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O balanço da austeridade, agora em números
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O balanço da austeridade, agora em números
Duramos anos, muitos foram os que avisaram que a chamada política de austeridade era incapaz de cumprir o seu objectivo declarado (equilibrar as contas públicas e controlar a dívida pública), e que teria efeitos sociais devastadores, desde logo ao colapsar a Economia enquanto transferia riqueza dos mais pobres para os mais ricos.
No que respeita àquele último aspecto, os dados sobre evolução da pobreza e repartição do PIB entre capital e trabalho são esclarecedores.
Vale a pena relembrar que, como escrevemos aqui no final do ano passado: “É absolutamente atípico, por um lado, que a remuneração do capital (o excedente bruto de produção) aumente em anos de crise e, por outro lado, os dados em causa demonstram de forma cabal o colapso da renumeração do trabalho, que caí a partir de 2010 de forma abrupta quase 10 mil milhões de Euros. Estes dados são corroborados por uma análise qualitativa e quantitativa da receita fiscal.”.
Na altura lembrámos também que: “O que seja, em bom rigor, austeridade, é desde logo discutível. O conceito tem pouca ou nenhuma base científica, tem sido usado, e abusado, no contexto político para defender ou atacar as mais variadas políticas, e nunca foi objecto de uma avaliação rigorosa que permita um mínimo consenso quanto aos seus resultados.”.
Essa avaliação científica está a começar. Esta semana foi publicado um interessante estudo em que o sucesso ou insucesso da austeridade foi avaliado para o conjunto da a União Europeia (“Austerity in the Aftermath of the Great Recession” por Christopher House, Linda Tesar e Christïan Proebsting, da Universidade de Michigan).
É uma leitura ao mesmo tempo recomendada e imprópria para os estômagos mais fracos.
Primeiro aspecto, a dívida devia ter descido mas subiu.
Para espanto dos cavaleiros do Excel, cortar de forma cega, abrupta e injusta a despesa pública e fazer o mesmo do lado do aumento de impostos gera um efeito perverso em que a contracção da Economia arrasta o ratio da dívida pública na direcção oposta à pretendida.
Em vez de descer, sobe. Em média, a dívida pública para os Países do Sul (mais Irlanda) subiu o dobro do que teria subido sem as políticas de austeridade focadas no défice de curto prazo a todo o custo. O dobro. Isso enquanto a Economia afundava.
Essa contração da Economia é calculada por House, Tesar e Proebsting, para os mesmos países num total de 18% do PIB entre 2010 e 2014.
Quase um quinto da Economia pura e simplesmente desapareceu. Não admira que o desemprego tenha explodido. Tirando situações de Guerra ou catástrofes naturais é difícil encontrar paralelo na história para um tal descalabro.
Os mesmos autores salientam que essa queda poderia ter sido de apenas 7% se estes países pudessem ter acompanhado a política de austeridade com uma política monetária adequada mas, mais, que se além disso não tivessem aplicado políticas de austeridade, essa queda poderia ter sido de apenas 1%.
Ficam comprovados dois pontos: a arquitectura do Euro não consegue lidar com recessões sem as agravar, factor muito associado a opções políticas erradas e há uma óbvia “self fulfulling prophecy” que diz que se um país não pode desvalorizar a sua moeda isso aumenta o seu risco de incumprimento o que por sua vez gera juros mais altos que mais agravam o risco de incumprimento e assim sucessivamente.
A austeridade não é apenas uma má ideia, cujos fundamentos básicos são destituídos de lógica e cujos efeitos são contrários aos pretendidos, é uma ideia perigosa que agrava desigualdades, cria pobreza e transforma crises financeiras em crises económicas e estas em crises políticas.
Como ainda não resolvemos nenhuma delas em definitivo, teremos de lidar agora com as três ao mesmo tempo. Tem tudo para correr bem.
MARCO CAPITÃO FERREIRA
22.02.2017 às 8h46
Expresso
No que respeita àquele último aspecto, os dados sobre evolução da pobreza e repartição do PIB entre capital e trabalho são esclarecedores.
Vale a pena relembrar que, como escrevemos aqui no final do ano passado: “É absolutamente atípico, por um lado, que a remuneração do capital (o excedente bruto de produção) aumente em anos de crise e, por outro lado, os dados em causa demonstram de forma cabal o colapso da renumeração do trabalho, que caí a partir de 2010 de forma abrupta quase 10 mil milhões de Euros. Estes dados são corroborados por uma análise qualitativa e quantitativa da receita fiscal.”.
Na altura lembrámos também que: “O que seja, em bom rigor, austeridade, é desde logo discutível. O conceito tem pouca ou nenhuma base científica, tem sido usado, e abusado, no contexto político para defender ou atacar as mais variadas políticas, e nunca foi objecto de uma avaliação rigorosa que permita um mínimo consenso quanto aos seus resultados.”.
Essa avaliação científica está a começar. Esta semana foi publicado um interessante estudo em que o sucesso ou insucesso da austeridade foi avaliado para o conjunto da a União Europeia (“Austerity in the Aftermath of the Great Recession” por Christopher House, Linda Tesar e Christïan Proebsting, da Universidade de Michigan).
É uma leitura ao mesmo tempo recomendada e imprópria para os estômagos mais fracos.
Primeiro aspecto, a dívida devia ter descido mas subiu.
Para espanto dos cavaleiros do Excel, cortar de forma cega, abrupta e injusta a despesa pública e fazer o mesmo do lado do aumento de impostos gera um efeito perverso em que a contracção da Economia arrasta o ratio da dívida pública na direcção oposta à pretendida.
Em vez de descer, sobe. Em média, a dívida pública para os Países do Sul (mais Irlanda) subiu o dobro do que teria subido sem as políticas de austeridade focadas no défice de curto prazo a todo o custo. O dobro. Isso enquanto a Economia afundava.
Essa contração da Economia é calculada por House, Tesar e Proebsting, para os mesmos países num total de 18% do PIB entre 2010 e 2014.
Quase um quinto da Economia pura e simplesmente desapareceu. Não admira que o desemprego tenha explodido. Tirando situações de Guerra ou catástrofes naturais é difícil encontrar paralelo na história para um tal descalabro.
Os mesmos autores salientam que essa queda poderia ter sido de apenas 7% se estes países pudessem ter acompanhado a política de austeridade com uma política monetária adequada mas, mais, que se além disso não tivessem aplicado políticas de austeridade, essa queda poderia ter sido de apenas 1%.
Ficam comprovados dois pontos: a arquitectura do Euro não consegue lidar com recessões sem as agravar, factor muito associado a opções políticas erradas e há uma óbvia “self fulfulling prophecy” que diz que se um país não pode desvalorizar a sua moeda isso aumenta o seu risco de incumprimento o que por sua vez gera juros mais altos que mais agravam o risco de incumprimento e assim sucessivamente.
A austeridade não é apenas uma má ideia, cujos fundamentos básicos são destituídos de lógica e cujos efeitos são contrários aos pretendidos, é uma ideia perigosa que agrava desigualdades, cria pobreza e transforma crises financeiras em crises económicas e estas em crises políticas.
Como ainda não resolvemos nenhuma delas em definitivo, teremos de lidar agora com as três ao mesmo tempo. Tem tudo para correr bem.
MARCO CAPITÃO FERREIRA
22.02.2017 às 8h46
Expresso
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