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O provincianismo da metrópole e o ministro cosmopolita
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O provincianismo da metrópole e o ministro cosmopolita
"À porta um grupo palrava, e Artur contemplava-o de longe, com devoção, pensando que deviam ser poetas e estadistas...
Subiu-lhe então de repente ao cérebro um vapor excitante de emanações intelectuais: teve pressa de entrar naquela existência - relacionar-se, regalar-se das discussões sobre Arte e Ideal, "ser também de Lisboa"!" (in Eça de Queirós, A Capital!)
1. Lisboa é - não o questiono - uma cidade lindíssima que enche com a sua dinâmica social e cultural quem aí vive e quem a visita.
Tenho bons amigos em Lisboa e gosto muito da vida da capital.
Mas Lisboa não é Portugal e os encantos de Lisboa são poucos quando comparados com os atrativos de um país fantástico que, de norte a sul, sem esquecer as ilhas, surpreende na sua diversidade cultural.
Em suma: há mundo para lá de Lisboa.
Não cessa, por isso, de me surpreender o desconhecimento de uma boa parte desse "universo Lisboeta" relativamente ao resto de país.
Mas pior que o desconhecimento, indigna-me o desinteresse, a indiferença, o descaso.
Encontrar em Lisboa quem nunca tenha ido ao Porto é quase tão fácil como tropeçar nas pedras da calçada.
Guimarães, a nossa primeira cidade é, para muitos, uma espécie de reduto de livros de história.
Já o disse e já o escrevi: para uma parte do "universo de Lisboa" o "Norte" (como gostam de referir-se a cidades tão diferentes como o Porto, Guimarães, Braga, Barcelos, Régua ou Viana do Castelo) é uma espécie de massa amorfa sem identidade nem identidades.
Fica "lá para cima".
É "lá no norte", dizem.
Quando me reconhecem a pronúncia que ostento com orgulho, invariavelmente ouço um "Logo vi que é do Porto".
E quando digo que não, que sou de Guimarães, sou repreendida com um:
"É a mesma coisa, é "lá no Norte"! Há mesmo quem tente encontrar um laivo de afinidade atirando:
"Tenho um primo em Viana", como se fosse ali, mesmo ao virar da esquina.
Costumo responder dizendo que tenho um amigo em Santarém, e fica o assunto arrumado.
Poucos como Eça de Queirós terão descrito tão bem o provincianismo da capital e aqueles que por ela se deixam deslumbrar.
Basta pensar na história de Artur Corvelo, chegado a Lisboa seduzido pelas frivolidades da grande cidade - parecia-lhe que as ideias deviam ter decerto a amplidão das ruas, e os sentimentos a elegância dos vestuários - não tardou estava de volta ao recato genuíno de Oliveira de Azeméis.
2. O provincianismo (de uma parte, bem entendido!) da capital não pode, contudo, ser objecto de censura sem que antes se reconheça que ele apenas espelha o paradigma do nosso modelo de desenvolvimento enquanto país, alimentado por sucessivos governos, sem excepção de cor política.
Década após década, com reservas pontuais, os grandes investimentos públicos foram feitos em Lisboa e os grandes eventos internacionais tiveram lugar em Lisboa.
Nunca lográmos estimular o desenvolvimento de uma rede de cidades de média dimensão economicamente pujantes e culturalmente dinâmicas.
Não conseguimos fixar população no interior e não conseguimos promover a qualidade de vida na capital.
Lisboa atrai quase tudo quanto tem e gera valor em Portugal e o resto do país - em especial o Norte e o Interior - são deixados sem os recursos de que necessitam para se afirmarem no contexto nacional e europeu.
O resultado está à vista.
Nem se vive bem em Lisboa, nem se vive bem no resto do país.
Não se vive bem em lado nenhum.
3. Na semana em que o Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional terminou o último dos cinco roteiros pelos territórios de baixa densidade, vale a pena recordar e sublinhar que, ao longo das últimas décadas, num universo de governantes tantas vezes fechados nas suas torres de marfim, um ministro ousou, como poucos que lhe antecederam, descer ao "país real".
Foi, designadamente, a Arraiolos, a Ferreira do Alentejo, ao Alqueva, a Beja, ao Marvão, a Campo Maior, a Coruche, a Alpiarça, à Golegã, a Abrantes, à Régua, a Foz Côa, a Valença a Cinfães, a Miranda do Douro, a Mondim de Basto, a Alcoutim, a Tavira, a Loulé, a Monchique ou a Aljezur.
Falou com os autarcas e com os cidadãos, visitou empresas e ficou a conhecer o património.
É pena que, ao inverso do que sucedeu nos meios de comunicação social local e regional, nem sempre a imprensa nacional tenha sabido valorizar esta iniciativa, excepção feita, do que me apercebi, para a excelente reportagem de Liliana Valente no Observador.
Com efeito, numa altura em que os "imperativos da austeridade" se fazem sentir com particular severidade nas regiões de baixa densidade, Miguel Poiares Maduro percebeu a importância de "estar presente" e de fazer presente o Estado e a Administração Pública com a criação, em muitos desses locais, dos novos Espaços do Cidadão, uma espécie de "pequenas lojas do cidadão" que conjugam um conjunto de serviços habitualmente prestados nos grandes centros.
Acresce que só o profundo conhecimento das idiossincrasias regionais do nosso país permitirá descentralizar com racionalidade, como sucederá, por exemplo, com a Unidade de Desenvolvimento da Agência de Modernização Administrativa que beneficiará das sinergias a criar com o Operating Unit de Guimarães da Universidade das Nações Unidas.
Por outro lado, o Acordo de Parceria Portugal 2020 espelha esta especial preocupação com as regiões menos desenvolvidas que vão receber 93% dos cerca de 21 mil milhões de euros, já que beneficiam também da quase totalidade dos montantes previstos para os programas temáticos.
Nos Programas Operacionais Regionais, o Norte e o Centro vão receber mais 25% do que no anterior quadro comunitário e aumento para a região do Alentejo cifra-se nos 42%.
Bem executados, os novos fundos comunitários poderão constituir um contributo decisivo para marcar a diferença na redução das assimetrias regionais.
Muito ainda está por fazer - dirão alguns - mas para começo, Poiares Maduro não começa mal!
FRANCISCA ALMEIDA | 7:00 Domingo, 10 de Agosto de 2014
Expresso
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