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O dia em que os lobos passaram a ovelhas
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O dia em que os lobos passaram a ovelhas
O primeiro-ministro de um dos partidos que mais tempo estiveram no poder nos últimos 40 anos veio falar da promiscuidade entre política e negócios a propósito do caso BES
Estamos a um ano das eleições legislativas e, como na Primavera as lagartas se transformam em borboletas, nesta época do ciclo eleitoral os governantes recriam--se em defensores dos pobres e combatentes da corrupção que grassa nos grandes grupos financeiros.
A descoberta de Passos Coelho da incrível promiscuidade entre política e negócios prova que ele tem a invejável capacidade de se abstrair dele próprio em alturas de promessas eleitorais. Nada que nós não soubéssemos do homem que foi eleito a dizer que não aumentava impostos, não cortava nos rendimentos dos reformados que tinham trabalhado uma vida inteira e que a crise não ia ser paga sobretudo por quem trabalha.
Vivemos há 40 anos em democracia, mas quem mandou neste período, salvo durante uma breve interrupção revolucionária, foi a mesma elite económica de antes do 25 de Abril. Há obviamente algumas, muito poucas, modificações no grupo dos homem mais ricos do país, mas Portugal continua a ser um dos países mais desiguais da Europa, em que o poder está na mão de uma minoria.
Mais que democracia e liberdade, o que tivemos até hoje é um jogo, em que tudo parece mudar para que tudo continue exactamente na mesma. A alternância entre PSD/CDS e PS é a base que garante a manutenção do poder dos do costume. É claro que eleitoralmente e historicamente essas forças políticas não são iguais. Mas a sua sucessão é a garantia de uma ilusão de democracia, enquanto se construiu continuamente um regime em que as pessoas têm cada vez menos poder em relação à sua vida. Mais de 90% da população afadiga-se a trabalhar e a sobreviver, enquanto os mais ricos e os seus políticos de companhia decidem e engordam.
Foi esta sucessão de governos que permitiu a completa desregulamentação do mercado financeiro, a multiplicação das imparidades e que distribuiu pelos grupos económicos e financeiros elevadas rendas suportadas pelos contribuintes. O modelo favorito de negócio que estes políticos, em comissão de serviço no governo enquanto esperam lugar à mesa do negócios, são contratos e negociatas em que o Estado paga uma taxa de lucro elevada aos privados e o contribuinte é que corre todos os riscos.
Esta crise sucessiva do modelo económico de acumulação existente configura uma crise política deste regime: de tanto roubarem e especularem rebentaram pelas costuras. Este situação cria a possibilidade da superação democrática deste regime de casta e compadrio. Se cada vez mais gente percebe que esta "democracia" não é democrática, que não podemos ter um poder que é uma espécie de guichet dos interesses corruptos do capital financeiro, então temos uma situação em que a esmagadora maioria da população se opõe a este estado de coisas. É necessário apenas, um apenas que é muito grande, transformar este descontentamento em acção e esta acção em alternativa.
Só os filmes têm finais felizes, e a nossa situação pode apenas piorar. Sem uma ruptura popular e democrática, o caminho conduz-nos a um país cada vez mais dependente em que à população é dado como saída servir os turistas, emigrar ou morrer. Mas o futuro também depende de nós.
Editor-executivo
Escreve à terça-feira
Por Nuno Ramos de Almeida
publicado em 19 Ago 2014 - 05:00
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