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Palavras para quê? Para tudo
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Palavras para quê? Para tudo
As empresas não prestam mas as pessoas são ótimas. Nos últimos 20 anos trabalhei em Portugal para mais de uma dezena de publicações, a maior parte das quais já não existem. O mercado português é volátil como um bazar chinês. Empresas surgem e desaparecem a uma velocidade estonteante: na esquina onde antes existira a mercearia da D. Antónia ou do senhor Joaquim abriu o banco do engenheiro Jardim Gonçalves ou do comendador Horácio Roque, para depois se tornar uma loja de produtos gourmet do Martim ou da Mariana, num fast-food com hambúrgueres saudáveis ou numa geladaria artesanal de baixas calorias.
A característica de maior estabilidade na economia portuguesa é a inconstância dos negócios. A atual Fnac substituiu a velha sigla da fábrica nacional que produzia ares condicionados, o UMM é uma memória antiga, o BCP passou a Millennium, o Espírito Santo a Novo Banco e o Meo já mudou pelo menos três vezes de nome. Como cantava o poeta de pala no olho: "Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades." O que Camões não anteviu foi que essas "novas qualidades" pudessem ser um retrocesso nacional. Uma EDP, Fidelidade ou PT já não são portuguesas. O que eram receitas do setor público quando vim viver pela primeira vez para Portugal, há quase um quarto de século, são hoje lucros que saem do país para Pequim, para Paris ou juros de empréstimos que vão para Berlim sem volta na ponta. Mas no meio de tudo isto mantém-se intacta a alma lusitana. E um dos seus traços mais marcantes é a capacidade de verbalizar a vida.
A estimada leitora e o caro leitor não entendem do que falo? Esperem, que tenho de dar um passo atrás e desculpem lá a divagação, que isto de usar muitas palavras é contagioso. Enquanto na Alemanha chego ao balcão de um café e digo "Espresso, bitte", em Portugal tendo a dizer qualquer coisa como "Bom-dia, desculpe lá, se não se importa, era um cafezinho se faz favor, muito obrigado." Já o padre António Vieira dizia que não tinha tempo para ser breve. Falar muito é bom, porque falar une as pessoas. Pode ter de se poupar em tudo, menos nas palavras. As palavras são cortesias sem custo para o utilizador.
Nas muitas empresas onde trabalhei em Portugal houve sempre uma ligação às pessoas como se fossem uma extensão da família. Escrevi reportagens para a revista do Independente, fui redator do Semanário Económico e da revista Fortunas e Negócios, colaborador do Diário Económico e editor da Carteira, tudo jornais e revistas que já não existem, mas as pessoas, essas nunca as perdi de vista - e se perdi, ficaram no coração. Viajei pelas Américas, pela Ásia, por países africanos e europeus como repórter da saudosa Grande Reportagem e em lado algum vi tanta gente que tenha tanto para dizer, de forma tão sentida, como aqui.
Se nos abstrairmos dos horários, dos administradores e dos salários, em nenhum sítio do mundo é tão agradável trabalhar como em Portugal.
Num país de estruturas, empresas e chefias débeis, só as pessoas contam. Em nenhum escritório do planeta me sinto tão próximo dos colegas como em Portugal. Aqui, se me cruzo com alguém no corredor, o mais certo é perguntarem-me com genuíno interesse pelo fim de semana, pelas minha filhas ou pela saúde da minha avó. No dia em que as palavras em Portugal pagarem imposto, fica resolvida a crise da dívida pública e privada.
Na Alemanha, fui durante os últimos quase três anos cronista de um jornal diário em Berlim, redator numa revista em Frankfurt e colaborador numa editora de Munique. Se no corredor perguntava de passagem a um colega ou editor pelo prazo de entrega de um trabalho, o mais certo era receber como resposta, antes de a pessoa seguir atarefada o seu caminho, qualquer coisa com "KW15" ou "KW23"(KW é a abreviatura habitual para Kalenderwoche, que significa "semana do calendário"). As muitas palavras tornam o trabalho em Portugal menos produtivo? Possivelmente. Mas prefiro ser menos produtivo com um sorriso na cara a ser campeão de exportações com trombas do tamanho do Tarrafal em dia de trovoada.
