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Remunerar a qualidade
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Remunerar a qualidade
Periodicamente, discute-se a remuneração da classe política. E surge o argumento habitual: se queremos os melhores na política, temos de remunerar bem. Como dizem os anglo-americanos, se pagamos amendoins, só teremos macacos. Evidentemente que a qualidade do capital humano tem de ser remunerada de forma apropriada. Não há grande dúvida sobre isso. O busílis está na causalidade subjacente a este raciocínio.
A primeira premissa é que não temos os melhores na política. Quanto a mim, está por provar que a nossa classe política é pior do que noutras democracias consolidadas. E está por provar que a atual geração é significativamente pior do que a geração anterior. Pondo de lado os mitos históricos e geográficos, abandonando a memória seletiva e os complexos de inferioridade, penso que carece de demonstração empírica que a nossa classe política é qualitativamente inferior à dos nossos vizinhos e à do nosso passado.
A segunda premissa é que os melhores não vão hoje para a política por causa do nível remuneratório. Também esta ideia pede uma análise mais fina. Há explicações alternativas possíveis. Os melhores noutras atividades económicas, sociais ou culturais não são necessariamente os melhores na política. Ou os melhores preferem ambientes de trabalho onde podem escolher os seus colaboradores, onde os seus méritos são apreciados ou onde não têm de se submeter aos interesses dos aparelhos partidários e às lógicas puramente funcionais da atividade executiva ou legislativa. Ou os melhores simplesmente não querem ter a sua reputação associada à classe política (lembremos como Cavaco sempre insistiu que não é político depois de quase 40 anos de vida política). Se todos estes fatores forem determinantes, aumentar o nível remuneratório terá um impacto absolutamente marginal na qualidade da classe política. Importa, pois, tornar evidente que todas estas explicações alternativas são de segunda ordem de importância.
A terceira premissa é que podemos aplicar a lógica de mercado: melhor remuneração atrai melhores quadros. Acontece que este mercado está cartelizado pelos aparelhos partidários. Não é um mercado competitivo. Mesmo que haja um batalhão de melhores quadros disponíveis para a causa pública, a decisão cabe aos partidos, que evidentemente não têm qualquer lógica de qualidade, mas sim de fidelidades pessoais e de redes de interesses que garantem os sindicatos de votos. Neste contexto, aumentar a remuneração da classe política não é um acrescento de salário para pagar a qualidade, mas sim uma renda, isto é, uma mera transferência de recursos para um conjunto de agentes que beneficiam já de uma posição privilegiada. Não só teria um efeito contraproducente na qualidade da classe política, reforçando o statu quo, como seria uma alocação ineficiente de recursos públicos.
Parece-me, pois, mais importante "descartelizar" o mercado político antes de ponderar remunerações mais generosas. O primeiro passo é acabar com o monopólio das candidaturas partidárias nas eleições para a Assembleia da República e alterar a lei eleitoral para, entre muitas coisas, permitir candidaturas locais, acabar com o sistema de listas fechadas e mexer nos círculos eleitorais para favorecer a aproximação do eleito ao eleitor mantendo a proporcionalidade (sistema alemão, por exemplo, com uma barreira mínima de 3% no círculo nacional). O segundo passo é uma profunda reforma do sistema de financiamento dos partidos, que, neste momento, favorece descaradamente os partidos instalados à custa dos contribuintes. E, na mesma lógica, introduzir um sistema de monitorização e supervisão do financiamento partidário. A atual legislação não tem qualquer aplicabilidade prática. E apenas protege os partidos instalados de uma verdadeira prestação de contas. O terceiro passo é regular a comunicação social, nomeadamente a televisão, para evitar o enviesamento óbvio a favor partidos do regime com os seus permanentes comentadores, analistas ou as habituais peripécias pré--eleitorais sobre debates que pretendem apenas pressionar as escolhas tradicionais. O quarto passo é reformar a legislação dos partidos, adotando uma filosofia menos intervencionista (os partidos são livres de se organizarem como entendam), mas mais responsável (os partidos são mesmo forçados a prestar contas a terceiros). O quinto passo é garantir instituições de supervisão partidária verdadeiramente independentes. Por exemplo, a presença dos partidos instalados na Comissão Nacional de Eleições não faz qualquer sentido democrático.
Enquanto todas estas reformas forem uma miragem, enquanto os partidos instalados estiverem protegidos pela legislação eleitoral, pelo financiamento público, pelo acesso à comunicação social, pela sua presença asfixiante em todas as instituições do Estado, parece-me que não há qualquer relação entre a qualidade da classe política e as suas remunerações. Como exemplo temos os deputados ao Parlamento Europeu. As remunerações são muito mais atrativas. Os protagonistas são os mesmos. Arrisco mesmo dizer que, fossem as remunerações muitíssimo mais generosas em Portugal, teríamos exatamente os mesmos protagonistas das últimas décadas e a mesma estagnação económica.
