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Corrupção é corrupção. Ponto final. Parágrafo
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Corrupção é corrupção. Ponto final. Parágrafo
Há momentos em que o excesso de ingenuidade em política parece mais compadrio mal disfarçado de cegueira política.
É bonito! É até querido! É mesmo comovente constatar tanta camaradagem, tanta solidariedade para com correligionários e camaradas. Mas há momentos em que o excesso de ingenuidade em política parece mais compadrio mal disfarçado de cegueira política. E quando isso acontece, o que resta é apenas indignação com tanto despudor.
E é de indignação o único sentimento que é possível sentir quando se observa a reacção que o PCP, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, e o ex-líder Francisco Louçã tiveram perante a decisão da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de empossar o seu antecessor, Lula da Silva, como seu ministro, para que este ganhasse direito a ser apenas julgado pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil — o equivalente ao Tribunal Constitucional português — e assim evitar a possibilidade da sua iminente prisão preventiva no âmbito da operação Lava-Jato.
Não interessa sequer discutir se as acusações criminais a Lula da Silva são ou não verdadeiras. Cabe à Justiça brasileira investigar, provar e punir. O que é facto é que há uma vasta quantidade de políticos brasileiros, dirigentes de vários partidos, governantes, deputados, senadores que foram ou estão a ser investigados por práticas de corrupção. Os casos são vários e vão do Mensalão ao Lava-Jato. Há várias investigações autónomas em curso, sendo que Lula da Silva é referido ou investigado em quatro. É um facto que o juiz Sérgio Moro extrapolou os limites do cargo ao divulgar escutas que devem ficar em sigilo. Mas isso em nada invalida que ele seja uma figura determinante pela coragem que tem demonstrado na investigação Lava-Jato. E por outro lado é bom salientar que ele não é o único juiz que investiga a corrupção na política brasileira.
É também uma evidência que é uma habilidade política de quem se acha impune e acima do Estado de direito democrático optar, como a Presidente Dilma Rousseff fez, por dar posse ao seu antecessor, como ministro do seu Governo, com o objectivo evidente de que este ganhasse o privilégio de só poder ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro. É uma forma de abuso do poder em que Dilma Rousseff pôs em causa o respeito que os ocupantes dos órgãos de soberania democráticos devem uns aos outros.
É bom recordar que, no Estado de direito democrático, os órgãos de soberania são os órgãos de poder político — os presidentes, os parlamentos e os governos —, mas são-no também os tribunais. E que é do equilíbrio de poderes entre estes três órgãos que vive a democracia. Como é bom referir que, no Estado de direito democrático, a Justiça tem de ser autónoma e operante, sem medo do poder político e independente deste. Mais: uma das diferenças entre democracia e ditadura é precisamente a existência nesta última de uma Justiça discricionária exercida por um poder político que não reconhece autonomia aos tribunais. Assim como tem de ser dito que numa democracia é essencial a existência de liberdade de imprensa e de um jornalismo livre que exerça a sua função de escrutinar o poder político.
Isto tudo vem a propósito da indignação de ver parte da esquerda portuguesa a relativizar o que se passa no Brasil e a fazer de Dilma Rousseff e de Lula da Silva vítimas de tenebrosas conspirações de juízes e jornalistas. Seria ridículo se não fosse grave ler o comunicado do PCP em que é dito que "os recentes desenvolvimentos no Brasil não podem ser desligados do aprofundamento da crise do capitalismo", que no Brasil "os seus sectores mais retrógrados e antidemocráticos promovem uma intensa operação de desestabilização e de cariz golpista", que agem "por via da instrumentalização do poder judicial e da acção de órgãos de comunicação social", para uma "acção de desestabilização indissociável do conjunto de manobras de ingerência promovidas pelos Estados Unidos".
Mas igualmente grave é a declaração feita por Catarina Martins de que a acção da Justiça brasileira é um "golpe de Estado do século XXI", acusando "um poder judicial, com órgãos de comunicação social, que está a agir fora do Estado de direito". Ou a relativização feita por Louçã na SIC, em que tentou reduzir ao ridículo as investigações.
Será que Louçã quer fazer de conta que acha que todos nós acreditamos que ele acredita que os indícios conhecidos sobre Lula são tão-só a ida uma vez a uma casa que pensou comprar e não comprou? Considera Louçã que nós acreditamos que ele acredita que é apenas por causa de um juiz que é teimoso e persegue Lula que este está a ser investigado? Será que Jerónimo de Sousa e a restante direcção do PCP acreditam mesmo que nós acreditamos que eles acreditam que o que está em causa é um ataque do capitalismo e dos Estados Unidos a um líder de esquerda?
Minhas senhoras e meus senhores, corrupção é corrupção. Ponto final. Parágrafo.
