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Técnica do salame

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Técnica do salame Empty Técnica do salame

Mensagem por Admin Sáb Abr 08, 2017 11:02 am

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Voltemos ao salame, e à forma de, através de ataques sucessivos, desfazer uma peça inteira. Suponhamos que se pretende fazer cair uma aliança, tida como sólida. Basta encontrar uma pequena fissura, o “elo mais fraco”, e escarafunchar por aí. Eliminado esse e enfraquecida a aliança, passa-se ao “elo fraco” seguinte. E assim sucessivamente, até ao desmembrar da aliança.


O texto abaixo transcrito é atribuído a Martin Niemöller, alemão opositor ao nazismo, que o terá escrito em 1933. Mais tarde, aparecem textos semelhantes, escritos por Bertold Brecht, Vladimir Maiakovsky e outros. Dizia o seguinte:

“Um dia vieram e levaram o meu vizinho judeu; como não era judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, levaram o meu vizinho que era comunista; como não sou comunista, não me incomodei.

No terceiro dia levaram o meu amigo católico; como não sou católico, não me incomodei.

No quarto dia vieram e levaram-me.

Já não havia ninguém para reclamar”.

Considero dispensável fazer aqui uma pesquisa aprofundada sobre a paternidade desta ideia. O importante é o que o texto contém e a lição que encerra, que é profunda e intemporal.

O Homem é um animal político, disse-o Aristóteles, e ele próprio pode ter ido buscar essa ideia mais atrás. E dentro da Política, ou do conceito corrente que dela se tem, recorrer a táticas refinadas, a laboriosas estratégias ou mesmo a golpes baixos, é coisa que aceitamos, se não como uma fatalidade, pelo menos com resignação.

O modo de eliminar sucessivamente os inimigos, adversários ou rivais políticos (a classificação varia apenas em função do tempo) tem vindo a ser registado ao longo da História, e Nicolò Machiavelli (mais conhecido entre nós por Maquiavel) não descobriu nada nesse campo: apenas sistematizou e passou a escrito. Assim se obteve um manual precioso de como fazer política sem preconceitos morais. Com incidências no comportamento e na semântica: por exemplo, o conceito de virtù a que Maquiavel recorreu dificilmente pode ser traduzido por virtude, no conceito cristão e atual; baseava-se na determinação do governante em impor a sua vontade, contra oposições e adversidades.

Ao método de eliminação progressiva dos indesejáveis foi posto o saboroso nome de “técnica do salame”, porque a analogia é evidente: vão-se eliminando paulatinamente os tais inimigos, adversários ou rivais (ver o acima dito) um por um, para não dar nas vistas e não ter o aspeto de uma campanha sistemática. Sempre em nome de grandes princípios, como os da Ordem, da Pátria, da Raça, ou até da Lei, se o poder for absoluto. Ou do Povo, que tem as costas largas.

Sendo a acusação uma arma de arremesso, parece que o método seria infalível. Mas tem dois contras, qual deles com pior efeito, e ambos são referidos na sabedoria ancestral.

Um contra decorre do velho ditado “Palavra fora da boca é pedra fora da mão”. O projétil verbal, que em tempos idos podia ser contestado por falta de registo fiável, é hoje uma arma fatal: está registado, escrito, gravado, guardado em memória. Por isso se diz que é mais fácil escrever a História com base nas hemerotecas do que nas bibliotecas ou mesmo nas chancelarias. Embora haja muitos que preferem desvalorizar o que foi dito e escrito em jornais, escritos ou falados, por serem peças literárias de natureza efémera, e portanto para convenientemente esquecer. Pelo menos, é cómodo.

O outro contra decorre de uma ainda mais ancestral tecnologia, a do boomerang, inventado pelos australianos, que não conheciam sequer os metais, mas a quem não faltava criatividade. Pois essa elaborada (que não sofisticada) arma podia voltar ao ponto de partida, quiçá atingindo o desastrado lançador. E não é que os projéteis verbais têm uma malvada tendência de seguir o mesmo percurso?

Basta, pois estar atento às palavras de arremesso, desarmá-las ou reenvia-las ao lançador.

Voltemos ao salame, e à forma de, através de ataques sucessivos, desfazer uma peça inteira. Suponhamos que se pretende fazer cair uma aliança, tida como sólida. Basta encontrar uma pequena fissura, o “elo mais fraco”, e escarafunchar por aí. Eliminado esse e enfraquecida a aliança, passa-se ao “elo fraco” seguinte. E assim sucessivamente, até ao desmembrar da aliança.

Assim fizeram os alemães, na I Guerra Mundial, introduzindo na Rússia um tal Vladimir Ilich Ulianov, que ficou mais conhecido por Lenine. A revolução que ele desencadeou fez cessar a guerra numa das frentes; mas, passados vinte anos, a Alemanha foi derrotada pela União Soviética. A fatia de salame ganhara vida própria…

De modo menos espetacular, há outras formas de reduzir resistências usando o mesmo método. Por exemplo, Donald Trump já anunciou que não haverá fundos federais para os estados e cidades que não aplicarem as leis sobre imigração, por terem sido declaradas inconstitucionais pelas instâncias judiciais.

Nova inconstitucionalidade, dirão uns; tremendamente eficaz, dirão outros. E lá voltamos ao acima dito: a técnica do salame é mais eficaz num regime ditatorial – mesmo que não oficialmente reconhecido como tal.

Em jeito de conclusão: qualquer semelhança com o que se passou, e ainda se passa, do lado do de cá do Atlântico, não é pura coincidência: a técnica do salame é um fenómeno global, que exige de todos nós toda a atenção.

Senão, lá vamos ter à velha (atual) história: primeiro um desconhecido, depois um próximo, depois um amigo, até chegar à nossa vez… tarde demais para reagir.

Nuno Santa Clara
Barreiro
08.04.2017 - 09:08
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