do Estado é um exercício impossível de exasperação e resignação?

O pão e circo da reposição de rendimentos tem os seus limites e a TSU foi uma espécie de aquecimento. O renascimento dos sindicatos dos professores, a propósito do combate à precariedade e integração dos contratados, é apenas um exemplo. António Costa vai ter um 2017 trabalhoso, e será precisamente nestas áreas - educação e saúde - que o choque com a esquerda vai ser mais difícil. Ou isso, ou Bloco e PCP vão ter de fechar as cartilhas na gaveta, em nome de um governo que não é o deles.


22 DE JANEIRO DE 2017
00:00
Paulo Tavares
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