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Portugal, campeão europeu
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Portugal, campeão europeu
Nos últimos anos, Portugal exibiu pela primeira vez na história saldos migratório e natural simultaneamente negativos. É, neste momento, o campeão europeu da "fecundidade super-baixa". E a explicação para tudo isto é um campo de batalha político.
A celebração na passada 6ª feira do Dia Mundial da População e a apresentação pelo Primeiro Ministro de um relatório e conjunto de medidas com o objectivo de estimular a natalidade constituem uma ocasião apropriada para reflectirmos acerca do momento por que passa a demografia portuguesa. E é, efectivamente, um momento único: pela primeira vez na História, o saldo migratório (diferença entre imigração e emigração) e o saldo natural ou fisiológico (diferença entre os nascimentos e os óbitos) são, de há três anos para cá, simultaneamente negativos , contribuindo conjuntamente para o decréscimo da população residente de Portugal.
O saldo migratório foi já negativo em numerosas ocasiões no passado, com destaque para o êxodo da década de 1960. Mas já não o era desde o início dos anos '90, que marcaram a transição de Portugal de país de emigração para país de imigração. Sol de pouca dura, como se verificaria rapidamente: não só a imigração com destino a Portugal diminuiu fortemente de 2000 em diante de forma espontânea (devido à redução das oportunidades de trabalho) como a emigração a partir de Portugal disparou nos anos mais recentes, na sequência da eclosão da crise e sobretudo do aprofundamento desta em resultado da austeridade. Em 2012 e 2013, o volume estimado da emigração ultrapassou até os máximos da década de 1960: cerca de 120 mil saídas em cada um desses dois anos.
O saldo fisiológico também entrou pela primeira vez em terreno negativo em 2007, mas é verdade que estão em causa, neste caso, dinâmicas mais "pesadas", de mais longo prazo. Em diferentes graus e momentos, o mesmo tem vindo a suceder na generalidade das sociedades avançadas, sendo o processo conhecido como a "segunda transição demográfica". Na "primeira" transição demográfica, iniciada nas sociedades mais avançadas no século XVIII, passou-se gradualmente de um "antigo regime" de elevada natalidade e elevada mortalidade para um "regime moderno" de reduzida natalidade e reduzida mortalidade. Já a segunda transição demográfica corresponde à passagem, que na maior parte das sociedades avançadas tem ocorrido nas últimas décadas, para o regime demográfico da pós-modernidade: redução adicional da fecundidade, natalidade abaixo da mortalidade, envelhecimento demográfico e, a prazo, redução da população total. As hipóteses predominantes para explicar este fenómeno assentam sobretudo em alterações ao nivel das estruturas sociais (participação plena da mulher no mercado de trabalho, fragmentação geográfica da família alargada, etc.) mas sobretudo ao nível dos valores (as sociedades pós-modernas serão, supostamente, mais individualistas, mais hedonistas, mais centradas no indivíduo e menos na família).
O artigo que Henrique Monteiro publicou há dias contém um excelente resumo dos factores que são habitualmente associados à redução da fecundidade na 2ª transição demográfica. Mas permito-me discordar deste distinto escriba que comigo partilha as páginas do Expresso online quando ele procura atribuir as causas do actual inverno demográfico português principalmente a estes factores de longo prazo. É que estes factores, que são comuns à generalidade das sociedades europeias, não permitem explicar porque é que o nível de fecundidade em Portugal (1,21 filhos por mulher em 2013) é o mais baixo de toda a União Europeia. Nem porque é que a fecundidade em Portugal caiu tanto e tão depressa nos últimos três anos. Nem porque é que tem vindo a afastar-se tanto do número de filhos que as pessoas afirmam querer ter.
É verdade que a fecundidade se encontra em decréscimo em Portugal há largas décadas, mas a quebra nos últimos anos é especialmente intensa: 1,40 em 2008; 1,35 em 2009; 1,39 em 2010; 1,35 em 2011; 1,28 em 2012; 1,21 em 2013. Aquilo que vivemos agora em Portugal é uma situação que os demógrafos apelidam de fecundidade super-baixa ("lowest-low fertility"), correspondente a um número médio de filhos por mulher inferior a 1,3. Na maior parte dos precedentes históricos, está associada a transformações sociais súbitas e relativamente traumáticas. Os países da Europa Central e Oriental, por exemplo, registaram níveis extraordinariamente baixos de fecundidade nos anos mais duros da transição pós-socialista.
Em Portugal, é claro que está em causa uma conjugação de factores estruturais com o impacto da crise. Os factores estruturais correspondem à segunda transição demográfica, em curso há várias décadas. O efeito da crise, evidente na fortíssima quebra da fecundiade nos últimos três anos, resulta do facto óbvio da natalidade se dar mal com o desemprego, a precariedade e a incerteza face ao futuro.
Até que ponto é que isto é um problema? Bem, a não ser que alinhemos em delírios de grandeza nacional associados de forma simples e simplória à dimensão da população, não há especiais motivos para que devamos ter qualquer fetiche com o aumento ou decréscimo do número de habitantes. Vive-se bastante melhor no Liechtenstein do que no Sudão, apesar da população do primeiro ser muitas vezes inferior à do segundo.
Mas é um facto que as alterações muito rápidas da estrutura etária da população, como aquelas que estão a ser engendradas pelas actuais dinâmicas demográficas, vão criar tensões e constrangimentos adicionais numa economia e numa sociedade que, no presente e no futuro previsível, se encontram já confrontadas com tensões e constrangimentos de monta.
E é também um facto que a baixa fecundidade é um problema quando traduz um desfasamento entre o número de filhos efectivamente gerado (1,21) e o número de filhos desejado pelas famílias portuguesas (2,31), como revela o último Inquérito à Fecundidade do INE . No caso português, a baixíssima fecundidade não é uma mera opção pós-moderna: é uma manifestação de incapacidade de concretizar projectos de vida.
E é ainda um facto que, como sucedeu nos países da Europa de Leste na década de 1990, a fecundidade super-baixa portuguesa contemporânea é um sintoma de uma sociedade que está a passar por um momento especialmente traumático, infelizmente sem fim à vista.
As medidas sugeridas no relatório que o Primeiro Ministro ontem apresentou são, é certo, paliativos meritórios. Mas no contexto de uma economia política da austeridade, da desvalorização do trabalho e da precariedade perpétuas, equivalem a dar aspirinas com uma mão e bastonadas com a outra.
Alexandre Abreu |
7:30 Quarta feira, 16 de julho de 2014
Expresso
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