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O que calçam os nossos turistas?
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O que calçam os nossos turistas?
Contrariamente ao Fórum Económico Mundial, não identifico o nosso relativamente reduzido RevPAR como um factor de competitividade: vejo-o antes como sintoma da falta dela.
2016 foi mais um ano de recordes para o turismo em Portugal. Cresceu o número de hóspedes e das respectivas dormidas, subiram os proveitos dos estabelecimentos de alojamento, aumentaram as exportações de viagens e turismo. Apesar destes bons indicadores – ou precisamente por causa deles –, o sector tem sido, nos últimos tempos, alvo de críticas negativas. Uma delas é a que decorre da resposta que muitos dão à pergunta ali em cima, que faz o título deste artigo: dizem que quem nos visita é pé-descalço ou turista pé-de-chinelo. A expressão tem um cunho claramente depreciativo e o dicionário explica o que com ela se quer dizer: gente pobre, do povo, que pertence à arraia-miúda.
Neste ponto eu tenho de confessar a minha incompreensão. Reino Unido, Espanha, França e Alemanha são os nossos principais mercados emissores. Juntos representam mais de metade dos mais de 11 milhões de turistas internacionais que recebemos em 2016. Ora, qualquer um destes países tem um rendimento médio bastante superior ao português. Claro que as médias escondem muita informação. E eu não encontro dados, à excepção dos que resultam dos inquéritos ao turismo internacional, que me permitam fazer a caracterização socioeconómica de quem nos visita. Mas consigo constatar que os salários mínimos de Alemanha, Reino Unido e França são razoavelmente superiores ao salário médio em Portugal e questionar quem é que, afinal, anda de chinelos senão mesmo descalço.
Há, contudo, uma outra pergunta que eu faço e que é mais pertinente: qual seria a alternativa? Como economista que sou, sei que o (de)mérito de X se avalia por comparação ao que seria a realidade sem X. Ora, por cá, frequentemente se confunde a análise “contrafactual” com o exercício de benchmarking. No âmbito deste último, acho que devemos trabalhar para atrair pessoas com elevado poder económico, turistas Louboutin.
O debate não é novidade. Nos anos 50, a ideia era a de que Portugal não tinha condições para que isso fosse possível. A construção do Ritz gerou uma discussão sobre o assunto, dominando a posição de que o país precisava “era um hotel não de luxo, mas de grande turismo, confortável e digno, mas sem ultrapassar o nível de vida aceitável em Portugal”. Na década seguinte, essa é uma orientação contestada e a política oficial passa a preferir o turismo de luxo em detrimento do turismo de massas.
Ao contrário do que faz o Fórum Económico Mundial, não identifico o nosso relativamente reduzido RevPAR (receita por quarto disponível) como um factor de competitividade: vejo-o antes como sintoma da falta dela. A evolução positiva deste indicador, que se prevê continuar, leva-me a concluir que estamos a trilhar o caminho certo. E é isso mesmo: um caminho. Que não deve ser de combate à vinda de turistas ou de ostracização de alguns deles. Como se notava no Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, o primeiro a conter uma secção destinada ao sector, “o ‘turismo das massas’ não pode nem deve ser completamente abandonado […]. O turista menos abastado gasta menores quantias, mas elas têm mais dispersão e beneficiam algumas classes que sem elas pouco virão a lucrar com a existência do turismo em Portugal.” Os nossos turistas podem calçar chinelos, mas na semana passada ficámos a saber que vestem estilistas do Porto.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.
Vera Gouveia Barros, Economista
00:08
Jornal Económico
2016 foi mais um ano de recordes para o turismo em Portugal. Cresceu o número de hóspedes e das respectivas dormidas, subiram os proveitos dos estabelecimentos de alojamento, aumentaram as exportações de viagens e turismo. Apesar destes bons indicadores – ou precisamente por causa deles –, o sector tem sido, nos últimos tempos, alvo de críticas negativas. Uma delas é a que decorre da resposta que muitos dão à pergunta ali em cima, que faz o título deste artigo: dizem que quem nos visita é pé-descalço ou turista pé-de-chinelo. A expressão tem um cunho claramente depreciativo e o dicionário explica o que com ela se quer dizer: gente pobre, do povo, que pertence à arraia-miúda.
Neste ponto eu tenho de confessar a minha incompreensão. Reino Unido, Espanha, França e Alemanha são os nossos principais mercados emissores. Juntos representam mais de metade dos mais de 11 milhões de turistas internacionais que recebemos em 2016. Ora, qualquer um destes países tem um rendimento médio bastante superior ao português. Claro que as médias escondem muita informação. E eu não encontro dados, à excepção dos que resultam dos inquéritos ao turismo internacional, que me permitam fazer a caracterização socioeconómica de quem nos visita. Mas consigo constatar que os salários mínimos de Alemanha, Reino Unido e França são razoavelmente superiores ao salário médio em Portugal e questionar quem é que, afinal, anda de chinelos senão mesmo descalço.
Há, contudo, uma outra pergunta que eu faço e que é mais pertinente: qual seria a alternativa? Como economista que sou, sei que o (de)mérito de X se avalia por comparação ao que seria a realidade sem X. Ora, por cá, frequentemente se confunde a análise “contrafactual” com o exercício de benchmarking. No âmbito deste último, acho que devemos trabalhar para atrair pessoas com elevado poder económico, turistas Louboutin.
O debate não é novidade. Nos anos 50, a ideia era a de que Portugal não tinha condições para que isso fosse possível. A construção do Ritz gerou uma discussão sobre o assunto, dominando a posição de que o país precisava “era um hotel não de luxo, mas de grande turismo, confortável e digno, mas sem ultrapassar o nível de vida aceitável em Portugal”. Na década seguinte, essa é uma orientação contestada e a política oficial passa a preferir o turismo de luxo em detrimento do turismo de massas.
Ao contrário do que faz o Fórum Económico Mundial, não identifico o nosso relativamente reduzido RevPAR (receita por quarto disponível) como um factor de competitividade: vejo-o antes como sintoma da falta dela. A evolução positiva deste indicador, que se prevê continuar, leva-me a concluir que estamos a trilhar o caminho certo. E é isso mesmo: um caminho. Que não deve ser de combate à vinda de turistas ou de ostracização de alguns deles. Como se notava no Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, o primeiro a conter uma secção destinada ao sector, “o ‘turismo das massas’ não pode nem deve ser completamente abandonado […]. O turista menos abastado gasta menores quantias, mas elas têm mais dispersão e beneficiam algumas classes que sem elas pouco virão a lucrar com a existência do turismo em Portugal.” Os nossos turistas podem calçar chinelos, mas na semana passada ficámos a saber que vestem estilistas do Porto.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.
Vera Gouveia Barros, Economista
00:08
Jornal Económico
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