SÃO JOSÉ ALMEIDA
26/03/2016 - 00:25
Público
É bonito! É até querido! É mesmo comovente constatar tanta camaradagem, tanta solidariedade para com correligionários e camaradas. Mas há momentos em que o excesso de ingenuidade em política parece mais compadrio mal disfarçado de cegueira política. E quando isso acontece, o que resta é apenas indignação com tanto despudor.
E é de indignação o único sentimento que é possível sentir quando se observa a reacção que o PCP, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, e o ex-líder Francisco Louçã tiveram perante a decisão da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de empossar o seu antecessor, Lula da Silva, como seu ministro, para que este ganhasse direito a ser apenas julgado pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil — o equivalente ao Tribunal Constitucional português — e assim evitar a possibilidade da sua iminente prisão preventiva no âmbito da operação Lava-Jato.
Não interessa sequer discutir se as acusações criminais a Lula da Silva são ou não verdadeiras. Cabe à Justiça brasileira investigar, provar e punir. O que é facto é que há uma vasta quantidade de políticos brasileiros, dirigentes de vários partidos, governantes, deputados, senadores que foram ou estão a ser investigados por práticas de corrupção. Os casos são vários e vão do Mensalão ao Lava-Jato. Há várias investigações autónomas em curso, sendo que Lula da Silva é referido ou investigado em quatro. É um facto que o juiz Sérgio Moro extrapolou os limites do cargo ao divulgar escutas que devem ficar em sigilo. Mas isso em nada invalida que ele seja uma figura determinante pela coragem que tem demonstrado na investigação Lava-Jato. E por outro lado é bom salientar que ele não é o único juiz que investiga a corrupção na política brasileira.
É também uma evidência que é uma habilidade política de quem se acha impune e acima do Estado de direito democrático optar, como a Presidente Dilma Rousseff fez, por dar posse ao seu antecessor, como ministro do seu Governo, com o objectivo evidente de que este ganhasse o privilégio de só poder ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro. É uma forma de abuso do poder em que Dilma Rousseff pôs em causa o respeito que os ocupantes dos órgãos de soberania democráticos devem uns aos outros.
É bom recordar que, no Estado de direito democrático, os órgãos de soberania são os órgãos de poder político — os presidentes, os parlamentos e os governos —, mas são-no também os tribunais. E que é do equilíbrio de poderes entre estes três órgãos que vive a democracia. Como é bom referir que, no Estado de direito democrático, a Justiça tem de ser autónoma e operante, sem medo do poder político e independente deste. Mais: uma das diferenças entre democracia e ditadura é precisamente a existência nesta última de uma Justiça discricionária exercida por um poder político que não reconhece autonomia aos tribunais. Assim como tem de ser dito que numa democracia é essencial a existência de liberdade de imprensa e de um jornalismo livre que exerça a sua função de escrutinar o poder político.
Isto tudo vem a propósito da indignação de ver parte da esquerda portuguesa a relativizar o que se passa no Brasil e a fazer de Dilma Rousseff e de Lula da Silva vítimas de tenebrosas conspirações de juízes e jornalistas. Seria ridículo se não fosse grave ler o comunicado do PCP em que é dito que "os recentes desenvolvimentos no Brasil não podem ser desligados do aprofundamento da crise do capitalismo", que no Brasil "os seus sectores mais retrógrados e antidemocráticos promovem uma intensa operação de desestabilização e de cariz golpista", que agem "por via da instrumentalização do poder judicial e da acção de órgãos de comunicação social", para uma "acção de desestabilização indissociável do conjunto de manobras de ingerência promovidas pelos Estados Unidos".
Mas igualmente grave é a declaração feita por Catarina Martins de que a acção da Justiça brasileira é um "golpe de Estado do século XXI", acusando "um poder judicial, com órgãos de comunicação social, que está a agir fora do Estado de direito". Ou a relativização feita por Louçã na SIC, em que tentou reduzir ao ridículo as investigações.
Será que Louçã quer fazer de conta que acha que todos nós acreditamos que ele acredita que os indícios conhecidos sobre Lula são tão-só a ida uma vez a uma casa que pensou comprar e não comprou? Considera Louçã que nós acreditamos que ele acredita que é apenas por causa de um juiz que é teimoso e persegue Lula que este está a ser investigado? Será que Jerónimo de Sousa e a restante direcção do PCP acreditam mesmo que nós acreditamos que eles acreditam que o que está em causa é um ataque do capitalismo e dos Estados Unidos a um líder de esquerda?
Minhas senhoras e meus senhores, corrupção é corrupção. Ponto final. Parágrafo.
SÃO JOSÉ ALMEIDA
26/03/2016 - 00:25
Público
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