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O Estado de direito está a ser corrompido. Alguém quer saber?
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O Estado de direito está a ser corrompido. Alguém quer saber?
A decisão de arquivar o inquérito que o Ministério Público abriu a Dias Loureiro e Oliveira Costa, já lá vão oito anos, resulta da impossibilidade de reunir "prova suficiente, suscetível de ser confirmada em sede de julgamento". É o Estado de direito a funcionar, quem quer acusar tem de apresentar provas, quem não consegue provar não acusa.
Só que, no país em que vivemos, há quem se julgue dono da justiça, capaz de provar por preconceito, condenando na praça pública. A mesma procuradora que arquiva por falta de provas despacha que o trabalho realizado "nos permite suspeitar que o verdadeiro objetivo (...) foi tão-só o enriquecimento ilegítimo". Não tendo sido possível a imputação dos crimes de que estavam indiciados, a procuradora não se comove e logo nos avisa que "subsistem as suspeitas, à luz das regras da experiência comum".
A experiência comum com que a Justiça se serve para ignorar as regras do direito está impregnada de preconceitos. Não gosta de ricos, de poderosos, de políticos, de banqueiros, de advogados e até de jornalistas que se atrevam a dizer que o rei vai nu. Suspeita de todos os que não batam palmas ao regresso do pelourinho.
Se eu, ou outra pessoa qualquer, critico esta aberração de arquivar os autos com dezenas de páginas carregadas de insinuações, é certo que sou amigo ou estou ao serviço de Oliveira Costa e Dias Loureiro. É igual quando a crítica se dirige a outros processos conduzidos com prepotência, ignorando os direitos dos arguidos, pelo Ministério Público ou pelo juiz de instrução.
É por causa desta suspeita que recai sobre todos os que não aceitam este regabofe justiceiro que há cada vez menos pessoas disponíveis para pôr o dedo na ferida. Mais grave, muito mais grave, é que há muita gente com responsabilidade que prefere o silêncio. Na hierarquia do Ministério Público não há ninguém incomodado com este despacho? O poder político, que legisla e executa em nome do povo, aceita que a Justiça condene na praça pública sempre que não consegue produzir prova para acusar em tribunal?
De nada servem as meias-palavras. Um criminoso é alguém que teve um comportamento contrário às leis, um comportamento censurável, culpado. Quando por mera convicção, sem provas, a Justiça não cumpre as regras estabelecidas, está a agir igualmente com um comportamento censurável.
Vezes sem conta, assistimos a processos em que a culpa se vai formando nos jornais, em que a investigação se arrasta indefinidamente, até que chegue o tempo de o Ministério Público fazer as acusações e os tribunais os julgamentos, ou não. A quebra do segredo de justiça em nada contribui para que o povo percecione que a Justiça funciona. Uma investigação competente e um julgamento justo têm de ser as exigências de todos.
As fugas de informação sistemáticas foram comuns em dois processos que envolveram dois ex-ministros e que conheceram decisões nos últimos dias. O processo de Dias Loureiro foi arquivado e não faltaram nas redes sociais as acusações de que os poderosos se safam sempre. É isto que a Justiça consegue para si própria sempre que procura condenar na praça pública e se mostra incompetente para sequer produzir prova que sustente uma acusação.
Podendo ainda recorrer para o Tribunal Constitucional, procurando a possibilidade de ir até ao Supremo anular a sentença, Armando Vara viu ontem o Tribunal da Relação do Porto confirmar a condenação decidida pela primeira instância.
Há uma grande diferença entre a justiça de pelourinho que condena toda a sociedade e a justiça baseada na lei, com regras, que arquiva ou acusa, que condena ou absolve. É nesta justiça que queremos acreditar, na justiça que presume a inocência e que dá aos arguidos o direito a um julgamento justo.
Com esta sede de vingança, presumindo culpa havendo a mais leve suspeita sempre que se trata de alguém com sucesso na vida, esquecemos a maior lição que a Justiça nos pode dar: "Mais vale um culpado em liberdade do que um inocente na cadeia." Perdido este princípio, sempre que condenamos um inocente estamos a condenar-nos a nós todos. Que ninguém se iluda: se validamos comportamentos da Justiça à margem das leis e regras estabelecidas, corrompemos o Estado de direito que não se baseia apenas na separação de poderes. Se um desses poderes não se encontra totalmente vinculado às normas e às leis em vigor, compete aos outros poderes garantir que isso acontece.
