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Financiar a inovação ou os lobbies?
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Financiar a inovação ou os lobbies?
O 'Interface' é um novo programa de apoio à inovação. Vai o Governo realmente financiar a inovação ou estará o executivo a enredar-se numa armadilha de captura?
Foi há dias anunciado o novo programa “Interface” do Governo, que visa capacitar a indústria portuguesa e fomentar a transferência de conhecimento e de tecnologia para as empresas. Envolverá apoio público de 1400 milhões de euros até 2022, através de subsídios do Estado (sobretudo de fundos do PT2020) e, também, através de linhas de crédito especialmente dedicadas para o efeito pelo Governo.
O “Interface” colocará especial ênfase na articulação entre os estabelecimentos do ensino superior, os centros tecnológicos e as empresas. O primeiro ministro, em tom efusivo, diz que este é o programa mais importante do Plano Nacional de Reformas porque “[é] o que está centrado no ponto fundamental do nosso modelo de estratégia de desenvolvimento: inovação”. Aproveitando a ocasião, foi também anunciada a iniciativa “Clube de Fornecedores”, mediante a qual grandes empresas presentes em Portugal se propõem aumentar as compras realizadas junto de fornecedores portugueses.
Vai o Governo realmente financiar a inovação ou estará o executivo a enredar-se numa armadilha de captura?
Comecemos pelos indicadores de inovação. Em Portugal as despesas totais (públicas e privadas) em Investigação e Desenvolvimento (I&D) representam 1,3% do PIB. Trata-se de um valor substancialmente inferior à média da União Europeia (2,0%) e também inferior a alguns países do leste europeu que concorrem connosco como, por exemplo, a República Checa ou a Eslovénia (que evidenciam valores iguais ou superiores à média europeia).
Não obstante a baixa penetração da inovação na nossa economia, é justo reconhecê-lo, na última década Portugal registou uma evolução muito boa, quase duplicando os níveis de investimento em I&D. Continuamos, no entanto, aquém do desejável. Segundo o “European Innovation Scoreboard”, Portugal é um “inovador moderado”. Em especial, há duas dimensões que nos penalizam sobremaneira: o reduzido investimento privado em I&D e o diminuto registo de propriedade intelectual. Ambas estarão relacionadas com a tipologia das empresas portuguesas, mas também com as circunstâncias, deficiências e limitações institucionais do nosso país.
Para compensar a falta de investimento privado em I&D, o financiamento da inovação em Portugal é realizado sobretudo a partir de fundos públicos, que são apropriados pelas empresas privadas e pelas organizações públicas, mormente o ensino superior, que em conjunto produzem I&D.
Por esta razão, ao contrário do que é habitual na Europa, em Portugal não é apenas o financiamento que é maioritariamente público; também a produção de I&D pende (ainda que ligeiramente) para o lado das organizações públicas e estabelecimento de ensino superior. E daqui decorre, segundo um estudo da Fundação para a Ciência e Tecnologia (“Diagnóstico do Sistema de Investigação e Inovação – Desafios, Forças e Fraquezas rumo a 2020”, citado no Acordo de Parceria 2014-2020 entre Portugal e a UE, p.22)”, que a percentagem de doutorados nas empresas portuguesas é baixíssima, quase inexistente, comparado com o que sucede noutros países da Europa.
O conhecimento aplicado não passa, portanto, para o nível das empresas. E porquê? Porque os incentivos não são ainda suficientemente fortes para quebrar o muro entre a academia e a economia, entre o sector público e o privado.
A transferência de conhecimento aplicado deveria, pois, estar na vanguarda da agenda que rege os fundos europeus. Em primeiro lugar, não deveria ser permitido que estudos académicos que nada têm a ver com competitividade empresarial (como, por exemplo, os estudos “REBUNIONS: Reconstruindo o poder sindical na era da austeridade” ou “BLEND: Desejo, Miscigenação e Violência: o presente e o passado da Guerra Colonial Portuguesa”, ambos do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) fossem aprovados no âmbito de programas como o COMPETE.
