Viajantes Estrangeiros na Península da Arrábida I – Príncipe Felix von Lichnowski (7

"Terminada a minha excursão, dirigi-me à praça da vila, onde se achava muito povo reunido, por ser dia da feira semanal. Era notável a diferença que se observava entre os camponeses e os habitantes da vila: os primeiros mostravam indícios de uma vida cheia de sossego e de comodidades; pelo contrário, as classes mais pobres da vila tinham a aparência de Lazzaronis; são pela maior parte marítimos, ou jornaleiros das marinhas, sujeitos à vicissitude dos anos bons e ruins, e não chegando nunca a obter uma posição abastada.

Tendo eu devorado um almoço de garfo que me deram – e que a ausência dos capitães permitiu que fosse de algum modo abundante –, parti de Setúbal em um barco. Antes de nascer o Sol tinha mandado os meus cavalos para a Arrábida, pelo moroso e íngreme caminho que aí conduz, e pude assim fazer essa jornada de um modo mais breve e mais agradável. Oito remadores fendiam as ondas com golpes compassados e com a rara perícia que desde séculos possuem no mar os portugueses. Deixámos à esquerda o Castelo de Alcácer e à direita Outão e o farol; passámos pela ponta de areia de Troia, e então bradou-nos uma buzina do forte do piloto, que costuma dirigir os navios quando chegam à barra e que os adverte com um tiro de colubrina quando não respondem.
 
Ao dobrarmos a ponta de um rochedo, sentimos desde logo, pela violenta agitação das vagas, que já nos não achávamos sobre as águas tranquilas da baía. Os remeiros tiveram de trabalhar com muito maior esforço; contudo, passadas duas horas, abicámos em uma pequena lapa a que se dá o nome de Portinho da Arrábida. Saltámos em terra e achámo-nos imediatamente na entrada de uma vasta caverna de estalactites, cujas curvas e espigões apresentavam admiráveis ornatos e formavam uma abóbada, com se fora uma catedral gótica.
 
Em um espaço vasto semelhante a nave de igreja acha-se erigido um altar, aonde ainda hoje se fazem romarias, e que deu à caverna o nome de Santa Margarida da Lapa. Junto à entrada, e como guarda dessa gruta, existe um dragão com a cauda enroscada, que é uma das mais singulares estalagmites que ali se acham. Saindo da caverna, foi forçoso que trepássemos a pé pela empinada serra, pois que pela única vereda que existe não podem subir as cavalgaduras.
 
A dois terços da altura existe o Mosteiro da Arrábida, onde finalmente chegámos, cansados e abrasados pelo terrível ardor do Sol do meio-dia. Este mosteiro teve antigamente grande importância, e deu a uma parte da sua ordem o nome de "província" da Arrábida: foi extinto, como todos os outros; mas houve ainda a fortuna de ser comprado pelo duque de Palmela, que nem teve a desgraçada lembrança de tornar mais útil este monumento histórico por meio de transformações à moderna, nem permitiu que por incúria viesse a desmoronar-se.
 
A situação da Arrábida fez-me recordar vivamente o Mosteiro de Monserrat, na Catalunha. Na verdade, faltam ao primeiro as pontas aguçadas de rochedos torreados que, com as suas ermidas, e à semelhança de mãos abertas, coroam Monserrat e fazem que seja a montanha mais singular do mundo; contudo, o Mosteiro da Arrábida suspende-se também meio debruçado sobre o abismo, do mesmo modo que o celebrado convento da Catalunha, tão visitado por peregrinos."

por Mário Balseiro Dias
(Historiador ) 
 06-08-2014 09:40