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Lisboa: menina e moça?
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Lisboa: menina e moça?
Para os economistas, estabelecer uma “realidade alternativa” não é (ou não devia ser) um exercício de imaginação, mas sim estatístico.
Por coincidência, no dia em que foi publicado o meu último artigo, um grupo de cidadãos e organizações lançou uma petição online pelo direito a morar em Lisboa. Verdade seja que, na carta aberta que redigiram, não responsabilizam exclusivamente o turismo, referindo também a nova lei do arrendamento e os vistos gold. E até admitem que a subida dos preços do imobiliário é uma realidade a nível nacional e não exclusiva da capital. Mas lá surge o discurso recorrente dos habitantes expulsos pelos turistas e da “perda de população, [d]o despovoamento, [d]o decréscimo dos jovens, [d]o fenecimento de múltiplas comunidades que dão cor e vida à cidade”.
Uma das muitas coisas que se aprendem em Economia é que perceber o impacto de um fenómeno exige uma análise “contrafactual”. Ou seja, se eu quero determinar os efeitos de um certo acontecimento tenho de considerar o que seria a realidade se aquele facto não tivesse ocorrido. Para os economistas, estabelecer uma “realidade alternativa” não é (ou não devia ser) um exercício de imaginação, mas sim estatístico.
E que dizem, então, os dados sobre a relação causal entre turismo e perda de população em Lisboa? Bom, eu não sei se o centro da cidade tem efectivamente menos habitantes hoje que em 2011. Há muita gente a escrever que isso está a suceder, mas são sempre “achismos” (ou melhor, percepções não quantificadas). Admitamos, contudo, que sim, que a população dessas freguesias tem vindo a diminuir. É consultar os Censos e constatar que essa é uma tendência que se verifica muito antes de Portugal ser um destino turístico tão em voga.
Entre 1991 e 2001, foram 22% dos residentes que se perderam; 9% entre 2001 e 2011. Ou seja, os dados não nos permitem culpar o turismo pela redução da população no centro de Lisboa. E, provavelmente, o saldo só não foi pior graças à imigração. Por exemplo, em 2011, um terço das pessoas a viver em Santa Justa era estrangeira; proporção que chegava aos 28% e aos 20%, respectivamente, no Socorro e em São Nicolau. Curiosamente, durante muito tempo, eram estes estrangeiros que não estavam de visita a despoletar preocupação quanto aos destinos da cidade; felizmente, hoje são as “múltiplas comunidades que [lhe] dão cor e vida”.
Por outro lado, se o país está globalmente a ficar envelhecido, a zona histórica de Lisboa estava-o particularmente. Entre 2001 e 2011, todas as freguesias consideradas viram o peso da sua população com mais de 65 anos aumentar; entre 1991 e 2001, só quatro fizeram a excepção. Ora, como – por definição, infelizmente – as pessoas não são eternas, era expectável que muitas delas tivessem deixado as suas casas no centro de Lisboa, só que não foi o turismo que as levou… A acompanhar as pessoas, os edifícios. Em 2011, 44% dos edifícios de Santa Justa estavam muito degradados; em São Vicente de Fora, 75% deles tinham necessidade de algum tipo de reparação. Cidade a ponto luz bordada, toalha à beira mar estendida, Lisboa não estava menina e moça, mas sim idosa.
Uma nota curiosa, em jeito de adenda. Nos últimos dias, os tuk-tuk voltaram a ser notícia: a Câmara Municipal de Lisboa pretende que todos sejam eléctricos ainda este ano. De um lado, escuto que os muitos moradores dos bairros históricos estavam fartos do barulho e da poluição. Do mesmo lado, ouço que já ninguém mora em Lisboa…
P.S. – Como freguesias que compõem o centro da cidade, e com referência à anterior organização administrativa, estou a considerar as seguintes: Anjos, Castelo, Coração de Jesus. Encarnação, Graça, Lapa, Madalena, Mártires, Mercês, Pena, Prazeres, Sacramento, Santa Catarina, Santa Engrácia, Santa Justa, Santiago, Santo Estêvão, Santos-o-Velho, São Cristóvão e São Lourenço, São Jorge de Arroios, São José, São Mamede, São Miguel, São Nicolau, São Paulo, São Vicente de Fora, Sé e Socorro.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
Vera Gouveia Barros, Economista
00:08
Jornal Económico
Por coincidência, no dia em que foi publicado o meu último artigo, um grupo de cidadãos e organizações lançou uma petição online pelo direito a morar em Lisboa. Verdade seja que, na carta aberta que redigiram, não responsabilizam exclusivamente o turismo, referindo também a nova lei do arrendamento e os vistos gold. E até admitem que a subida dos preços do imobiliário é uma realidade a nível nacional e não exclusiva da capital. Mas lá surge o discurso recorrente dos habitantes expulsos pelos turistas e da “perda de população, [d]o despovoamento, [d]o decréscimo dos jovens, [d]o fenecimento de múltiplas comunidades que dão cor e vida à cidade”.
