Procurar
Tópicos semelhantes
Entrar
Últimos assuntos
Tópicos mais visitados
Quem está conectado?
Há 77 usuários online :: 0 registrados, 0 invisíveis e 77 visitantes :: 1 motor de buscaNenhum
O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
Os nossos sentimentos
Página 1 de 1
Os nossos sentimentos
Se estas poderosas imagens de uma criança síria morta dada à costa não mudarem a atitude da Europa para com os refugiados, o que será preciso?" A pergunta é do jornal britânico The Independent, ontem. A foto é a do menino de T-shirt encarnada e calções escuros, de borco na praia. Olhos fechados, tranquilo como se dormisse: assim são, horrivelmente tranquilas, as fotos de que se encheu o Facebook nos últimos dias, à mistura com tiradas sobre "os políticos" e "a Europa" e "nós", raiva, lágrimas, juras, poemas, emoticons ou o silêncio de quem não encontra o que dizer. Crianças que flutuam num mar de verão, para sempre alheadas de todas as urgências, pavores, fomes, guerras, ódios, fronteiras.
O menino-símbolo tem direito a nome nos jornais: Aylan, 3 anos, sírio, a rir numa foto com o irmão Ghalib, de 5. Também Ghalib, informam--nos, como a mãe dos dois, morreu. Ainda no The Independent, um político trabalhista diz-nos: "Ninguém pode deixar de ser tocado por esta imagem de partir o coração."
Imagens. Não vimos as dos refugiados que morreram sufocados num camião - seriam demasiado terríveis para mostrar na TV e no FB, como o são as das crianças degoladas no último ano pelas hordas do "Estado Islâmico".
Queremos os mortos da nossa indignação limpinhos, sem sangue, sem putrefação, para podermos partilhá-los sem pudor. Mas quantos afogados nas costas da Europa vimos nos últimos dez anos? Porque é que Aylan é diferente?
É a gota de água, dir-se-á - passe a ironia obscena de o dizer sobre um menino afogado. Ou, com menos lirismo: porque Aylan, com as suas roupinhas tão ocidentais e a sua pele tão branca, parece tanto uma criança "nossa" que não conseguimos remetê-lo para as inevitabilidades de horror que estamos dispostos a aceitar, sem sequer pensar nisso, naqueles lugares e gentes que entregámos à barbárie.
Seja lá por que for, de repente queremos salvar os Aylans, achamos insuportável que possam morrer assim a caminho de nós, no nosso caminho. De repente Aylan é problema nosso, uma criança nossa como não sentimos e continuaremos a não sentir todas as outras em tantas outras tragédias. De repente até que outra coisa, outra causa, outra imagem qualquer inunde a nossa sensibilidade de Facebook. Até porque o motivo pelo qual Aylan veio dar à nossa praia é demasiado complexo, demasiado difícil (quem tem solução para a Síria e o EI levante o braço), demasiado contraditório com a nossa visão de europeus que desesperam com a baixa natalidade mas não querem nem sonhar em compensá-la com não europeus. Até porque acolher e integrar os Aylans custa dinheiro - e não andámos nós, com denodo, a cortar apoios sociais e o valor das crianças no RSI? Até porque Aylan era provavelmente muçulmano - e temos medo do Islão, e motivos para isso. Até porque os "mandantes europeus" que invetivamos sabem tanto como nós o que fazer. E não sabem porque nós não sabemos - e não queremos, de verdade, saber. Até que.
por FERNANDA CÂNCIO
Diário de Notícias
O menino-símbolo tem direito a nome nos jornais: Aylan, 3 anos, sírio, a rir numa foto com o irmão Ghalib, de 5. Também Ghalib, informam--nos, como a mãe dos dois, morreu. Ainda no The Independent, um político trabalhista diz-nos: "Ninguém pode deixar de ser tocado por esta imagem de partir o coração."
Imagens. Não vimos as dos refugiados que morreram sufocados num camião - seriam demasiado terríveis para mostrar na TV e no FB, como o são as das crianças degoladas no último ano pelas hordas do "Estado Islâmico".
Queremos os mortos da nossa indignação limpinhos, sem sangue, sem putrefação, para podermos partilhá-los sem pudor. Mas quantos afogados nas costas da Europa vimos nos últimos dez anos? Porque é que Aylan é diferente?
É a gota de água, dir-se-á - passe a ironia obscena de o dizer sobre um menino afogado. Ou, com menos lirismo: porque Aylan, com as suas roupinhas tão ocidentais e a sua pele tão branca, parece tanto uma criança "nossa" que não conseguimos remetê-lo para as inevitabilidades de horror que estamos dispostos a aceitar, sem sequer pensar nisso, naqueles lugares e gentes que entregámos à barbárie.
Seja lá por que for, de repente queremos salvar os Aylans, achamos insuportável que possam morrer assim a caminho de nós, no nosso caminho. De repente Aylan é problema nosso, uma criança nossa como não sentimos e continuaremos a não sentir todas as outras em tantas outras tragédias. De repente até que outra coisa, outra causa, outra imagem qualquer inunde a nossa sensibilidade de Facebook. Até porque o motivo pelo qual Aylan veio dar à nossa praia é demasiado complexo, demasiado difícil (quem tem solução para a Síria e o EI levante o braço), demasiado contraditório com a nossa visão de europeus que desesperam com a baixa natalidade mas não querem nem sonhar em compensá-la com não europeus. Até porque acolher e integrar os Aylans custa dinheiro - e não andámos nós, com denodo, a cortar apoios sociais e o valor das crianças no RSI? Até porque Aylan era provavelmente muçulmano - e temos medo do Islão, e motivos para isso. Até porque os "mandantes europeus" que invetivamos sabem tanto como nós o que fazer. E não sabem porque nós não sabemos - e não queremos, de verdade, saber. Até que.
por FERNANDA CÂNCIO
Diário de Notícias
Tópicos semelhantes
» Partilha de sentimentos (Caça de comunistas "eras sujeitos a ser os expiões soviéticos" nos EUA de FBI e de CIA)
» Os nossos pinóquios
» Os nossos velhos
» Os nossos pinóquios
» Os nossos velhos
Página 1 de 1
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos
|
|
Qui Dez 28, 2017 3:16 pm por Admin
» Apanhar o comboio
Seg Abr 17, 2017 11:24 am por Admin
» O que pode Lisboa aprender com Berlim
Seg Abr 17, 2017 11:20 am por Admin
» A outra austeridade
Seg Abr 17, 2017 11:16 am por Admin
» Artigo de opinião de Maria Otília de Souza: «O papel dos custos na economia das empresas»
Seg Abr 17, 2017 10:57 am por Admin
» Recorde de maior porta-contentores volta a 'cair' com entrega do Maersk Madrid de 20.568 TEU
Seg Abr 17, 2017 10:50 am por Admin
» Siemens instalou software de controlo avançado para movimentações no porto de Sines
Seg Abr 17, 2017 10:49 am por Admin
» Pelos caminhos
Seg Abr 17, 2017 10:45 am por Admin
» Alta velocidade: o grande assunto pendente
Seg Abr 17, 2017 10:41 am por Admin