Correspondente do der Freitag e N24, cronista do Portugal Post e comentador do Jornal2 da RTP
20 DE FEVEREIRO DE 2017
00:19
Miguel Szymanski
Diário de Notícias
A característica de maior estabilidade na economia portuguesa é a inconstância dos negócios. A atual Fnac substituiu a velha sigla da fábrica nacional que produzia ares condicionados, o UMM é uma memória antiga, o BCP passou a Millennium, o Espírito Santo a Novo Banco e o Meo já mudou pelo menos três vezes de nome. Como cantava o poeta de pala no olho: "Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades." O que Camões não anteviu foi que essas "novas qualidades" pudessem ser um retrocesso nacional. Uma EDP, Fidelidade ou PT já não são portuguesas. O que eram receitas do setor público quando vim viver pela primeira vez para Portugal, há quase um quarto de século, são hoje lucros que saem do país para Pequim, para Paris ou juros de empréstimos que vão para Berlim sem volta na ponta. Mas no meio de tudo isto mantém-se intacta a alma lusitana. E um dos seus traços mais marcantes é a capacidade de verbalizar a vida.
A estimada leitora e o caro leitor não entendem do que falo? Esperem, que tenho de dar um passo atrás e desculpem lá a divagação, que isto de usar muitas palavras é contagioso. Enquanto na Alemanha chego ao balcão de um café e digo "Espresso, bitte", em Portugal tendo a dizer qualquer coisa como "Bom-dia, desculpe lá, se não se importa, era um cafezinho se faz favor, muito obrigado." Já o padre António Vieira dizia que não tinha tempo para ser breve. Falar muito é bom, porque falar une as pessoas. Pode ter de se poupar em tudo, menos nas palavras. As palavras são cortesias sem custo para o utilizador.
Nas muitas empresas onde trabalhei em Portugal houve sempre uma ligação às pessoas como se fossem uma extensão da família. Escrevi reportagens para a revista do Independente, fui redator do Semanário Económico e da revista Fortunas e Negócios, colaborador do Diário Económico e editor da Carteira, tudo jornais e revistas que já não existem, mas as pessoas, essas nunca as perdi de vista - e se perdi, ficaram no coração. Viajei pelas Américas, pela Ásia, por países africanos e europeus como repórter da saudosa Grande Reportagem e em lado algum vi tanta gente que tenha tanto para dizer, de forma tão sentida, como aqui.
Se nos abstrairmos dos horários, dos administradores e dos salários, em nenhum sítio do mundo é tão agradável trabalhar como em Portugal.
Num país de estruturas, empresas e chefias débeis, só as pessoas contam. Em nenhum escritório do planeta me sinto tão próximo dos colegas como em Portugal. Aqui, se me cruzo com alguém no corredor, o mais certo é perguntarem-me com genuíno interesse pelo fim de semana, pelas minha filhas ou pela saúde da minha avó. No dia em que as palavras em Portugal pagarem imposto, fica resolvida a crise da dívida pública e privada.
Na Alemanha, fui durante os últimos quase três anos cronista de um jornal diário em Berlim, redator numa revista em Frankfurt e colaborador numa editora de Munique. Se no corredor perguntava de passagem a um colega ou editor pelo prazo de entrega de um trabalho, o mais certo era receber como resposta, antes de a pessoa seguir atarefada o seu caminho, qualquer coisa com "KW15" ou "KW23"(KW é a abreviatura habitual para Kalenderwoche, que significa "semana do calendário"). As muitas palavras tornam o trabalho em Portugal menos produtivo? Possivelmente. Mas prefiro ser menos produtivo com um sorriso na cara a ser campeão de exportações com trombas do tamanho do Tarrafal em dia de trovoada.
Correspondente do der Freitag e N24, cronista do Portugal Post e comentador do Jornal2 da RTP
20 DE FEVEREIRO DE 2017
00:19
Miguel Szymanski
Diário de Notícias
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