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Socialistas - morte natural ou eutanásia?
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Socialistas - morte natural ou eutanásia?
Grande parte dos socialistas e dos sociais-democratas europeus renderam-se ao "realismo neoliberal" e lançaram borda fora o que lhes restava da sua tradição histórica
Assistimos ao lento desmoronar da ideia romântica de uma Europa Unida - federada, solidária e democrática. A solução imposta pela Alemanha para gerir a "crise das dívidas soberanas", desde 2010, expôs e ampliou, nalguns casos de forma dramática, todas as fracturas que, desde o fim da II guerra mundial, se procuravam calcificar. A descrença na Europa unida é total e velhos ódios nacionais reacenderam-se. A maioria dos povos europeus, escaldada, está completamente alheada do "projecto europeu". Olha com desdém para os medíocres dirigentes europeus que nos conduziram até aqui e que, cegos, persistem no mesmo rumo. A elevada abstenção nas "eleições europeias" é um sinal inequívoco do desinteresse e da desmobilização dos povos europeus. De desprezo ao desprezo a que foram votados.
Neste desfecho, os socialistas e sociais-democratas europeus não podem sacudir a água do capote. Não encontraram uma resposta capaz às questões que a globalização colocou e, muito menos, uma resposta à revolução neoliberal que a direita tem conduzido nas últimas décadas. Nem uma alternativa séria à austeridade, imposta por Berlim, como solução à "crise das dívidas soberanas". No fundo, grande parte dos socialistas e dos sociais-democratas europeus renderam-se ao "realismo neoliberal" e lançaram pela borda fora o que lhes restava da sua tradição histórica e dos seus pergaminhos ideológicos. A começar pelo partido social-democrata alemão, agora coligado no governo com os falcões da política europeia.
Não é, pois, de estranhar que, neste trilho, enquanto o presidente francês, o socialista François Hollande, passeia a sua desorientação política e a sua impopularidade pela reabertura do museu Picasso, Manuel Valls, o primeiro-ministro, também socialista, proponha a alteração do nome do partido socialista e sua unificação política, orgânica e programática com as forças políticas da direita francesa. Por este caminho, ao desfazer da União Europeia, tal como foi projectada, somar-se-á o domínio avassalador de um pensamento único, meio caminho andado para o totalitarismo.
A falta de reflexão, de pensamento e de soluções práticas do socialismo democrático, como alternativa à revolução neoliberal, não apareceram agora com esta crise. Vêm de trás. Já em 1996, um ano antes do trabalhista Tony Blair, a cara-metade de Bush, na aventura da invasão do Iraque, ter chegado ao poder na Grã-Bretanha, com a sua "terceira via", Alain Touraine, numa carta aos socialistas franceses, independentemente do que na altura propunha, levantava muitas das questões que hoje se colocam aos socialistas europeus. Escrevia Touraine: "A esquerda parece esquartejada entre uma política realista de direita e um discurso que soa a vazio". Esta inclinação da maioria dos socialistas e sociais-democratas europeus para pensar como a direita; este acomodar ao "realismo" da ditadura do dinheiro sobre a dignidade dos cidadãos, sobretudo os mais desprotegidos, não vai dar bons resultados. Deixa milhões de pessoas, por essa Europa fora, sem esperança, nem representatividade política. Se esta eutanásia acontecer, um turbilhão de novas esperanças pode varrer os socialistas do mapa político da Europa. Citando a última frase de "Cem Anos de Socialismo", de Donald Sassoon: "Todos quantos têm mostrado simpatia para com o projecto socialista, que têm sofrido com as múltiplas prevaricações, os constantes compromissos e as hesitações estultas dos partidos organizados, não devem esquecer que, apesar de tudo, esses partidos são a única esquerda que resta". Agora, cabe perguntar: até quando?
PS - O facto da direita portuguesa, o PSD e o CDS-PP, estar obrigada a concorrer às próximas eleições coligada é uma boa notícia. O facto do PS mostrar disponibilidade para dialogar com outros partidos e movimentos de esquerda, tendo em atenção a formação do próximo governo, é outra boa notícia. É pouco, mas é um caminho para a separação de águas.
Jurista. Escreve à segunda-feira
Por Tomás Vasques
publicado em 27 Out 2014 - 05:00
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