21 DE MARÇO DE 2017
00:05
Nuno Garoupa
Diário de Notícias
A primeira premissa é que não temos os melhores na política. Quanto a mim, está por provar que a nossa classe política é pior do que noutras democracias consolidadas. E está por provar que a atual geração é significativamente pior do que a geração anterior. Pondo de lado os mitos históricos e geográficos, abandonando a memória seletiva e os complexos de inferioridade, penso que carece de demonstração empírica que a nossa classe política é qualitativamente inferior à dos nossos vizinhos e à do nosso passado.
A segunda premissa é que os melhores não vão hoje para a política por causa do nível remuneratório. Também esta ideia pede uma análise mais fina. Há explicações alternativas possíveis. Os melhores noutras atividades económicas, sociais ou culturais não são necessariamente os melhores na política. Ou os melhores preferem ambientes de trabalho onde podem escolher os seus colaboradores, onde os seus méritos são apreciados ou onde não têm de se submeter aos interesses dos aparelhos partidários e às lógicas puramente funcionais da atividade executiva ou legislativa. Ou os melhores simplesmente não querem ter a sua reputação associada à classe política (lembremos como Cavaco sempre insistiu que não é político depois de quase 40 anos de vida política). Se todos estes fatores forem determinantes, aumentar o nível remuneratório terá um impacto absolutamente marginal na qualidade da classe política. Importa, pois, tornar evidente que todas estas explicações alternativas são de segunda ordem de importância.
A terceira premissa é que podemos aplicar a lógica de mercado: melhor remuneração atrai melhores quadros. Acontece que este mercado está cartelizado pelos aparelhos partidários. Não é um mercado competitivo. Mesmo que haja um batalhão de melhores quadros disponíveis para a causa pública, a decisão cabe aos partidos, que evidentemente não têm qualquer lógica de qualidade, mas sim de fidelidades pessoais e de redes de interesses que garantem os sindicatos de votos. Neste contexto, aumentar a remuneração da classe política não é um acrescento de salário para pagar a qualidade, mas sim uma renda, isto é, uma mera transferência de recursos para um conjunto de agentes que beneficiam já de uma posição privilegiada. Não só teria um efeito contraproducente na qualidade da classe política, reforçando o statu quo, como seria uma alocação ineficiente de recursos públicos.
Parece-me, pois, mais importante "descartelizar" o mercado político antes de ponderar remunerações mais generosas. O primeiro passo é acabar com o monopólio das candidaturas partidárias nas eleições para a Assembleia da República e alterar a lei eleitoral para, entre muitas coisas, permitir candidaturas locais, acabar com o sistema de listas fechadas e mexer nos círculos eleitorais para favorecer a aproximação do eleito ao eleitor mantendo a proporcionalidade (sistema alemão, por exemplo, com uma barreira mínima de 3% no círculo nacional). O segundo passo é uma profunda reforma do sistema de financiamento dos partidos, que, neste momento, favorece descaradamente os partidos instalados à custa dos contribuintes. E, na mesma lógica, introduzir um sistema de monitorização e supervisão do financiamento partidário. A atual legislação não tem qualquer aplicabilidade prática. E apenas protege os partidos instalados de uma verdadeira prestação de contas. O terceiro passo é regular a comunicação social, nomeadamente a televisão, para evitar o enviesamento óbvio a favor partidos do regime com os seus permanentes comentadores, analistas ou as habituais peripécias pré--eleitorais sobre debates que pretendem apenas pressionar as escolhas tradicionais. O quarto passo é reformar a legislação dos partidos, adotando uma filosofia menos intervencionista (os partidos são livres de se organizarem como entendam), mas mais responsável (os partidos são mesmo forçados a prestar contas a terceiros). O quinto passo é garantir instituições de supervisão partidária verdadeiramente independentes. Por exemplo, a presença dos partidos instalados na Comissão Nacional de Eleições não faz qualquer sentido democrático.
Enquanto todas estas reformas forem uma miragem, enquanto os partidos instalados estiverem protegidos pela legislação eleitoral, pelo financiamento público, pelo acesso à comunicação social, pela sua presença asfixiante em todas as instituições do Estado, parece-me que não há qualquer relação entre a qualidade da classe política e as suas remunerações. Como exemplo temos os deputados ao Parlamento Europeu. As remunerações são muito mais atrativas. Os protagonistas são os mesmos. Arrisco mesmo dizer que, fossem as remunerações muitíssimo mais generosas em Portugal, teríamos exatamente os mesmos protagonistas das últimas décadas e a mesma estagnação económica.
21 DE MARÇO DE 2017
00:05
Nuno Garoupa
Diário de Notícias
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