Adicionalmente, os incentivos fiscais ao investimento em I&D deveriam ser muito mais robustos do que são e deveriam reger-se por quadros regulamentares de simples entendimento e de fácil avaliação (e não através dos regulamentos complexos e ininteligíveis que tipicamente encontramos). Despesas de I&D fiscalmente dedutíveis a 100% e critérios que em duas ou três linhas toda a gente entendesse, tais como: gastos com pessoal relacionados com empregos qualificados, gastos associados ao registo de patentes ou, ainda, investimentos em projectos de investigação conduzidos conjuntamente com entidades terceiras. Assim se incentivaria o investimento e o emprego qualificado, assim se incentivaria a economia colaborativa, e assim se criaria uma cultura de inovação. O tal ecossistema que não se cria nem por decreto nem com um helicóptero a despejar notas caídas do céu.
De acordo com os “rankings” europeus, Portugal apresenta hoje bons recursos humanos na área da inovação, condição sem a qual não seria possível promover I&D. Isto tem de ser sublinhado e valorizado. No entanto, é necessário que esse conhecimento seja colocado ao serviço da economia e do país. Desta forma, tem de existir uma boa articulação entre os subsídios que decorrem do PT2020, designadamente aqueles que estão consignados à inovação, e os incentivos fiscais em sede de I&D que o Governo deve promover em paralelo.
Num país como o nosso (pequeno, muito aberto ao exterior, mas ainda com baixa penetração tecnológica), o sector público pode tomar a iniciativa no financiamento e na produção de I&D. Mas é de todo o interesse que esse papel de liderança passe para o domínio das empresas, porque o Estado não deve substituir-se ao sector privado.
Isso representaria a apropriação indevida de margens de lucro por parte de interesses privados, que deveriam estar em primeiro lugar dedicadas ao investimento orgânico em I&D. E representaria também a manutenção do “statu quo” de indiferença que tanto se critica ao sector privado e que, frequentemente, está na base da condescendência e da soberba da academia em relação à economia.
De facto, a captura do Estado não provém somente do sector privado; exerce-se também no seio do próprio Estado.
Ricardo Arroja
01/03/2017
ECO - Economia Online
Foi há dias anunciado o novo programa “Interface” do Governo, que visa capacitar a indústria portuguesa e fomentar a transferência de conhecimento e de tecnologia para as empresas. Envolverá apoio público de 1400 milhões de euros até 2022, através de subsídios do Estado (sobretudo de fundos do PT2020) e, também, através de linhas de crédito especialmente dedicadas para o efeito pelo Governo.
O “Interface” colocará especial ênfase na articulação entre os estabelecimentos do ensino superior, os centros tecnológicos e as empresas. O primeiro ministro, em tom efusivo, diz que este é o programa mais importante do Plano Nacional de Reformas porque “[é] o que está centrado no ponto fundamental do nosso modelo de estratégia de desenvolvimento: inovação”. Aproveitando a ocasião, foi também anunciada a iniciativa “Clube de Fornecedores”, mediante a qual grandes empresas presentes em Portugal se propõem aumentar as compras realizadas junto de fornecedores portugueses.
Vai o Governo realmente financiar a inovação ou estará o executivo a enredar-se numa armadilha de captura?
Comecemos pelos indicadores de inovação. Em Portugal as despesas totais (públicas e privadas) em Investigação e Desenvolvimento (I&D) representam 1,3% do PIB. Trata-se de um valor substancialmente inferior à média da União Europeia (2,0%) e também inferior a alguns países do leste europeu que concorrem connosco como, por exemplo, a República Checa ou a Eslovénia (que evidenciam valores iguais ou superiores à média europeia).
Não obstante a baixa penetração da inovação na nossa economia, é justo reconhecê-lo, na última década Portugal registou uma evolução muito boa, quase duplicando os níveis de investimento em I&D. Continuamos, no entanto, aquém do desejável. Segundo o “European Innovation Scoreboard”, Portugal é um “inovador moderado”. Em especial, há duas dimensões que nos penalizam sobremaneira: o reduzido investimento privado em I&D e o diminuto registo de propriedade intelectual. Ambas estarão relacionadas com a tipologia das empresas portuguesas, mas também com as circunstâncias, deficiências e limitações institucionais do nosso país.