Uma das muitas coisas que se aprendem em Economia é que perceber o impacto de um fenómeno exige uma análise “contrafactual”. Ou seja, se eu quero determinar os efeitos de um certo acontecimento tenho de considerar o que seria a realidade se aquele facto não tivesse ocorrido. Para os economistas, estabelecer uma “realidade alternativa” não é (ou não devia ser) um exercício de imaginação, mas sim estatístico.
E que dizem, então, os dados sobre a relação causal entre turismo e perda de população em Lisboa? Bom, eu não sei se o centro da cidade tem efectivamente menos habitantes hoje que em 2011. Há muita gente a escrever que isso está a suceder, mas são sempre “achismos” (ou melhor, percepções não quantificadas). Admitamos, contudo, que sim, que a população dessas freguesias tem vindo a diminuir. É consultar os Censos e constatar que essa é uma tendência que se verifica muito antes de Portugal ser um destino turístico tão em voga.
Entre 1991 e 2001, foram 22% dos residentes que se perderam; 9% entre 2001 e 2011. Ou seja, os dados não nos permitem culpar o turismo pela redução da população no centro de Lisboa. E, provavelmente, o saldo só não foi pior graças à imigração. Por exemplo, em 2011, um terço das pessoas a viver em Santa Justa era estrangeira; proporção que chegava aos 28% e aos 20%, respectivamente, no Socorro e em São Nicolau. Curiosamente, durante muito tempo, eram estes estrangeiros que não estavam de visita a despoletar preocupação quanto aos destinos da cidade; felizmente, hoje são as “múltiplas comunidades que [lhe] dão cor e vida”.
Por outro lado, se o país está globalmente a ficar envelhecido, a zona histórica de Lisboa estava-o particularmente. Entre 2001 e 2011, todas as freguesias consideradas viram o peso da sua população com mais de 65 anos aumentar; entre 1991 e 2001, só quatro fizeram a excepção. Ora, como – por definição, infelizmente – as pessoas não são eternas, era expectável que muitas delas tivessem deixado as suas casas no centro de Lisboa, só que não foi o turismo que as levou… A acompanhar as pessoas, os edifícios. Em 2011, 44% dos edifícios de Santa Justa estavam muito degradados; em São Vicente de Fora, 75% deles tinham necessidade de algum tipo de reparação. Cidade a ponto luz bordada, toalha à beira mar estendida, Lisboa não estava menina e moça, mas sim idosa.
Uma nota curiosa, em jeito de adenda. Nos últimos dias, os tuk-tuk voltaram a ser notícia: a Câmara Municipal de Lisboa pretende que todos sejam eléctricos ainda este ano. De um lado, escuto que os muitos moradores dos bairros históricos estavam fartos do barulho e da poluição. Do mesmo lado, ouço que já ninguém mora em Lisboa…
P.S. – Como freguesias que compõem o centro da cidade, e com referência à anterior organização administrativa, estou a considerar as seguintes: Anjos, Castelo, Coração de Jesus. Encarnação, Graça, Lapa, Madalena, Mártires, Mercês, Pena, Prazeres, Sacramento, Santa Catarina, Santa Engrácia, Santa Justa, Santiago, Santo Estêvão, Santos-o-Velho, São Cristóvão e São Lourenço, São Jorge de Arroios, São José, São Mamede, São Miguel, São Nicolau, São Paulo, São Vicente de Fora, Sé e Socorro.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
Vera Gouveia Barros, Economista
00:08
Jornal Económico
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