Alguém quer saber? Alguém com responsabilidade e poder para mudar o que está mal é capaz de explicar ao Ministério Público que um despacho de arquivamento não deve incluir um rol de acusações que a própria procuradora não pretende provar em tribunal?
06 DE ABRIL DE 2017
00:01
Paulo Baldaia
Diário de Notícias
Só que, no país em que vivemos, há quem se julgue dono da justiça, capaz de provar por preconceito, condenando na praça pública. A mesma procuradora que arquiva por falta de provas despacha que o trabalho realizado "nos permite suspeitar que o verdadeiro objetivo (...) foi tão-só o enriquecimento ilegítimo". Não tendo sido possível a imputação dos crimes de que estavam indiciados, a procuradora não se comove e logo nos avisa que "subsistem as suspeitas, à luz das regras da experiência comum".
A experiência comum com que a Justiça se serve para ignorar as regras do direito está impregnada de preconceitos. Não gosta de ricos, de poderosos, de políticos, de banqueiros, de advogados e até de jornalistas que se atrevam a dizer que o rei vai nu. Suspeita de todos os que não batam palmas ao regresso do pelourinho.
Se eu, ou outra pessoa qualquer, critico esta aberração de arquivar os autos com dezenas de páginas carregadas de insinuações, é certo que sou amigo ou estou ao serviço de Oliveira Costa e Dias Loureiro. É igual quando a crítica se dirige a outros processos conduzidos com prepotência, ignorando os direitos dos arguidos, pelo Ministério Público ou pelo juiz de instrução.
É por causa desta suspeita que recai sobre todos os que não aceitam este regabofe justiceiro que há cada vez menos pessoas disponíveis para pôr o dedo na ferida. Mais grave, muito mais grave, é que há muita gente com responsabilidade que prefere o silêncio. Na hierarquia do Ministério Público não há ninguém incomodado com este despacho? O poder político, que legisla e executa em nome do povo, aceita que a Justiça condene na praça pública sempre que não consegue produzir prova para acusar em tribunal?
De nada servem as meias-palavras. Um criminoso é alguém que teve um comportamento contrário às leis, um comportamento censurável, culpado. Quando por mera convicção, sem provas, a Justiça não cumpre as regras estabelecidas, está a agir igualmente com um comportamento censurável.
Vezes sem conta, assistimos a processos em que a culpa se vai formando nos jornais, em que a investigação se arrasta indefinidamente, até que chegue o tempo de o Ministério Público fazer as acusações e os tribunais os julgamentos, ou não. A quebra do segredo de justiça em nada contribui para que o povo percecione que a Justiça funciona. Uma investigação competente e um julgamento justo têm de ser as exigências de todos.
As fugas de informação sistemáticas foram comuns em dois processos que envolveram dois ex-ministros e que conheceram decisões nos últimos dias. O processo de Dias Loureiro foi arquivado e não faltaram nas redes sociais as acusações de que os poderosos se safam sempre. É isto que a Justiça consegue para si própria sempre que procura condenar na praça pública e se mostra incompetente para sequer produzir prova que sustente uma acusação.
Podendo ainda recorrer para o Tribunal Constitucional, procurando a possibilidade de ir até ao Supremo anular a sentença, Armando Vara viu ontem o Tribunal da Relação do Porto confirmar a condenação decidida pela primeira instância.
Há uma grande diferença entre a justiça de pelourinho que condena toda a sociedade e a justiça baseada na lei, com regras, que arquiva ou acusa, que condena ou absolve. É nesta justiça que queremos acreditar, na justiça que presume a inocência e que dá aos arguidos o direito a um julgamento justo.
Com esta sede de vingança, presumindo culpa havendo a mais leve suspeita sempre que se trata de alguém com sucesso na vida, esquecemos a maior lição que a Justiça nos pode dar: "Mais vale um culpado em liberdade do que um inocente na cadeia." Perdido este princípio, sempre que condenamos um inocente estamos a condenar-nos a nós todos. Que ninguém se iluda: se validamos comportamentos da Justiça à margem das leis e regras estabelecidas, corrompemos o Estado de direito que não se baseia apenas na separação de poderes. Se um desses poderes não se encontra totalmente vinculado às normas e às leis em vigor, compete aos outros poderes garantir que isso acontece.
Alguém quer saber? Alguém com responsabilidade e poder para mudar o que está mal é capaz de explicar ao Ministério Público que um despacho de arquivamento não deve incluir um rol de acusações que a própria procuradora não pretende provar em tribunal?
06 DE ABRIL DE 2017
00:01
Paulo Baldaia
Diário de Notícias
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