Corrupção e Democracia

Quem ler jornais, ouvir os noticiários da televisão e da rádio, ficará com a sensação de que nunca tantos e tão importantes casos de corrupção foram denunciados...

1. Na passada semana comemorou-se o dia internacional da luta contra a corrupção.

O tema da corrupção tem estado presente - esmagadoramente presente - na vida política, económica e social de quase todos os países europeus.

Quem - pelo menos na Europa - ler jornais, vir e ouvir os noticiários da televisão ou da rádio, ficará com a sensação de que nunca tantos e tão importantes casos de corrupção foram denunciados, acusados e punidos nesta parte do mundo.

No quadro dos organismos europeus, nunca, também, a discussão sobre a eficácia dos mecanismos legais de prevenção e de combate à corrupção foi tão activa e continuada.

2. A análise da corrupção e a da sua repercussão na vida social dos países pode situar-se em dois planos diversos.

Um, o mais popular, é o plano mediático: cinge-se à concreta acção da Justiça e à qualidade social dos envolvidos em processos conhecidos.

O outro, mais reflexivo, tem de ser, necessariamente, político: deve incidir na natureza e no desempenho do sistema económico e social em que tais casos, em regra, acontecem.

O primeiro plano pode, de algum modo, ajudar a ilustrar a ponderação sobre o ambiente social em que a verdadeira corrupção ocorre. Não deixa, contudo, pela visibilidade ofuscante de muitas personalidades envolvidas, de permitir, também, escamotear as causas mais profundas da situação presente.

Situar o objecto desta discussão quase só nos casos singulares pode - é manifesto - render vantagens imediatas para os que participam activamente na lide política e mediática: daí a preferência evidente que esta vertente da discussão sobre corrupção assume nos dias de hoje.

O limitado e sempre nebuloso âmbito de tal análise poderá, porém, conduzir, em simultâneo, a uma erosão da própria ideia de democracia, favorecendo, inevitavelmente, as forças subterrâneas que sempre espreitam para a enfrentar directamente.

O desafio que se coloca aos que defendem a democracia - e, consequentemente, o Estado de direito - é, pois, o de evidenciar e procurar erradicar as situações que têm permitido que o sistema constitucional democrático seja, já hoje, confundido por muitos com o próprio fenómeno da corrupção.

Tal desafio exige, pois, um debate crítico, profundo e sem tabus sobre a sociedade actual e os interesses que nela vingam: um debate político franco sobre as opções capazes de mudar, verdadeiramente, os mecanismos geradores da corrupção.

3. O aumento da corrupção é um facto; mas, por outro lado, a percepção pública desse fenómeno é, também, o resultado da disputa que o campo da legalidade, as instituições constitucionais e os agentes que as servem com rectidão e coragem, com ela travam diariamente.

Essa disputa - reconheça-se - não tem sido isenta de erros, de fragilidades e de hesitações e as exigências que a sociedade, por causa dela, faz à Justiça são, reconhecida e justamente, as maiores.

Insistir sempre e apenas na discussão do impacto e do sucesso concreto das medidas e acções repressivas que a justiça conduz, escamoteia o objecto essencial da verdadeira discussão e ajudará, tão-somente, a que corrupção, e a casta que dela beneficia, consigam esmagar, por fim, os valores do direito e da cidadania.

Aliviada da pressão que pode resultar de uma abordagem política clara, decidida e pública sobre o fenómeno da corrupção, tal casta conseguirá - como sempre fez - cercear os mecanismos da justiça, condicionar a acção dos seus agentes, e iludir, assim, a opinião dos cidadãos sobre as suas verdadeiras causas e culpados. Escreve à terça-feira

Por António Cluny
publicado em 16 Dez 2014 - 08:00
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