Para compensar a falta de investimento privado em I&D, o financiamento da inovação em Portugal é realizado sobretudo a partir de fundos públicos, que são apropriados pelas empresas privadas e pelas organizações públicas, mormente o ensino superior, que em conjunto produzem I&D.
Por esta razão, ao contrário do que é habitual na Europa, em Portugal não é apenas o financiamento que é maioritariamente público; também a produção de I&D pende (ainda que ligeiramente) para o lado das organizações públicas e estabelecimento de ensino superior. E daqui decorre, segundo um estudo da Fundação para a Ciência e Tecnologia (“Diagnóstico do Sistema de Investigação e Inovação – Desafios, Forças e Fraquezas rumo a 2020”, citado no Acordo de Parceria 2014-2020 entre Portugal e a UE, p.22)”, que a percentagem de doutorados nas empresas portuguesas é baixíssima, quase inexistente, comparado com o que sucede noutros países da Europa.
O conhecimento aplicado não passa, portanto, para o nível das empresas. E porquê? Porque os incentivos não são ainda suficientemente fortes para quebrar o muro entre a academia e a economia, entre o sector público e o privado.
A transferência de conhecimento aplicado deveria, pois, estar na vanguarda da agenda que rege os fundos europeus. Em primeiro lugar, não deveria ser permitido que estudos académicos que nada têm a ver com competitividade empresarial (como, por exemplo, os estudos “REBUNIONS: Reconstruindo o poder sindical na era da austeridade” ou “BLEND: Desejo, Miscigenação e Violência: o presente e o passado da Guerra Colonial Portuguesa”, ambos do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) fossem aprovados no âmbito de programas como o COMPETE.
Adicionalmente, os incentivos fiscais ao investimento em I&D deveriam ser muito mais robustos do que são e deveriam reger-se por quadros regulamentares de simples entendimento e de fácil avaliação (e não através dos regulamentos complexos e ininteligíveis que tipicamente encontramos). Despesas de I&D fiscalmente dedutíveis a 100% e critérios que em duas ou três linhas toda a gente entendesse, tais como: gastos com pessoal relacionados com empregos qualificados, gastos associados ao registo de patentes ou, ainda, investimentos em projectos de investigação conduzidos conjuntamente com entidades terceiras. Assim se incentivaria o investimento e o emprego qualificado, assim se incentivaria a economia colaborativa, e assim se criaria uma cultura de inovação. O tal ecossistema que não se cria nem por decreto nem com um helicóptero a despejar notas caídas do céu.
De acordo com os “rankings” europeus, Portugal apresenta hoje bons recursos humanos na área da inovação, condição sem a qual não seria possível promover I&D. Isto tem de ser sublinhado e valorizado. No entanto, é necessário que esse conhecimento seja colocado ao serviço da economia e do país. Desta forma, tem de existir uma boa articulação entre os subsídios que decorrem do PT2020, designadamente aqueles que estão consignados à inovação, e os incentivos fiscais em sede de I&D que o Governo deve promover em paralelo.
Num país como o nosso (pequeno, muito aberto ao exterior, mas ainda com baixa penetração tecnológica), o sector público pode tomar a iniciativa no financiamento e na produção de I&D. Mas é de todo o interesse que esse papel de liderança passe para o domínio das empresas, porque o Estado não deve substituir-se ao sector privado.
Isso representaria a apropriação indevida de margens de lucro por parte de interesses privados, que deveriam estar em primeiro lugar dedicadas ao investimento orgânico em I&D. E representaria também a manutenção do “statu quo” de indiferença que tanto se critica ao sector privado e que, frequentemente, está na base da condescendência e da soberba da academia em relação à economia.
De facto, a captura do Estado não provém somente do sector privado; exerce-se também no seio do próprio Estado.
Ricardo Arroja
01/03/2017
ECO - Economia Online
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